Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Os dez cavalos da minha vida..., por Paulo Gama


Itajara, o melhor de todos !!!

A minha existência turfística teve início nos anos 70. Para ser mais preciso, nos tempos da máquina tricolor do presidente eterno do Fluminense, Francisco Horta. No intervalo, entre os chutes violentos e os lançamentos de Rivelino e os passes e dribles do Paulo César Caju, eu consegui encontrar tempo para ficar enfeitiçado por um cavalo espetacular chamado Grão de Bico, de propriedade da Coudelaria Fan. Os garotos da Rua Sá Ferreira, em Copacabana, juntavam seus míseros tostões, mesadas e semanadas para apostar toda vez em que atuava na Gávea. Nem sempre era possível ter dinheiro para pegar o ônibus, Via Jóquei, e ver de perto suas exibições de gala. A meninada se amontoava no ponto de bicho do Arizão e, pelo rádio, acompanhava as façanhas do pilotado de J.Pedro Filho, imortalizado pelo apelido de “Pouca Roupa”.

Boticão de Ouro foi outro craque a tocar bem fundo no meu coração turfístico. Em tempos de coudelarias poderosas, o filho de Locris surgiu como um fio de esperança para os pequenos proprietários. O dentista Délio dos Santos, o seu proprietário, viveu a emoção celestial de ver o seu cavalo se impor diante de todos e conquistar a simpatia das multidões. Boticão de Ouro, com Jorge Pinto em seu dorso, chegou a vencer a primeira prova da tríplice-coroa em Cidade Jardim, o Grande Prêmio Ipiranga, num dos seus campos mais seletos da história. Mas na segunda prova, montado por Edson Ferreira, sofreu acidente grave, que posteriormente provocou o seu sacrifício. O contratempo deixou todos os turfistas presentes ao prado bandeirante chocados com a imagem de Edson Ferreira agachado, aos prantos, segurando a sua pata lesionada. Foi um dos momentos mais tristes da minha vida.

No dia em que Aporé estreou na Gávea, com a cintilante farda ouro com costuras azuis e boné ouro dos Haras São José e Expedicus, obteve vitória fácil no páreo de três anos perdedor. Fiquei tão encantado com a sua desenvoltura que virei para o Nílson, um amigo que morava na Ilha do Governador, e disse: “Esse cavalo vai ganhar o Grande Prêmio Brasil do ano que vem”, falei como se fosse um vidente. Nílson limitou-se a sorrir incrédulo. Passados 360 dias e Aporé ganhava de ponta a ponta a maior prova do turfe nacional conduzido por Juvenal Machado da Silva. Era a primeira, da série cinco vitórias de Juvenal, na prova em que é recordista de triunfos até hoje. O chileno, Gabriel Meneses, jóquei titular do stud, preferiu montar Amazon, que havia ganhado com sobras o GP 16 de Julho. Dançou. Juvenal, então líder da estatística, comemorou com os fãs.

Baronius foi o puro-sangue com a atropelada mais violenta que tive a portunidade de presenciar. E na tocada incomparável de Gabriel Meneses a gente tinha a nítida impressão que o craque poderia levantar vôo na pista de grama. Depois da fantástica geração com Aporé, African Boy, Amazon, Aragonais, Anglicano, Apple Honey, entre outros, Baronius surgiu como furacão para intimidar ainda mais os rivais da farda tradicional da família Paula Machado. A derrota para Big Lark, uma das mais polêmicas da história do Grande Prêmio Brasil, deixou frustrados os fãs do extraordinário craque.

Para quem não se lembra, Big Lark assumiu a dianteira na reta final, com Antônio Bolino. Baronius atropelou junto com Dark Brown, na farda da mulher de Matias Machline, titular do Haras Rosa do Sul, e proprietario de Big Lark. José Queiroz, joquei de Dark Brown, agarrou a manta de Baronius, para impedir que desenvolvesse a sua atropelada. Gabriel Meneses percebeu e bateu com o chicote na mão de Queiroz, que largou a manta. Baronius engrenou e começou a descontar a diferença. Antônio Bolino diante da aproximação do adversário começou a bater aberto para intimidar. Baronius partiu para cima, mas o chicote bateu em sua vista e ele diminuiu a arrancada. O público vaiou. O julgamento dos comissários de corrida foi o mais demorado de todos os tempos. Mas o páreo acabou sendo confirmado.

Gourmet, do Haras Ipiranga, estreou na Gávea com derrota para Zirbo, o craque gaúcho do Bento Gonçalves, e perdeu. Mas a corrida foi fantástica por que ele havia saído do páreo de uma vitória em Cidade Jardim, na distância de 1.400 metros, para correr prova de Grupo I na Gávea, em 3.000 metros. Depois desta corrida voltou a São Paulo e perdeu na fotografia para Clackson, recordista dos 2.400 metros, na prova preparatória para o Grande Prêmio Brasil. Pensei comigo mesmo.” Este cavalo melhora 100 metros a cada atuação. Se continuar nesta evolução será imbatível no Grande Prêmio Brasil”.

E não deu outra. Primeiro dia de agosto. Dia do meu aniversário. Lá estava o Juvenal no dorso de Gourmet. Pedi a minha mãe o maior capricho no jantar. E ainda dei o cardápio. Pernil, com arroz branco, farofa de ovos e salada de maionese. Mas recomendei que fosse maionese Gourmet. Ela não entendeu e me olhou desconfiada. Fui para o prado e joguei tudo o que tinha na vida na cavalo do Juvenal. Em casa, a mamãe e minha mulher, na televisão, acompanharam o páreo ao vivo. Sabiam que eu era fã do Juvenal e depois da vitória, de ponta a ponta, compreendera então por que fiz tanta questão de escolher a marca da maionese.

