Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Lobos em pele de panda

Relatório aponta associação da ONG WWF com empresas que promovem desflorestamento e comercializam madeira de origem ilegal

João Rodrigo Maroni A mundialmente popular e respeitada logomarca da organização não governamental (ONG) World Wildlife Found (Fundo Mundial para a Vida Selvagem, na sigla em inglês WWF) pode estar sendo usada como disfarce para esconder a voracidade da indústria madeireira. Ao menos é o que aponta um relatório recente da Global Witness, entidade britânica que investiga conflitos sociais e políticos relacionados aos recursos naturais.

O documento Pandering to the loggers (“Favorecendo os des­­matadores”) – cujo tí­­tulo também faz alusão à palavra “panda”, símbo­­lo da WWF – acusa a Rede Global de Comércio e Florestas (GFTN, na sigla em inglês), programa mantido pela WWF para apoiar o comércio legal e sustentável de madeira no mundo, de ter padrões pouco rigorosos para a filiação de seus membros. Além disso, segundo a Global Witness, o monitoramento das empresas não é eficiente e falta transparência em relação aos compromissos assumidos por elas.

Benefícios

Proteger o nome e a marca tem sido uma preocupação da maioria das entidades ambientais. Ser “queimado” por algum parceiro descuidado ou pouco comprometido com os valores éticos e legais pode colocar anos de trabalho em risco. “É um patrimônio que posso perder de uma hora para outra. Temos 25 anos de atuação e precisamos estar atentos para que as coisas caminhem dentro dos nossos princípios. Nossa responsabilidade é muito maior para manter a nossa credibilidade”, diz Márcia Hirota, diretora de Gestão do Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica, ONGs que atua na preservação de florestas.

Outras entidades tomam medidas ainda mais drásticas para evitar problemas com eventuais parceiros. “Nosso regimento interno não nos permite fazer uso de recursos publicos, por exemplo”, revela o biólogo Solano Martins Aquino, diretor presidente do Instituto Brasileiro de Florestas (IBF), com sede em Londrina. Apesar de atuar na recomposição de florestas naturais – foco diferente da Rede Global do WWF –, o escândalo com a ONG internacional pode respingar, segundo ele, no trabalho de outras entidades.

“Todos os nossos parceiros recebem uma visita: fazemos um diagnóstico da empresa. Só a partir daí atrelamos a marca dessa empresa ao nosso projeto”, explica Aquino. Como garantia, a empresa se compromete junto ao Ministério Público. “Todos os projetos que firmamos são de no mínimo cinco anos. Tudo é averbado e protocolado no MP. Se a empresa não cumprir, ela pode perder até a licença de trabalho.”

ENTREVISTA
Mauro Armelin, coordenador do Programa da Amazônia da WWF-Brasil e presidente do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC).

Como funciona a Rede Global no Brasil?

No Brasil há regras próprias, que são diferentes das da Malásia ou do Reino Unido. Aqui trabalhamos mais com o ramo de construção civil. As empresas associadas têm de passar por uma auditoria independente para sabermos de onde vem a madeira. Depois damos um parecer para saber se ela tem condições de trabalhar conosco ou não. De quatro empresas de produção de madeira que entraram no nosso grupo, três conseguiram certificação (selo FSC) e uma a gente teve que cancelar o termo de cooperação. É um processo que tem começo, meio e fim.

É cobrada alguma taxa das empresas?

Começamos recentemente a cobrar uma taxa pelos custos de manutenção, para colocar um técnico para acompanhar um projeto de avaliação [ele não cita valores]. Hoje existem apenas sete empresas na rede, sendo que uma delas produz madeira da Amazônia [que é extraída no sistema de manejo florestal em regime de sustentabilidade, com rodízio de 25 a 30 anos] e as outras que apenas compram.

O que está sendo feito para melhorar a transparência do sistema?

Ainda estamos estruturando o grupo. Mas de cara vemos que isso [transparência] é uma necessidade. Temos de deixar bem claro as metas que as empresas devem cumprir e até quando devem cumprir.

A associação com o WWF não é ga­­rantia de certificação, certo?

