Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Turfe - Apostas: o Futuro Pertence à França, por Sergio Barcellos

Em artigo assinado pelo jornalista inglês Desmond Stoneham, publicado no último número da revista Courses & Elevage, n° 314, junho-julho de 2011, o mundo do turfe confirma o que todos, de uma forma ou outra, já imaginavam: em matéria de volume de apostas em corridas de cavalo, o futuro do turfe europeu, e de parte ponderável do turfe mundial, pertence à França.

É isso que dá conta a entrevista do presidente do Pari Mutuel Urbain – PMU (uma associação entre a France Galop e a Societé du Cheval Français), Phillipe Germond, sobre a notável evolução da atividade naquele país, e as conseqüências disso para seus vizinhos, como Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Itália, Espanha, Bélgica, e todo o leste europeu.

Resumindo, são os seguintes os números e os conceitos de gestão do PMU, em matéria de apostas em corridas de cavalo. A seguir.

Os números

(1) De 2009 para 2010 – apesar da recessão econômica internacional iniciada em setembro de 2009 –, o volume de apostas em corridas de cavalos na França cresceu 2,6%, atingindo 9,54 bilhões de Euros (equivalentes a US$ 13,8 bilhões). Nos quatro primeiros meses de 2011 (período janeiro-abril), houve novo incremento de 3,4%, comparado ao mesmo período de 2010.

(2) Desse total, a atividade turfística (ou seja, as corridas rasas, sobre obstáculos e o trote) recebeu Euros 701 milhões (US$ 1,145 bilhões), líquidos, já descontados os impostos, e o que retorna para o bolso dos apostadores (equivalente a um incremento de 8% em relação aos números de 2009).

(3) Em impostos sobre as apostas, o governo francês arrecadou Euros 1,024 bilhão (ou US$ 1,484 bilhão), quantia que foi direcionada para diminuir o déficit público do país.

(4) As despesas gerais do PMU foram de Euros 468 milhões (US$ 688 milhões), e a maioria desse valor foi aplicada na publicidade das corridas de cavalo pela televisão, onde, aliás, vários filmes produzidos pelas agências que atendem ao PMU ganharam prêmios de qualidade; e, ainda, na reforma, manutenção, e melhoria das instalações dos hipódromos do país.

(5) O resto, cerca de 75% dos 9,54 bilhões de euros apostados em 2010, retornou ao bolso dos apostadores. O que demonstra a retirada média de 25% sobre o total de apostas recebidas. Vale dizer, que o turfe francês é responsável pela criação de 66.000 empregos diretos, e o triplo disso se considerarmos as atividades colaterais.

(6) O PMU financia um canal de TV a cabo destinado exclusivamente às corridas (Equidia TV) e, ano passado, patrocinou vários eventos esportivos, entre os quais o final das etapas de velocidade do famoso “Tour de France”, de ciclismo.

(7) A Equidia TV, por sua vez, levou ao ar 697 eventos esportivos internacionais relacionados às corridas de cavalo no continente e fora dele, e seu faturamento em publicidade cresceu 119% sobre os mesmo números de 2009. O canal possui mais de 1 milhão de espectadores regulares e irá abrir um segundo serviço este ano de 2011.

(8) Graças a estes excelentes resultados, foi possível à France Galop aumentar os prêmios pagos aos criadores e proprietários de cavalos de corridas rasas e sobre obstáculos em 2011. Assim as corridas rasas da França distribuem hoje uma bolsa total de Euros 110 milhões (US$ 159,5 milhões), e as corridas sobre obstáculos Euros 65 milhões (US$ 94,2 milhões), aos quais se somam os patrocínios obtidos diretamente pela France Galop para as grandes provas do calendário clássico francês.

Conceitos de atuação

São três, os conceitos básicos que regem a atuação do PMU:

(a) Não é permitida a instalação de máquinas “caça-níqueis”, ou de outro qualquer tipo de “loterias “instantâneas” nos hipódromos franceses. Isso é considerado pelas autoridades locais como concorrência predatória em relação ao jogo em corridas de cavalo.

(b) A PMU mantém e controla cerca de 11.000 agências de recebimento de apostas em todo o território nacional, e seu sistema de apostas via INTERNET já soma 500.000 clientes cadastrados. Em 2010, faturou Euros 317.6 milhões (US$ 460,5 milhões), um incremento de 57% sobre os mesmos números de 2009. As apostas em corridas de cavalo na França constituem a maior fatia do mercado dos chamados jogos esportivos “on line” (15% do mercado). Percentagem bem maior que a do futebol.

(c) Parte significativa dos lucros do PMU é hoje direcionada para constituição de um fundo de reserva destinado ao financiamento da completa remodelação do hipódromo de Longchamp; da construção de uma nova pista “all weather” em Chantilly; e do futuro aumento dos prêmios das corridas locais. O conceito por detrás disso tudo é, também, muito simples: “Não há esporte moderno sema a presença de público e boas instalações para acolhê-lo” (enunciado por Edouard de Rothschild, presidente da France Galop, em discurso de outubro de 2009).

As conseqüências para os vizinhos

Tanto sucesso vem causando conseqüências, principalmente para os vizinhos do turfe francês, no caso, especificamente, para Inglaterra, Irlanda e Alemanha, principalmente. Segundo o articulista, “as estatísticas francesas de apostas estão sendo vistas neste momento com lágrimas nos olhos pelos seus vizinhos.”

