Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

domingo, 28 de agosto de 2011

ALTERNÂNCIAS

ALTERNÂNCIAS

Na única vez que fui ao Estado Norte-Americano de Kentucky - o maior centro criacional dos Estados Unidos -, percorri os melhores haras do município de Lexington, que depois da capital Louisville é a cidade mais importante do Estado. Tive oportunidade de visitar um hospital veterinário de ótimo padrão, sempre supervisionado por um “Master”, e especializado em tentar salvar potros nascidos com menos de 11 meses de gestação. Os haras da região quando nasciam potros prematuros e com alto risco de morrer, não querendo gastar dinheiro com os altos custos de veterinários e procedimentos na tentativa de salvamento, doavam dentro do habitual espírito comercial norte-americano, aqueles potros prejudicados ao tal hospital. Eu vi, entre uma dezena desses casos, um mini-potro vivo e recém nascido em gestação de 8 meses. Havia um aparato técnico, com os capacetes dos quais saiam tubos de oxigênio que entraram pelas narinas, colchões impermeáveis individuais para aqueles deficientes, uma assistência veterinária constante e permanente por dois veterinários e um ajudante 24 horas por dia e sempre sob a orientação do tal super veterinário. A minha visita foi em um domingo à tarde, dia frio e inóspito, e lá estava em pleno funcionamento a equipe, e naquela oportunidade o “Master” era uma mulher altamente gabaritada, que deu gentilmente uma série de informações, inclusive quanto a remédios e experiências, finalizando dizendo que o índice de mortalidade era naturalmente grande, mas que a cada dia mais ensinamentos com a prática permitiam constantes melhorias nos procedimentos e nos resultados. Foi aquela super veterinária que me disse que o hospital fazia pesquisas nos haras, e exames do teor do leite das éguas com produto ao pé diminuía de valor nutritivo a cada mês, e após o 5º mês o leite era aguado em demasia, nutrindo muito pouco os produtos e exaurindo as éguas-mães sem justificativa plausível. Era um desgaste desnecessário, pois os produtos já estariam se alimentado de outras formas e as mães ainda tinham a sobrecarga de habitualmente já estarem gestando outra vez. Daí me veio a cabeça o enfoque do desgaste físico das éguas, e naturalmente os meus potros passaram a ser desmamados após o 5º mês de amamentação.

Muitos anos depois, foi publicado em uma revista especializada norte-americana um trabalho realizado enfocando e analisando as performances nas pistas dos produtos daquelas éguas, em função da ordem de seus nascimentos por égua. Em outras palavras, na produção individual de cada égua, se havia influância em termos de qualidade no fato de ter sido produto gestado no início, no meio ou no fim da fase reprodutiva. E o resultado veio claro, os produtos das primeiras gestações eram melhores que os últimos. A mãe natureza não é matemática, mas os resultados mostraram que, com pequena vantagem para o segundo produto, após os cinco primeiros a qualidade física dos corredores tende a diminuir. Mas por que isso, comprovadamente isso, se é a mesma égua? Aí vem a resposta, aí entra o desgaste. Lembrei-me do sexto mês de amamentação.

Assim como até máquinas de aço e ferro quebram, assim como treinamentos inadequados lesionam os corredores submetidos a esforços supremos, as éguas também sofriam e sofrem desgastes com uma vida reprodutiva sem descanso.
Antes dessa constatação e experiências modernas, o mestre dos mestres José Paulino Nogueira já dizia que preferia comprar uma égua virgem ou vazia em vez de uma cheia, e nesse caso se ela estivesse de “barriga suja”, isto é, cheia de um garanhão inferior, ele mandava dar um remédio abortivo, eliminando um futuro cavalo inferior e dando à égua um descanso para condicionar melhor para uma nova e adequada gestação.