Itajara não foi apenas um craque espetacular. Foi sem dúvida, o corredor mais carismático entre todos os que tive a chance de ver atuar nas pistas. Fenômeno da mídia, escrita e televisada, o extraordinário campeão conquistou as massas. Eu era repórter do Jornal do Brasil nesta época. Todos perguntavam por Itajara. A mulher que servia o café na redação. O guardador de carros. O “boy” e a secretária. Até o saudoso colunista, João Saldanha, atrasou-se para chegar no Maracanã e deu um pulo na Gávea para conhecer Itajara de perto. Depois fez questão de escrever uma crônica, “Itajara, o cavalo do povo!”. Itajara não era apenas um cavalo. Era uma vedete. Parava os treinos matinais do prado carioca quando entrava na raia para trabalhar. Todos queriam ver os seus passos. Os cronômetros disparavam por que sabiam que ele certamente iria brincar com eles. Os jóqueis esperavam Itajara sair da pista montado por José Ferreira Reis, o Reisinho, para entrar na raia com suas montarias. Enfim, todos se orgulhavam do craque. Até os possíveis rivais.

Nas pistas, Itajara foi espetacular e imbatível. Sete corridas e sete vitórias. Alguns, espíritos de porco, argumentam até hoje, que ele só correu contra os cavalos de sua geração. Pura sorte das gerações anteriores e posteriores, que não o tiveram pela frente. Com certeza seriam esmagados. Itajara construia a sua corrida com o ritmo que bem entendesse. Não precisava de train forte ou lento. Não dependia de faixa para ajudá-lo e nem de percurso assim ou assado. Largava e pulverizava os rivais. O público delirava e aplaudia de pé o seu estilo avassalador. Não precisava ficar tenso. Como se fosse o maestro e a orquestra, ao mesmo tempo, Itajara regia e executava a própria sinfonia da arte de correr. Sem dúvida, o melhor entre todos os cavalos que tive a chance de ver.

Troyanos, do Haras Santa Maria de Araras, representou capítulo raro na minha atividade profissional. Wilson Pereira Lavor foi um treinador de enorme capacidade e também uma figura humana ímpar. Depois da vitória de Old Master no Clássico Associação Latino-Americana de Jockeys Clubs, Wilson me deu de presente uma das ferraduras do corredor num gesto de apreço e reconhecimento pelas matérias feitas naquela oportunidade. Com Troyanos não foi diferente. Cavalo de enorme categoria, o corredor tinha sérios problemas de casco, que entretanto, não o impediram de conquistar algumas das provas mais importantes do turfe nacional. Entre estas provas, o Grande Prêmio Brasil de 1989, com pule de dez, montado por Carlos Lavor, com apenas 19 anos.

Falcon Jet, do Haras Santa Ana do Rio Grande, teve importância significativa na história do turfe nacional. Foi o cavalo que proporcionou a primeira vitória do fenômeno Jorge Ricardo na história do Grande Prêmio Brasil. Acompanhei como amigo e também na condição de jornalista a angústia de Ricardinho pela demora de vencer a prova. Em 1992, quando o extraordinário corredor, cheio de lama, conseguiu derrotar o seu arqui-rival, Flying Finn, do Sud Numy, que o havia superado em 1990, Jorge Ricardo transformou-se num jóquei ainda melhor. Não vencer este páreo era o seu calcanhar de Aquiles. Depois deste dia ficou mais leve e o mundo do turfe brasileiro ficou aos seus pés. Vale lembrar que este triunfo celebrou uma parceria poderosa que durante os próximos anos dominaria o turfe brasileiro, Jorge Ricardo e João Luiz Maciel.

Se Itajara foi o melhor cavalo que vi correr, certamente Much Better, do Stud TNT, foi o mais eficiente e com maiores conquistas possíveis. Gonçalo Torrealba entrou no turfe feito um furacão. O seu desejo era formar um dream time. Para isso contratou o jovem treinador João Luiz Maciel, o veterinário Flávio Geo Siqueira e o segundo-gerente, Carlos Alberto Silva, o Marimbondo. Faltava o jóquei. No início do ano de 1993, promovi o encontro entre Gonçalo e Jorge Ricardo no apartamento do proprietário, no Leblon. Em pouco mais de meia hora de conversa o jóquei fechou contrato com o TNT e deixou o Haras Santa Ana do Rio Grande, aonde havia conquistado suas maiores vitórias.

O timaço de profissionais formado teve a felicidade de no mesmo ano ser premiado com a cereja do bolo: Much Better. Um craque inexpugnável que ganhou o Latino-Americano duas vezes, o Grande Prêmio Brasil uma vez e foi segundo colocado, no fotochart, em outro, um Grande Prêmio São Paulo e um Grande Prêmio Carlos Pelegrinni, além de outro segundo lugar, nesta mesma prova. Um currículo difícil de algum puro-sangue de corrida brasileiro, algum dia, conseguir igualar.

Sandpit, do Haras São José da Serra, foi outro corredor de exceção. Começou sua campanha na Gávea e saiu do páreo de perdedores com vitória clássica. Aos cuidados de Marcos Carvalho, o Malaio, conquistou o Grande Prêmio Cruzeiro do Sul, o Derby carioca. Seguiu campanha aos cuidados de João Luiz Maciel e levantou inúmeras provas, além de obter a terceira colocação no Grande Prêmio Brasil de 1993. Foi quarto colocado no Grande Prêmio Carlos Pelegrinni. Levado a correr nos Estados Unidos conquistou grande espaço no cenário internacional, com vitoriosas incursões no universo nobre. Para mim foi uma experiência gratificante acompanhar seus primeiros galopes e treinos, ainda potro, no dia a dia dos matinais cariocas e posteriormente ver o reconhecimento mundial de sua enorme categoria.

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