Mas não é só isso. Treinadores da Inglaterra, Alemanha, Espanha, e muitos outros países, inclusive dos EUA, começam a prestar atenção nos excelentes prêmios pagos aos criadores e proprietários da República do Hexágono.

Com o volume de apostas em estagnação noutros lugares, graças ao impacto da crise econômica, quem parece ter definido bem a questão foi o treinador Jean Claude Rouget, campeão das estatísticas francesas de 2009, quando em carta ao conhecido jornal Paris-Turf, escreveu:

“Não deve nos surpreender que os ingleses estejam vindo para a costa da Normandia (Deauville) em março. Os bookmakers simplesmente mataram as corridas nos países ao redor da França, e só resta nos adaptarmos a uma maior competição. Seja em Cagnes ou em hipódromos (do circuito) parisienses, onde alemães e belgas estão sempre presentes, agora são os italianos e espanhóis que descobriram um delicioso bolo no centro e no sul do país. Graças ao Pari Mutuel e ao nosso sistema de apostas; à programação de corridas; e aos prêmios pagos, o turfe francês é, de longe, o melhor de toda a Europa.”

Em 2010, os alemães tiveram 1.773 cavalos correndo na França, que venceram 163 corridas e se colocaram 646 vezes. Os espanhóis, que dão preferência aos hipódromos do sudoeste do país, inscreveram 1.342 animais e ganharam 112 provas (além de serem assíduos compradores nos leilões de potros de Deauville). Os belgas mandaram 996 competidores que obtiveram 43 vitórias. Os ingleses, por sua vez, inscreveram 250 cavalos, mas já nos quatro primeiros meses de 2011, este número mais que dobrou.

Evidentemente, as autoridades francesas começaram a olhar com atenção esse movimento, e tendem a regulamentar a inscrição de animais estrangeiros em páreos abaixo de um determinado nível. No último dia 5 de maio, por exemplo, no sagrado “Quinté” (o maior, mais popular, e mais tradicional jogo de apostas em cavalos na França), os quatro primeiros colocados (além da dupla vencedora) eram treinados na Alemanha.

Algumas conclusões

Do exemplo de competência dos franceses sobre de como se administra o MGA de um turfe desenvolvido, parecem resultar algumas conclusões (óbvias). Como se segue.

. Não é absolutamente verdade que as apostas em corridas de cavalo estejam fora de moda no mundo. O que está fora de moda, é a forma arcaica e equivocada de estruturá-las e gerenciá-las.

. Da mesma forma, também não é verdade que o turfe deixou de despertar atenção e interesse no mundo moderno. Ao contrário – como demonstra o advento dos jogos “on line” –, joga-se mais em corridas de cavalo na França que em futebol, por exemplo.

. Mais verdadeiro ainda, é que o investimento em instalações condignas destinadas ao público que comparece aos hipódromos, revelou-se condição sine qua para fazer crescer a popularidade e a permanência do esporte entre o público mais jovem.

. Finalmente, resulta inequívoco ser predatória a concorrência, seja dos bookmakers, seja do jogo paralelo, aliados à presença nos hipódromos de “máquinas caça-níqueis”, ou à parafernália das “loterias instantâneas.” Isso não resolve os problemas da atividade. Na verdade, os agrava, e muito, ao criar a falsa impressão de que é possível ao turfe viver de “mesada”, sem preocupar-se com sua efetiva e competente gerência. A respeito disso, as autoridades francesas têm sido implacáveis: cassino nos hipódromos, não!

Então, qual é o segredo da França? Simples: (i) uma estrutura de jogos de apostas que qualquer criança consegue saber de cor; (ii) um maciço investimento na melhoria dos sistemas de captação de apostas via INTERNET; (iii) um rigoroso controle de uma vasta rede de credenciados, que hoje soma mais de 11.000 pontos de venda; e (iv) o retorno de todos os lucros da atividade para a divulgação das corridas pela TV, o investimento na continuada melhoria dos hipódromos, e o aumento dos prêmios pagos a proprietários e criadores. Ponto.

II

Como isso se combina com nossa indigência em matéria de gerência e, principalmente, de conceitos sobre o que seja realmente a atividade, é a grande questão a ser resolvida pelo turfe brasileiro. Sem embargo, os franceses, como de resto os asiáticos, têm demonstrado que há saída, sim, para o esporte e seu MGA.

O que não tem saída, é a conveniente aceitação da idéia de que o turfe pode ser conduzido da forma diletante e improvisada como ele é hoje conduzido no Brasil.

E se alguma de nossas principais sociedades promotoras de corridas ainda tem dúvidas a respeito dessa impossibilidade, não devia continuar enredada em suas absurdas perplexidades.

Devia era tentar selecionar, dentre suas melhores cabeças, aquela que realmente conhece turfe e jogo de apostas, e mandá-la fazer um estágio no PMU, para entender melhor o que foi feito para resgatar o turfe francês da inércia, e projetá-lo como um dos mais prósperos do mundo.

Melhor e muito mais barato isso, do que continuar tentando inventar a roda, e criando projetos – os mais equivocados – para um problema que já foi resolvido por outras instituições bem mais organizadas, e certamente mais experientes que as nossas, em um mercado muito mais competitivo que o nosso.

por Sergio Barcellos/Raia Leve

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