A natureza tem mistérios não compreendidos pelos criadores. O fato de uma égua anualmente coberta ficar vazia, apesar de teoricamente estar em condições propícias a prenhez, é e tem que ser entendido como natural. Está tudo bem, a égua está receptiva, tudo indicando provável prenhez, e a égua fica vazia. Esse fato, se eventual, tem que ser aceito de forma natural, são os tais mistérios da natureza que nós não temos capacidade de entender.

Lembro-me quando, há muitos anos, eu e o Capitão Bela Wodianer estávamos a cavalo observando todos os animais soltos nos piquetes, e vimos claramente à reprodutora francesa Neolina, importada pelo meu pai, que era de fácil identificação por ser tordilha bem clara, a rigor branca. Ela tinha se negado, embora receptiva, a ser coberta por Kameran Khan, e de normalmente mansa tinha ficado uma fera, a ponto de arriscar a integridade física do garanhão. Foi então afastado Kameran Khan e trazido o italiano Destino, que não era bruto, mas de alta eficiência em casos semelhantes, ele era exímio na sua profissão. Embora com peia e devidamente segura por empregados, ela não se entregava, chegou a cair, ou se atirar no chão. Mas do Destino ela acabou não escapando, e ficou cheia naquele único salto na temporada, ao contrário do ano anterior quando ficara vazia. Quando eu e o Capitão nos acercamos do piquete onde estava Neolina, ela havia se deitado. Estava morta. Naquela época não havia o costume de exames pós-morte, não se fazia autópsia, e assim não houve um laudo veterinário que justificasse ou pelo menos explicasse a morte. Mas a impressão que ficou foi que a Neolina sabia de um risco iminente de morte, e por isso lutou até a completa exaustão para tentar impedir a cobertura.
Pode até parecer patético, romântico, ou uma análise delirante, mas foi a impressão que o caso deixou. Neolina entendia o risco que corria, era a Mãe Natureza se manifestando.
Éguas limpas, sem problemas e receptivas aceitam naturalmente serem cobertas, e se não aceitam embora clinicamente em ordem, há que haver respeito.

Mas, e o tal desgaste das éguas que habitualmente dão cria todos os anos? Há casos curiosos, como simples exemplos. A inglesa My Valley foi importada da Inglaterra pelo Haras Mondesir, cheia de Emerson, depois foi vendida dentro de todo o plantel do haras para o Haras Santa Ana do Rio Grande. Após 6 anos consecutivos produzindo, e sem nenhum brilho maior, ficou vazia na sua 7ª temporada, e sempre coberta por garanhões de quilate do Waldmeister e St.Chad. No citado ano deu mais um inexpressivo filho, com Crying To Run, e foi na sua nona temporada, oitava barriga, que coberta pelo uruguaio Mogambo deu a ótima clássica Belle Valley. Outro caso, entre muitos, foi o de Secretariat, que nasceu quando a mãe tinha 18 anos de idade (ao contrário do que dizem os registros norte-americanos, segundo expert e hipólogo John Aiscan, Secretariat não era filho do norte-americano Bold Ruler, mas do francês Herbager, que trabalhava à época no mesmo haras). Todos os indícios e detalhes técnicos físicos de Secretariat eram iguais aos de Hebager, e completamente diferentes de Bold Ruler. Por outro lado, a nacional Imperatriz Vivi, deu 3 ganhadores de Grupo 1 entre os seus 5 primeiros filhos, e a rigor nada mais que razoáveis daí para frente em cerca de 16 anos de vida reprodutiva.

Assim multiplicam-se os casos de uma linha de raciocínio de outra. Em termos práticos, dois haras brasileiros têm adotado a não utilização anual de todas as éguas do plantel. Um é o Haras Doce Vale, sem favor um dos melhores do turfe brasileiro, no geral só utiliza metade do plantel a cada ano. É a mesma prática do Haras Nacional, que a não ser quando traz garanhão em “shuttle” também em tese faz o mesmo.
Poupa as energias das éguas dando-lhes chances de recuperação é lógica pura, mas não se trata de ciência exata, quem manda é a Mãe Natureza.

por Milton Lodi

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