Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Quer ser feliz? Compre um cavalo de corrida, por Sergio Barcellos



“A thing of beauty is a joy for ever.”

Parte expressiva da publicidade da France Galop, a instituição que dirige o turfe francês (9,8 bilhões de euros em apostas em 2010, 66.000 empregos diretos gerados, 2,0% do PIB daquele país), se concentra hoje no aumento do número de proprietários de cavalos de corrida. O conceito por trás disso é muito simples: sem proprietários não há turfe próspero e desenvolvido. Além do que, na França, proprietário é tratado a caviar pelas autoridades que dirigem o turfe local.

Basta abrir qualquer revista de turfe, e ver um anúncio em preto e branco que já se tornou tradicional: a foto de um grupo de amigos no hipódromo e, entre eles, a de um proprietário, cuja gravata é a única que aparece a cores, talvez para destacar a diferença que existe entre ser proprietário de cavalos de corrida e o resto da humanidade em torno.

O turfe francês, bem assim, o turfe europeu e o americano, estão, neste exato momento, incentivando cada vez mais a formação do que, por lá, se chama de "sindicalização da propriedade de cavalos de corrida."

Isso não é, nada mais, nada menos, que a reunião de várias pessoas em um mesmo Stud ou Coudelaria – quanto maior o número, melhor –, para ratear entre si os custos de manutenção do animal, sem perda do prazer e da alegria que este esporte pode proporcionar a quem dele participa diretamente.

A idéia da propriedade comum de um cavalo não é nova. O que é novo, é a ênfase que o turfe moderno vem dando aos "sindicatos" assim constituídos, desde que o grande reformador do turfe francês, o empresário Jean-Luc Lagardère, percebeu que sem fazer crescer o número de proprietários, seria impossível ampliar o mercado da indústria local do puro sangue de corrida e manter abertos, e funcionando, os centros de treinamento e os hipódromos do país.

Como isso se conjuga com a visão paroquial e, portanto, limitada de nossas sociedades promotoras de corridas é a grande questão a ser resolvida pelo turfe brasileiro.

Anos luz atrás

O PIB brasileiro está hoje entre os sete maiores do mundo; milhões de pessoas mudaram para melhor de classes de renda nos últimos anos; o país é o quinto maior destino dos investimentos internacionais, mas o turfe local continua vivendo em outro mundo, o mundo do atraso, alimentado por um pessimismo derrotista, e cercado de dúvidas as mais pueris.

A rigor, o turfe de nossas sociedades promotoras de corridas é um dos raros segmentos da atividade econômica brasileira onde ainda prevalece a síndrome do "complexo de vira-lata", enunciado pelo inesquecível Nelson Rodrigues.

Para as autoridades que dirigem a atividade entre nós, nada parece ser possível: não é possível aumentar o volume de apostas em corridas de cavalo, não é possível atrair público para o esporte, não é possível recuperar as magníficas instalações de nossos principais hipódromos, não é possível ampliar o mercado de trabalho em torno da atividade, não é possível criar mais cavalos, não é possível ter um número maior de proprietários, não é possível...não é possível...não é possível absolutamente nada. Esta parece uma atitude diante da vida, que tange a pulsão freudiana de morte.

De tanto olhar para o abismo de nossas "impossibilidades", o abismo acabou olhando para o ceticismo nato e hereditário que se instalou, ninguém sabe porque, no turfe brasileiro.

Mas, felizmente, como ocorre em todas as sociedades organizadas, sempre há quem não acredite nesse chatíssimo e deletério "mantra do impossível", que decretou antecipadamente a morte do turfe entre nós, marcou a missa de sétimo dia, sugeriu que se loteassem os hipódromos, e deu por encerrada sua missão. Assim é sempre muito fácil: declara-se a derrota, e vai-se embora para casa.

Entre os segmentos que não acreditam nessas histórias de morte anunciada – a maioria delas destinada apenas a assustar os incautos –, encontram-se, pela ordem, o dos criadores de animais de corrida e o daqueles que, não importam as razões e motivos, têm o turfe como sua segunda natureza.

