Esqueceram o legado de Assis Brasil, Flores da Cunha, Pinheiro Machado e tantos outros...
Ao completar 50 anos da renúncia do presidente Jânio Quadros, que sufocou o turfe brasileiro por fatídico decreto contra os hipódromos; a mídia traz a lembrança de todos os brasileiros, especialmente dos gaúchos, a campanha pela Legalidade, movimento civil e militar liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, pela manutenção da ordem jurídica nacional com a posse do vice-presidente eleito, João Belchior Marques Goulart.
Em 1962, já com João Goulart na presidência em regime parlamentarista, com Tancredo Neves como primeiro ministro, o Congresso Nacional aprovou a denominada Nova Lei do Turfe, resguardando a atividade e as entidades promotoras de corridas serem surpreendidas por arbitrariedade governamental.
Pelo estatuto da época, as entidades turfísticas para poderem promover corridas, deveriam consignar em seus estatutos, entre outras obrigações, o objetivo primordial de fomentar a produção do cavalo puro sangue inglês de corridas. Este compromisso é pétreo e foi consagrado nas expressões utilizadas por Assis Brasil há mais de um século: “ESSA BELÍSSIMA, ÚTIL E PATRIÓTICA INSTITUIÇÃO QUE É A CRIAÇÃO DO CAVALO”.
O que faz o do turfe um esporte singularíssimo é que ele empolga além de determinado grupo de aficionados, um público ávido pelas emoções de uma corrida de cavalos, espetáculo único e cada dia mais presente nos países ditos do primeiro mundo.
O turfe obedece a normas especificas, diz respeito a precisos interesses econômicos, envolve categorias de profissionais, exige atitudes éticas, mas nada disto fica confinado a um circulo fechado, sem outras conseqüências, pois o fenômeno hípico, que se concentra nos hipódromos, produz efeitos que se fazem sentir, de diversas formas e modos sobre o complexo nacional econômico, social e cultural.
O compromisso com o cavalo e a instituição devem ser preservados pelos dirigentes dos hipódromos. O que não está ocorrendo no mais tradicional e importante circo de corridas brasileiro no Rio de Janeiro e, seguido de perto pelo seu par na paulicéia, que já introduziu na sua administração a mesma filosofia, de que é necessário algo maior na sociedade do que o “cavalo e as carreiras deficitárias”.
Quem sabe estes dirigentes não estão se entregando ao mais amplo estado de subserviência às “receitas dos clubes e condomínios de elite”, preparando o bem estar dos novos sócios com equipamentos de laser e de negócios dentro dos limites de uma área que já tem sua finalidade de fato e direito definidos?
Parece que por vezes, alguns se apropriam dos clubes e neles se encastelam com atitudes personalíssimas, fazendo abstração de tudo que não lhes acalentam a pavonice, começando, naturalmente pelo cavalo.
Tanto um como o outro demonstram desconhecimento dos princípios do turfe e ao cavalo idealizados por nossos antepassados ilustres que deixaram um legado. E não é necessário aludir aos criadores, já que se mencionou o cavalo, pois eles são partes indissolúveis e integrantes de uma mesma causa, constituindo ambos a pedra angular de todos os hipódromos em que se perpetua a gloriosa legenda do turfe.
Não será o momento de uma ampla reformulação na administração da atividade turfística no país?
Personalidades que fizeram a história do turfe nacional como Assis Brasil, Flores da Cunha, Roberto e Nelson Seabra, Pinheiro Machado, Conde de Herzberg, Eugenio Augusto de Carvalho Meneses, Paulo de Frontin, Felisberto Caldeira Brant Pontes o Visconde de Barbacena, Almeida Prado & Assunção, Joaquim Manuel Monteiro, Frederico João Lundgren, Linneo de Paula Machado, Raphael Aguiar Paes de Barros, Antônio da Silva Prado, A. J. Peixoto de Castro, João Paulino Nogueira, João Goulart, e tantos outros, devem estar juntos nas tribunas vibrando pela vitória do Turfe Nacional, em cima do disco final...
JOAQUIM FRANCISCO DE ASSIS BRASIL foi um dos fundadores do Partido Republicano Rio-grandense. Tribuno empolgante, de discursos apaixonados e acalorados. A diplomacia era inerente em sua personalidade, embaixador nos Estados Unidos, não participou da Revolução Federalista de 1893. Contraditório em um episódio de sua vida política; não era positivista como seu cunhado Júlio de Castilhos, e nem parlamentarista, porém se alinhou a estes em 1922. Defensor intransigente da democracia com presidencialismo pelo voto no congresso. Viajou o mundo, e quando se retirou da vida pública, foi morar em um castelo, em Pedras Altas, que ele mesmo projetara como arquiteto amador.
Suas maiores paixões foram a poesia e o cavalo. Foi um dos primeiros criadores e incentivadores da criação do cavalo puro sangue inglês. No século XIX fornecia cavalos para o serviço de remonta do exercito e foi um dos fundadores do Jockey Club Pelotense, em Pelotas.
Assis Brasil também foi um dos pioneiros nas exposições de potros nacionais realizadas no Rio de Janeiro. A 5ª Exposição, de abril de 1897, contou com a participação de 26 animais de vários estados. Assis Brasil apresentou neste certame 11 produtos, todos puro-sangue inglês. Premiado com as medalhas de 1ª e 2ª classes com os potros Jaguary (Hannover e Santa Rosa), Itú (Nogal e Bigonette) e a potranca Ivahy (Hannover e La Beliére).