Absolutamente. A meta para toda empresa que se associa à rede do WWF é a de guiá-la para a certificação, que é feita pelo FSC [Conselho Brasileiro de Manejo Florestal].
Por outro lado, diz o relatório, as companhias ligadas ao setor madeireiro estariam se beneficiando da rede global e aproveitando a “garantia” da marca WWF para melhorar a própria imagem perante o mercado e a sociedade. Detalhe: as operações da GFTN recebem verbas públicas de diversos governos, como o dos Estados Unidos e da União Europeia, com o compromisso de evitar o desmatamento. As cerca de 70 companhias associadas ao programa também contribuem anualmente, bem como os vários comerciantes de madeira associados à rede. Estima-se que a arrecadação da ONG chegue a US$ 500 milhões ao ano (cerca de R$ 820 milhões).

O documento analisa detalhadamente três casos de empresas da GFTN que teriam cometido crimes socioambientais. O primeiro é o da companhia malaia Ta Ann Holdings Berhad, acusada de desmatar 20 campos de futebol por dia na floresta tropical da ilha de Bornéu, na Ásia. Até o fim de 2010, mais de 30 mil hectares teriam sido destruídos. “Boa parte da floresta natural que a Ta Ann está derrubando para estabelecer suas plantações de madeira está na área do projeto ‘Coração do Bornéu’, da WWF, descrito como ‘um lugar no sudeste da Ásia onde as florestas tropicais ainda podem ser conservadas em grande escala’. É uma contradição a GFTN ser parceira de uma companhia responsável por destruir a mesma área de floresta tropical que a WWF ativamente trabalha para conservar”, afirma o relatório.

Outro flagrante é o da britânica Jewson, uma das mais antigas integrantes da rede global, que há mais de dez anos vem se associando a empresas fornecedoras de madeira ilegal, inclusive com extração de mogno da região da Bacia Amazônica. O terceiro caso é o da companhia suíço-alemã Danzer Group, cuja subsidiária no Congo estaria envolvida em agressões e conflitos com comunidades locais. O relatório lista também outras companhias e seus eventuais crimes ambientais.

Para a Global Witness, as regras de certificação e acesso à GFTN são menos rigorosas que as leis americanas e europeias para importação de madeira ilegal: “Espera-se que este estudo traga algum retorno e lições não apenas à Rede Global, mas também para muitas outras iniciativas que buscam o engajamento das entidades responsáveis pela destruição das florestas naturais através de programas voluntários que encorajem melhorias nas práticas deste negócio.”

WWF admite falhas no sistema

A ONG WWF reconheceu algumas falhas no seu sistema, mas ressaltou a importância de dialogar com empresas do ramo madeireiro – estejam elas na legalidade ou não. George White, diretor da Rede Global de Comércio e Florestas, explica que a GFTN é bem-sucedida mundialmente, mas que também está sujeita a erros. Nesse sentido, diz ele, as críticas são bem-vindas. No entanto, segundo White, o WWF não permite que as empresas utilizem sua logomarca indevidamente. “Temos regras bastante claras e restritivas quanto a isso”, reitera.

A GFTN possui atualmente cerca de 300 entidades associadas, entre companhias, comunidades e organizações não governamentais, que atuam em 30 países ao redor do mundo. De acordo com White, cerca de 50% do mercado global de certificação de madeira passa pela rede do WWF. “É claro que alguns parceiros ainda têm um caminho a percorrer em suas jornadas até a sustentabilidade. Mas são justamente essas com­­panhias que deveriam fa­­zer parte da Rede Global”, explica o dirigente.

Exposto

Mauro Armelin, coordenador do Programa da Amazônia do WWF-Brasil, tem opinião semelhante. “Temos que traba­­lhar também com as empresas que têm problemas, só que esse relatório aponta muito bem que existem formas de atuar que podem proteger melhor inclusive o próprio WWF e não deixá-lo exposto”, avalia.

Para ele, o estudo da Global Witness merece uma reflexão, principalmente sobre dar mais transparência e publicidade aos acordos com as empresas. “Ao deixarmos as metas bem claras, a sociedade poderá acompanhar, o que também é muito bom. O próprio consumidor vai ajudar a cobrar da empresa. Isso gera envolvimento social com o compromisso assumido”, diz. Apesar de achar que o relatório traz algumas interpretações que podem não ser muito precisas, Armelin vê como positivas as críticas. “Vamos ver o que podemos melhorar nos nossos processos e usar isso para evoluir.”

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