São eles que continuam a produzir animais que vencem aqui e vencem no exterior; são eles que continuam a investir e importar matrizes e reprodutores; são eles que sabem que nada é impossível, ao contrário, tudo é perfeitamente possível e viável. E é a partir deles, que se está construindo, em meio à descrença e toda a sorte de dificuldades, um novo destino para a atividade entre nós.

Como já escreveu Claudio Ramos em brilhante artigo publicado aqui no Raia Leve, só não acredita que o movimento geral de apostas (MGA) em corridas de cavalo pode crescer, quem não acredita, nem nas corridas de cavalo, nem no Brasil.

Tudo é possível

Tange ao absurdo imaginar - em um país que hoje tem no setor agro-industrial (leia-se, o campo) um de seus mais efetivos núcleos de expansão econômica, e que concentra em torno de suas principais cidades uma população cada vez mais ávida por formas as mais diversas de lazer - que não haja mais público, nem interesse, pelas corridas de cavalo entre nós.

Como não faz nenhum sentido, imaginar que a paixão pelos cavalos – um dos raros seres da criação capaz de provocar emoção estética no homem, e isso desde tempos imemoriais – tenha saído de moda. O que saiu de moda, na verdade, foi a forma improvisada, através da qual hoje tratamos o turfe brasileiro, e tudo que a ele se refere.

O que saiu de moda, é a tendência equivocada de imaginar que turfe, aqui e no mundo, pode ser conduzido sem temor reverencial à sua liturgia, sem respeito aos seus postulados técnicos, e sem uma estrutura séria, independente, e racional de comando.

O que saiu de moda, é a brincadeira de fingir fazer turfe, sem, no fundo, acreditar, nem nele, nem no que se está fazendo. Esta brincadeira, há de se convir, já foi longe demais, já nos custou tempo, dinheiro, e empregos demais, já ofendeu demais a nossa sensibilidade, por mais cínica que ela possa parecer.

No quadro social do Jockey Club Brasileiro, ao alcance da mão, existem centenas de turfistas e não turfistas que, se convocados, dariam encaminhamento e solução a qualquer dos problemas – qualquer um – com que hoje se defronta o turfe do Rio de Janeiro. Repita-se, qualquer um.

Querem PhD’s em teoria dos jogos, gente que conhece matemática e cálculos a fundo, capazes de entender e melhorar a estrutura dos jogos de apostas hoje ofertada ao público? O quadro social do JCB tem esse tipo de profissional. Querem comissários de corrida ilibados, com vasta(íssima) experiência das regras de interferência na pista? Eles estão aí entre nós. Querem diretores capazes de supervisionar o trabalho das agências credenciadas, corrigir desvios de conduta, combater o jogo paralelo, fazer mais racional a programação de corridas, numa palavra, chefiar para valer o turfe do Rio de Janeiro? É só saber escolher quem.

O problema, porém, não está na disponibilidade de cérebros capazes de serem mobilizados para bem gerenciar o turfe do JCB. O problema está na incapacidade de distinguir com clareza quem é quem na atividade. E essa incapacidade advém, tão somente, de algo que adia qualquer esperança de sucesso: a incompetência do recrutador para distinguir entre o que é bom, e o que não é.

É como se no JCB dos últimos anos, o “head hunter” natural, ou seja, aquele que indica, elege, e nomeia, tivesse se tornado, não caçador, mas presa de suas vacilações, de seu desconhecimento, de suas perplexidades, e acabasse por perder a própria cabeça, ao invés de reuni-las em prol do bem comum da instituição.

Na verdade, ao invés de “head hunter”, o que temos hoje é um “hunted head”, perdido no processo de escolher rumos, caminhos, e pessoas, que transformem o turfe do JCB no que ele deve ser. E pode ser.

Não admira que nesse contexto, o MGA não evolua como deve, e tudo tenha, de repente, se transformado em campo de caça dos projetos e experiências os mais exóticos, desde a tentativa de derrubada das cocheiras das vilas hípicas com a inevitável diminuição do número de animais disponíveis para formação dos programas, à bagunça dos horários das corridas. A natureza abomina o vazio e, quando ele acontece, geralmente o substitui pela desordem e o caos.

