Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Floreando, por Milton Lodi

CURIOSIDADES (VI)


Um dos momentos mais marcantes e expressivos na Comissão de Corridas do Jockey Club Brasileiro, foi na administração Fragoso Pires, menos de três meses após a posse da nova Diretoria.


À bem da verdade, o Clube estava em péssimas condições físicas e financeiras, em função de uma administração anterior fidalga e obsoleta. As raias estavam sem a devida manutenção, a areia desigual e cheia de pedras e ferraduras perdidas, a grama esburacada e pelada em muitos trechos. Para piorar ainda mais as condições para o GP Brasil que se aproximavam, chuvas inclementes transformavam a pista de grama em um lamaçal.


E foi assim, com um piso irregular e encharcado, em tarde insólita, que Falcon Jet e Flying Finn lutaram debaixo de chuva, com vantagem para Falcon Jet. Mas os dois animais se chocaram algumas vezes, e a Comissão de Corridas teve que intervir, em função de eventual desclassificação, enquanto um agitado público aguardava.


O primeiro a ser ouvido foi Jorge Antonio Ricardo, jóquei de Falcon Jet, todo molhado e enlameado, mas tranqüilo. Ele confirmou que os dois cavalos haviam se chocado algumas vezes, mas em função das péssimas condições da pista, com as patas dos cavalos afundando em trechos irregulares e esburacados, os cavalos e os jóqueis sem poderem manter rigorosamente as suas linhas, com pequenos prejuízos de parte a parte, mas sem comprometer o resultado.


Separadamente, depois subiu Juvenal Machado da Silva. Ele estava que era barro puro e sentido dores em um dos joelhos. Sentou-se e com tranqüilidade, praticamente, repetiu o que Ricardo dissera e, ainda, acrescentou que Flying Finn tinha tido um percurso mais favorável, Falcon Jet tivera que dar vantagem na última curva, e ele achava que a vitória do Ricardo tinha sido justa. Naturalmente, o páreo foi confirmado. A habilidade dos dois extraordinários jóqueis, e a grandeza do Juvenal reconhecendo a vitória do adversário, ficaram marcadas naquele fantástico GP Brasil de 1992.


O genial criador José Paulino Nogueira, do Haras Bela Esperança (SP), soube que um dos irmãos Assumpção havia colocado à venda uma reprodutora francesa, filha de Ksar, um filho de Bruleur que havia sido líder de sua turma na França e o melhor corredor à época em seu país. Esse Ksar foi o pai Tourbillon, um dos marcantes nomes da criação Boussac. José Paulino a comprou, pois entendia que a cruza do seu Tintoretto, um Solario, na filha do Ksar tinha todas as possibilidades de reproduzir um animal de exceção.


Assim, Lolita foi para Tintoretto. Nasceu uma lindíssima potranca alazão, bem feita, charmosa, cabeça expressiva, ótimo tipo físico, e bem feminina. Com o nome de Garbosa II, a potranca foi vendida para um grande proprietário da época, José Buarque de Macedo, um dos melhores e mais importantes proprietários brasileiros de todos os tempos. Ela ficou na Gávea com o treinador Gabino Rodrigues e, desde logo, chegou ao estrelato.


No início da campanha o Stud Book Brasileiro informou que novo regulamento não permitia a repetição de nomes já anteriormente registrados, mesmo com a identificação de numeração (I, II, III e assim por diante). José Buarque substituiu o “II” de Garbosa por Bruleur, o nome do pai do avô Ksar. Líder absoluta da ala feminina e um dos melhores corredores de sua época, Garbosa Bruleur, após perder, na Gávea, para o então campeão nacional Helíaco, que veio a ser bicampeão do GP Brasil, foi a São Paulo para enfrentá-lo novamente, no GP São Paulo. A sua vitória foi espetacular, e o nome dela exaltado no turfe e fora dele. Após um longo período áureo, Garbosa Bruleur entrou em declínio, não tinha mais forças para continuar enfrentando os melhores, mas mesmo assim foi obrigada a correr algumas vezes, sem quaisquer chances.


