Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

terça-feira, 10 de maio de 2011

Aiortrophe - Grande Prêmio São Paulo 1999





Junte-se um cavalo rejeitado, um haras em via de extinção e um jóquei desprezado e tem-se a receita para a vitória na mais importante prova do turfe nacional. Foi isso, pelo menos, que aconteceu no último Grande Prêmio Brasil, disputado no fim de semana passado no Rio de Janeiro. Aiortrophe, o puro-sangue que chegou em primeiro lugar, era um completo azarão que fez a alegria dos poucos apostadores que acreditaram nele pagando 40 reais para cada real investido. Zirbo Paulielo Junior só foi escolhido para conduzi-lo na corrida porque o dono do cavalo queria um jóquei discreto, que não chamasse a atenção dos apostadores. E o Haras Malurica, que já foi um dos maiores do país, com mais de 400 cavalos nos bons tempos, hoje possui um plantel de menos de cinqüenta animais apenas para se manter nas raias. "Foi a vitória do refugo", comemorou Ricardo Lara Vidigal, o dono do Malurica e de Aiortrophe. Como o vencedor do Grande Prêmio Brasil ganha 130.000 reais, Vidigal forrou o bolso com uma fortuna muitas vezes superior ao preço de seu cavalo. Além disso, ganhou outros 400.000 reais com as apostas que fez em Aiortrophe.


Acometido de uma doença grave que o deixou de cama por seis meses, Vidigal resolveu liquidar seu haras há três anos. Um dos animais levados a leilão foi Aiortrophe. Era, então, um cavalo de dois anos, sem grandes predicados, esperando para estrear nas corridas. Arrematado por 9.000 reais, a ser pagos em doze prestações de 750, o cavalo acabou voltando a seu dono por falta de pagamento da primeira parcela no prazo de 48 horas, como determinava o regulamento do leilão. Pelo mesmo motivo, outros doze animais voltaram para o Malurica, que só por isso não foi fechado de vez. Mas o desprezo de Vidigal por Aiortrophe continuou intacto. Em maio deste ano, o cavalo foi inscrito de novo em um leilão. Outra vez, o acaso interveio para evitar sua venda. "Ele sofreu um problema físico e tive de retirá-lo do leilão", lembra Vidigal. "O Aiortrophe é um cavalo medíocre, mas quando chove, com a pista pesada, ele voa enquanto os outros cavalos patinam."

Durante mais de vinte anos, Vidigal participou com seus valiosos cavalos de corridas no Rio e em São Paulo. O empresário, que tem em seu currículo excentricidades como criar 200 cães da raça mastiff inglês em sua casa no bairro do Morumbi, em São Paulo, era nessa época um dos maiores criadores de cavalos do país. Com eles venceu os mais importantes grandes prêmios. Faltava apenas o Grande Prêmio Brasil. "Ganhei agora, quando já nem acreditava mais." Com a saúde recuperada e o alento da inesperada vitória, Vidigal volta a se entusiasmar pela criação de cavalos e faz planos para seu campeão: "Aqui o Aiortrophe passou a valer 500.000 reais. Mas vou levá-lo para os Estados Unidos e depois de uma vitória lá ele valerá 1 milhão de dólares", sonha.

Quem não pára de sonhar com uma nova vida é o jóquei Zirbo Paulielo Junior, 29 anos, o herói da vitória de Aiortrophe. Até em seu nome Paulielo estava predestinado a viver no mundo das corridas de cavalo. "Conheci quatro Zirbo na vida: meu pai, que era treinador, meu avô, que era jóquei, e dois cavalos", diz. Mas desde que começou a montar, aos 7 anos de idade, os cavalos proporcionaram mais sacrifícios do que alegrias a ele. Vida de jóquei já é naturalmente dura. Eles têm de levantar todo dia muito cedo, porque os cavalos começam a treinar a partir das 5 da manhã, quando a temperatura é mais amena e o desgaste físico dos animais é menor. À mesa os jóqueis obedecem a uma dieta rigorosa, para manter o peso ideal – algo em torno dos 52 quilos. "Mesmo fazendo exercícios diariamente, em dia de corrida às vezes sou obrigado a ficar sem comer", revela Paulielo, que mede 1,60 metro de altura.

Além das dificuldades próprias do ofício, Paulielo enfrentou outras bem piores. Passou a vida brigando para conseguir montarias que garantissem seu sustento a cada semana. Como a maioria dos jóqueis, ele vive dos 10% que ganha sobre os prêmios dos cavalos que pilota. Na última temporada, montou 289 vezes, menos da metade do número de seus companheiros de maior renome. Obteve apenas catorze vitórias, o escore de um mês de um jóquei prestigiado. Montando poucas vezes e em cavalos sem chances, sua renda mal dava para pagar o aluguel da casa em Campinas, onde mora com a mulher, Isabel, e os três filhos, John, Lennon e Pamela. "No ano passado, tirava em média 600 reais por mês", conta. Em doze anos de profissão, nunca havia conseguido montar um cavalo no Grande Prêmio São Paulo ou no Grande Prêmio Brasil, as duas corridas mais importantes do calendário brasileiro.

Em 1992, arrebentou-se todo quando o cavalo que montava num treino se chocou com a cerca da raia. "Perdi o baço, metade do estômago, metade do intestino e tive o pulmão perfurado", relata. Ficou um ano sem poder montar e quando voltou fraturou o tornozelo em novo acidente. Foi escolhido para montar Aiortrophe justamente por ser um jóquei sem muito prestígio no meio. "Com raia pesada o Aiortrophe era barbada e eu precisava apenas de um jóquei que terminasse a corrida sem cair do cavalo", menospreza Vidigal. No Jóquei, o papel de Paulielo merece mais consideração: "Ele trabalhou bastante na preparação do cavalo e teve muitos méritos na vitória", reconhece o treinador Afonso Flório Barbosa. Dono de um Fusca 84 e de dois cavalos sem recomendação de pedigree, Paulielo faz planos para o futuro e para os 13.000 reais que ganhou em cima do lombo de Aiortrophe. "Quero dar entrada numa casinha para me livrar do aluguel. E espero que daqui para a frente eu possa montar bons cavalos sem ter de passar por tanta humilhação", confia ele.

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