Jeane Alves
sábado, 12 de novembro de 2011
Cancha Reta
A carreira foi o esporte e o jogo de preferência do homem do pampa.
Fazia parte tanto de negócios que envolviam grandes somas de dinheiro como das brincadeiras telúricas.
Os ginetes, em pleno campo, se desafiavam. Muitas vezes, no retorno das campeiradas, tiravam cismas de quem possuía o cavalo mais rápido. Todavia, no geral, "atavam" carreiras para datas específicas, geralmente aos domingos.
Nos primeiros tempos, as carreiras eram disputadas com os cavalos de trabalho, os CRIOULOS. Esses eqüinos, de origem ibérica possuíam grande predominância de sangue árabe. Com o passar dos séculos, foram apurados e terminaram se definindo como raça específica do ConeSul e muito valorizada nas atividades de pastoreio.
Os carreiristas sempre preferiam a "cancha reta", de metragem não muito longa. O percurso podia ser de 260 a 400 metros. Com o hábito das carreiras e invariavelmente com o volume de dinheiro envolvido no jogo, a atividade também se transformou em negócio. A paixão de muitos homens pelas carreiras provocou a perda de grandes fortunas: rebanhos e até estâncias. Conta-se que os gaúchos chegavam a apostar as próprias mulheres.
Participar com certa garantia de sucesso significava preparar apropriadamente os cavalos. Dessa forma, apareceram duas especialidades vinculadas às carreiras: a do compositor e a do jóquei.
Até hoje, no pampa, chama-se o treinador de cavalo de "compositor". Eles definiam os alimentos e os exercícios básicos dos animais. Alimentavam-nos com milho e alfafa fenada. Aplicavam-lhes banhos. Treinavam arrancadas e corridas para deixá-los fortes e velozes.
Os animais destinados às carreiras passaram a ser chamados também de parelheiros porque eram comuns as disputas feitas entre dois animais, em parelhas. Quando corriam em maior número, chamavam a carreira de "penca", ou califórnia. Ir às pencas, no Sul, significava, ainda, ir até onde ocorriam as carreiras.
Nos dias de "carreira atada", os cavalos chegavam cabrestrados, cobertos de lindas capas, no geral, coloridas. Todavia, fazia parte da picardia dos jogadores "enfeiarem" os cavalos, sujando-os, desfigurando-lhes os rabos, dando-lhes certo visual de pangarés, para que os adversários não percebessem seus reais valores.
Nas carreiradas, os habitantes da região tomavam conta dos dois lados da cancha. E, ali, passavam o dia. Os bolicheiros armavam ramadas para vender bebidas e comidas. Assava-se churrascos. Aproveitava-se para rever conhecidos, saber das notícias e, nesse ambiente de jogo e convívio social, os jovens aproveitavam para os namoros.
De preferência, as canchas eram trilhadas nas várzeas, com árvores para a sombra e lenha para o fogo, e com um rio ou um arroio correndo perto.
Além das carreiras contratadas com antecedência, os donos de parelheiros se desafiavam em plena cancha. Costumeiramente, alguém quando acreditava na imbatividade de seu cavalo, fazia-o desfilar, gritando: "Sem reserva!", isto é, na linguagem carteirista ele estava disposto a correr contra qualquer animal naquele momento, e a aposta não tinha limite.
As regras não eram muitas. Geralmente, tinham-se maiores cuidados na arrancada. Como a "pista" era curta, o que melhor arrancasse poderia levar vantagem. Os "juízes da partida" utilizavam um laço ou uma bandeira para dar a largada. No final da cancha, ficavam os "juízes da chegada". Um cavalo podia vencer por um pequeno detalhe: "de orelha".
As vantagens eram classificadas conforme a parte do corpo do ganhador ao passar pela baliza de chegada antes do perdedor. Assim, "ganhar de fiador" significava vencer pela diferença da cabeça, pois o "fiador" é a parte do buçal que passa atrás das orelhas e na conjunção com o pescoço. As outras medidas consagradas até hoje são: "de paleta", "de meio corpo", "de virilha". Ganhar "de luz" significava passar à frente do perdedor, sem que este cobrisse qualquer parte do vencedor.
Esses parâmetros ainda hoje são adotados em regiões da campanha.
As carreiras, as apostas eram depositadas em mãos de pessoas respeitáveis ou diretamente feitas em "campo aberto". Nesse casos os apostadores botavam o dinheiro no chão, e o vencedor juntava.
O povo também se divertia nessas festas. O público se alegrava com carreiras de petiços, animais lerdos, burros empacadores e manhosos.
Só no final do século XIX é que a corrida européia, de raias em círculo, foi adotada no Rio Grande do Sul. E, assim mesmo, apenas nas cidades.
Na campanha - e em muitos hipódromos especializados na modalidade - permaneceram as carreiras de cancha reta.
Nos dias atuais, a Cancha Nova do Recanto assim como outras canchas da região cultivam a tradição dos nossos ancestrais...
Postado por Nidiéle Rocha
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