O seu jóquei habitual, Luiz Rigoni, inconformado com as absurdas inscrições sem sentido, negou-se a continuar montá-la e coube ao bom jóquei Artur de Araújo sofrer as conseqüências de um exagero de inscrições sem qualquer sentido prático, e que arrasaram com as reservas da Lourinha, como Garbosa Bruleur era carinhosamente apelidada. Quando, enfim, terminou a campanha nas pistas, a grande campeã foi devolvida ao criador, conforme compromisso quando da venda como potranca. Garbosa, naquele momento, era fisicamente um bagaço, exaurida, sem energias, mas mostrou-se de muita fertilidade. Nos quatro primeiros anos produziu quatro potrancas, de padrão comum. O quinto filho foi Race Horse, por Seventh Wonder, um bom cavalo de Handicap que chegou a tirar terceiro no GP General Couto de Magalhães, em Cidade Jardim. O sexto filho foi Sésamo, também por Seventh Wonder, ganhador clássico em Cidade Jardim.


Notava-se uma recuperação nas energias de Garbosa Bruleur à medida que os anos se afastavam da época do massacre nas pistas. Foi quando José Paulino Nogueira vendeu a égua para o seu sobrinho José Bonifácio Coutinho Nogueira, do vizinho Haras São Quirino. A maravilhosa égua foi cheia do francês Pharas, e produziu Garboleto, líder de turma e ganhador, inclusive, do Derby Paulista. Novamente coberta por Pharas, Garbosa deu Hansita, que ganhou o Diana em Cidade Jardim. Daí por diante, Garbosa Bruleur envelheceu, teve mais quatro filhos sem padrão superior, e já bem velha, sem mais poder ter filhos, Garbosa Bruleur foi dada de presente por José Bonifácio ao tio José Paulino, para que ela fosse morrer no Bela Esperança, haras onde havia nascido. A linha feminina da grande égua não teve merecida continuidade, pois a sua clássica filha Hansita só teve uma filha e essa também só uma. Uma pena. Garbosa Bruleur foi uma estrela que qualquer criador do mundo gostaria de ter criado.


Um caso diferente e curioso se passou com um ganhador do GP Brasil. Antigamente, o Stud Book Brasileiro tinha registros não só de animais puros como também de mestiços, e após sete gerações de purificação, o produto era entendido como “puro por cruza”, isto é, era alçado à categoria de puro-sangue. O sistema era simples, partindo do princípio de que o garanhão era obrigatoriamente um puro, e as filhas mestiças iam a cada geração produzindo filhos mais refinados. Assim, começa com um puro cobrindo uma matunga, padrão zero. O produto era ½ sangue. Essa fêmea, coberta como todas as fêmeas, no caso, sempre por machos puros, produzia um ¾. Esse ¾ dava um 7/8, essa uma 15/16, essa uma 31/32 essa uma 63/64, e essa uma 127/128, isto é, na sétima geração de purificação o produto 127/128 era considerado “puro por cruza”. Os 127/128 passavam a poder correr como puros, mas estrangeiros similares não podiam ser importados.


A medida era incentivar o crescimento e a purificação do plantel, sem a intromissão de similares que não podiam colaborar para a melhoria da raça. Foi na vigência dessa determinação que o proprietário Eurico Solanés, de saudosa memória, titular do Stud Verde e Preto, resolveu importar um cavalo argentino que pudesse ganhar o GP Brasil. Arrendou o bom corredor Espiche, ganhou com ele montado pelo Rigoni o GP Brasil, e depois o devolveu para a Argentina. Depois do episódio encerrado foi verificado que Espiche era um “puro por cruza”, um 127/128, ele não poderia ter vindo correr.


Eu mesmo tive, como primeiro cavalo de corridas, uma égua pequena pretinha, oriunda das canchas retas gaúchas e com umas vitórias em Cidade Jardim, que era uma 127/128, de nome Negra Maria. O meu pai havia dado uma boa mula de montaria para o criador Jacob Guariglia, do Haras Dark Prince, e ele gentilmente me presenteou com a Negra Maria. Ela deixou saudades, ganhou umas corridas para mim na Gávea. Naturalmente em nome do meu pai, pois eu era menor de idade, teria por volta de 15 anos de idade.

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