UMA PARALISAÇÃO JUSTA
Li a comunicação da Associação Profissional dos Treinadores, Jóqueis e Aprendizes do Rio de Janeiro, informando que pretendem “paralisar as corridas em sinal de protesto, entre os dias 29 de julho e 1° de agosto”, ou seja, na semana anterior à do GP Brasil 2011. E li também que o movimento conta com o apoio da Associação Carioca dos Proprietários do Puro Sangue Inglês (ACPCPSI), entidade à qual, com muita honra, pertenço.
Para quem ainda não entendeu bem os motivos e razões dessa atitude dos profissionais e dos proprietários matriculados na Gávea, a explicação é muito simples: isso só está acontecendo porque alguém no Jockey Club Brasileiro resolveu, da noite para o dia, descumprir a lei e, pior, se imaginar acima dela. Ou, quem sabe, acima de qualquer lei. Alguém no Jockey Club Brasileiro perdeu o juízo.
E ao perdê-lo, fez as duas coisas: decidiu que não gosta da lei. E como não gosta, simplesmente resolveu derrogá-la. Em outras palavras, investiu-se de poderes divinos.
Pode-se discordar de uma lei, mas não se pode deixar de cumpri-la. Esta é a regra básica da convivência em sociedade.
É da própria Lei do Turfe que o Jockey Club Brasileiro, deve prestar "assistência médica, odontológica e social aos profissionais e a seus dependentes." A todos os profissionais, sem nenhuma distinção. Ponto.
Porém, ainda que assim não fosse; ainda que não houvesse dinheiro para tal (embora todos nós saibamos que dinheiro há, e muito!); ainda assim, haveria, antes da lei dos homens, a lei moral, que não permitiria ao Jockey Club Brasileiro brincar de Deus com a vida daqueles a quem deve em grande parte sua grandeza, seu prestígio, e sua afluência econômica: os profissionais do turfe e os funcionários da instituição.
Então, não se culpe os profissionais e os proprietários pela anunciada paralisação. Culpe-se, sim, o desconhecimento da lei; o absoluto despreparo para o exercício da função; culpe-se a soberba e a impostura, pelo gigantesco abismo que hoje existe entre a direção do clube, de um lado, e seus profissionais e proprietários de cavalos de corrida, do outro, sobre o que realmente significa o turfe e os empregos que ele garante para milhares de pessoas.
É um direito inalienável dos profissionais não permitir que a retirada de seu plano de saúde os coloque em situação de não poder desempenhar em segurança o perigoso ofício ao qual se dedicam. É um direito inalienável dos profissionais terem assegurado tratamento digno em caso de doença e acidentes – e eles podem ser muitos e graves, quando não fatais, como já ocorreu no passado. É um direito inalienável dos profissionais contarem com proteção e amparo médico para eles e suas famílias, quando e se atingidos pelas mazelas da vida.
Mas, acima de tudo, é um direito inalienável dos profissionais da Gávea lutar por isso.
E se alguém tem qualquer dúvida a respeito, deveria ler Santo Agostinho, filósofo, teólogo, e Doutor da Igreja:
“Toda luta é justa, quando for travada por uma causa moralmente justa. Toda luta é justa, quando o ofensor não oferece reparação à ofensa ou aos danos que causa ao seu redor." (vide “A Cidade de Deus”, Santo Agostinho)
A luta dos profissionais da Gávea pela manutenção de seu seguro saúde é mais que justa. E o apoio da Associação dos Proprietários do Rio de Janeiro a essa luta, mais que moralmente justificado.
Até os bichos dos jardins zoológicos do planeta estão cobertos por seguros contratados, e pagos, pelas instituições que os abrigam. Negar isso aos profissionais da Gávea, equivale, exatamente, a fazer retornar o clube à barbárie do mundo pré-social. Negar isso aos profissionais da Gávea, é considerá-los menos que os bichos dos jardins zoológicos. É vê-los como não-entidades, a "coisa nenhuma" dos escravos romanos.
Entretanto, insistir nisso, é uma ofensa à dignidade humana. Um desrespeito às normas que regem uma sociedade organizada. Um atentado à imagem pública do Jockey Club Brasileiro. Uma agressão à nobreza de caráter dos homens que o construíram.
Insistir nisso, brada contra os céus e contra a sensibilidade dos homens justos e de bem. Que venha, então, a paralisação. E que o juízo e a razão retornem à mente de quem criou esse horror e parece se comprazer com ele.
Sergio Barcellos
Sócio do Jockey Club Brasileiro, matrícula 11.419
Proprietário de cavalos de corrida
transcrito do Site Raia Leve
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