Cavalos de corrida e sensibilidade

Sensibilidade, por definição, é a capacidade de compartilhar as emoções alheias ou de simpatizar. É sensível quem se comove com os outros, e insensível quem se mantém indiferente à emoção alheia.

Da mesma forma, quem se mantém indiferente à beleza e à alegria que os cavalos de corrida podem causar ao ser humano, em princípio, é insensível. Uma espécie de “Rinoceronte”, de Ionesco.

Apresentem um cavalo de corrida a uma criança e, imediatamente, se formará entre os dois um vínculo indissociável de curiosidade e simpatia. É muito simples entender este fenômeno. Mais do que nós, adultos, as crianças e os poetas são absolutamente abertos para tudo que implique emoção estética, a ciência (filosófica) da arte e do belo.

E nada pode ter mais simetria, nada pode ter mais ordem e mais equilíbrio, nada é mais facilmente abarcado pela visão de seu conjunto que um cavalo de corrida. Daí a instantaneidade da relação entre as crianças, os pintores, os poetas, e os cavalos de corrida.

Leonardo da Vinci os reproduziu em fantásticos desenhos, como símbolos da impetuosidade dos sentidos e da imaginação criadora, George Stubbs captou-lhes a anatomia e os movimentos em óleos soberbos, Picasso os fez serem conduzidos pacificamente pela mão das crianças ou aterrorizados pelos conflitos do homem como em Guernica, Degas os pintou em meio à explosão cromática das blusas de seus jóqueis, Sir Alfred Munnings os mostra em toda sua majestade de animais de competição, Roy Lichtenstein os pontilhou a pleno galope em sua pop art.

Os exemplos são inúmeros, seja nas artes plásticas, seja na literatura, seja em qualquer campo do conhecimento humano que discorra sobre aquilo que é realmente passível de admiração neste mundo. Pois cavalos de corrida são, em essência, algo assustadoramente belo. E como tal, significam uma alegria eterna, como escreveu John Keats aí em cima.

Por isso, não se entende que alguém ainda acredite e, pior, divulgue a balela de que os cavalos de corrida, e sua maior expressão no mundo moderno, o turfe, estejam em decadência. Não estão. Ao contrário.

Na Argentina, no dia do Pellegrini, o Jockey Club local geralmente fecha os portões a partir de determinada hora, pois ocorre não caber mais ninguém em San Isidro. Do Japão à África do Sul, dos EUA à Austrália, da França a Dubai, em Singapura, Macao, na Nova Zelândia, no Chile, onde quer que haja um hipódromo e cavalos correndo nos dias de gala do esporte, a multidão estará sempre presente.

E se não está por aqui – como sempre esteve – é porque algo de muito errado acontece neste momento ao turfe do Brasil. E se acontece, não é culpa do turfe, muito menos dos cavalos, e sim nossa exclusiva culpa.

Admitir o contrário, seria admitir que um povo essencialmente sensível, ao ponto do anímico e sonhador, como o povo brasileiro, perdeu sua capacidade de emocionar-se diante do que é belo e emocionante neste mundo. E isso não é absolutamente verdade.

O que os Jockeys Clubs do país têm a fazer, é pôr a mão na consciência e perceber que eles e eventualmente seus dirigentes – e não esse fantástico esporte –, é que estão na contra-voga do mundo desenvolvido. O que os Jockeys Clubs do país têm a fazer é gerenciar melhor seu turfe, e trabalhar para aumentar, e não diminuir, o número de cavalos de corrida, e os milhares de empregos gerados pela indústria em torno deles.

Pois foi aos Jockeys Clubs e seus dirigentes, e a mais ninguém, que foi dada, pelas leis do país, a tarefa de conduzir os destinos do turfe e da criação do cavalo de corrida nacional.

Se eles não sabem mais como fazer isso, deviam confessar suas limitações, ao invés de tentar nos convencer de que o turfe morreu entre nós.

E a única coisa que se pode recomendar a todas as pessoas sem fé, que hoje imaginam continuar dirigindo o turfe brasileiro, é que chegou a hora de darem o exemplo, juntando, sejam amigos, sejam seus pares de diretoria, e comprando um cavalo de corridas. Um só que seja, já basta para se estar mais próximo da atividade, e ser seguramente mais feliz.

pro Sergio Barcellos



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