A 19ª Exposição, em maio de 1911, com premiação instituída pelo Comendador Seabra estavam inscritos 21 produtos, sendo 15 do Rio Grande do Sul. Assis Brasil apresentou Astro, por Batt e Dalila, que recebeu Menção Honrosa e a potranca Aurora, por Batt e Antofogasta, medalha de 1ª Classe.
Com a presença do presidente da república, Marechal Hermes da Fonseca, que examinou com interesse os produtos durante a 20ª Exposição, Assis Brasil, novamente estava presente e se fez representar por dois produtos. Bandido, um filho de Fox Flyer em Ortiga foi o grande vencedor do evento. O potro Bandido era neto do reprodutor Flying Fox, tríplice coroado inglês descendente direto de Doncaster, importante tronco da raça puro sangue inglês.
GENERAL FLORES DA CUNHA, era assíduo freqüentador do Hipódromo da Gávea, foi proprietário, criador e importador, um verdadeiro turfista. Seu grande amigo Linneo de Paula Machado lhe cedeu o cavalo Nativo e com ele fundou o Haras Imbahá, em Uruguaiana.
Da Argentina trouxe Gin Puro que venceu os GGPP Bento Gonçalves e Protetora do Turfe. Do mesmo país importou à reprodutora Top Ho, cujo produto Manduca, primeiro filho do famoso chefe de raça sul americano Congreve a nascer no Rio Grande do Sul. Em 1936, transferiu o Haras Imbahá para Porto Alegre.
Flores da Cunha foi Interventor e depois Governador do Rio Grande do Sul, considerado o último Caudilho gaúcho. Em campanha para a Presidência da República em 1937, sofreu o golpe de Getúlio Vargas com a criação do Estado Novo, não lhe restando alternativa que o exílio no Uruguai. Nem por isto deixou seu amor pelo turfe e pela pátria rio-grandense. Como proprietário em Maroñas, suas sedas com as cores da bandeira Farroupilha estavam presentes nas reuniões turfísticas. Em seu retorno ao Brasil em 1942, no turfe carioca, como criador e proprietário recepcionava na pista seus animais vitoriosos.
Em uma ocasião, adquiriu do criador Otávio do Amaral Peixoto, dois potros com os nomes de Assis Brasil e Flores da Cunha, dados em homenagem à revolução de 1930, ano de nascimento da geração. Assis Brasil mostrou categoria e corria muito, venceu vários páreos, já Flores da Cunha, corria pouco. Não teve dúvidas, imediatamente trocou no Stud Book Brasileiro o nome do potro Flores da Cunha, para... SEU PEIXOTO. Assim era o General José Antônio Flores da Cunha, um verdadeiro turfista.
JOSÉ GOMES PINHEIRO MACHADO, gaúcho de Cruz Alta, formou-se em direito. Participou ativamente na Guerra do Paraguai. Na vida pública, fez parte do congresso que votou a primeira Constituição Republicana. Senador eleito em 1891. Pinheiro Machado por participação na Revolução Federalista de 1893, recebeu as honras de General. Exerceu por mais de vinte anos grande influência na política nacional como chefe do partido republicano conservador.
Em seus raros momentos de laser, o Senador Pinheiro Machado dedicava especial atenção as corridas de cavalo, e em especial, ao desenvolvimento da criação nacional do puro sangue inglês. Pinheiro Machado e seu irmão General Salvador foram turfistas apaixonados, freqüentavam as reuniões da Protectora do Turf e os prados do Distrito Federal.
Na 9ª Exposição de Potros e Potrancas Nacionais, realizada no Jockey Club Fluminense no Rio de Janeiro, em maio de 1900, o Rio Grande do Sul se fez representar por dois produtos, um de sua criação, o potro Avary, um filho de Melick e Favorita. O outro, Sotéa, de criação de seu correligionário e conterrâneo Assis Brasil.
O Senador Pinheiro Machado foi assassinado em 1915 por inimigos políticos e, após seu desaparecimento, devido à grande atenção que dedicava ao turfe Rio-grandense, o Dr. Armando de Alencar, então presidente da Associação Protectora do Turf, instituiu o Grande Prêmio Senador Pinheiro Machado, para perpetuar a memória de tão ardoroso turfista.
JOÃO GOULART era um apaixonado turfista, criador, proprietário do Haras São Vicente, em São Borja - onde nasceu o campeão do Grande Prêmio Bento Gonçalves de 1963, Polar Venus, um filho de Polar em Calderita (Curioso). Jango era assíduo na Tribuna Social da Gávea, quando deputado federal e presidente do PTB e Ministro do Trabalho, no governo Getúlio Vargas, sempre com o indispensável binóculo a tiracolo.
Um episódio marcou o turfe no antigo Hipódromo do Moinhos de Vento em 1952, atraindo o interesse público e lotando as dependências do “pradinho”. Seria disputado um desafio entre a égua Cilada, uma filha do argentino New Year em Marl, por Santiago, de criação do Haras Santa Barbara (Francisco Caruccio) e Sibelius, um alazão tostado, por Bomarsund e Clelia (Full Hand), de criação do Haras São Vicente.
Não seria um simples desafio, afinal o proprietário de Cilada era o Coronel Silvio Luiz de Azambuja, um chefe político ligado ao Partido Libertador, ferrenho adversário político do PTB de Jango Goulart. Na pista, venceu Cilada, e a manchete da edição de segunda-feira do jornal Estado do Rio Grande órgão do PL, não poderia ser diferente: “Venceu a égua Parlamentarista”.
por Mário Rozano
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