Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

quinta-feira, 29 de março de 2012

A importância da criação do cavalo de corrida


O constante progresso da tecnologia, principalmente na área veterinária, tem facilitado muito a produção do cavalo de corrida. Na mesma medida, a genética do cavalo atleta também evoluiu, sempre buscando melhores resultados, sejam eles competitivos ou comerciais. Aliás, o fator genético recebe quase toda a atenção por parte de quem compra. Já na mesma proporção existe uma despreocupação quanto a outros fatores, como nutrição, manejo e sanidade com que os animais ofertados foram criados.
A formação do cavalo de corrida tem início no haras, mais precisamente na cobertura e tem continuidade nos centros de treinamento e campos de prova. Este trabalho é puramente artesanal, ou seja, o homem tem influência direta no resultado final. Cabe a cada criador utilizar os recursos existentes de acordo com seus objetivos e operação.
Para o sucesso da criação, desde a cobertura até o disco final, três fatores são de extrema importância: GENÉTICA, NUTRIÇÃO E MANEJO.

GENÉTICA E REPRODUÇÃO
Não existe uma regra básica para a formação de um plantel. Os criadores são norteados de acordo com suas preferências e metas a serem atingidas. Fatores inerentes ás linhagens como resultado competitivo, aptidão e conformação poderão influenciar na decisão. Na programação da carta de monta, o uso de um determinado garanhão sempre visa a melhoria física e competitiva da égua a ser coberta e vice versa.
No entanto, o poder genético para corrida poderá ser maximizado através do processo de criação. Isto implica em determinar as características das linhagens como conversão alimentar, resposta imunológica, transmissão de suas características de conformação, temperamento e potencial atlético para a sua progênie e estabelecer parâmetros criacionais para linhas precoces e tardias. A adaptação ao meio ambiente por parte de animais importados também deverá ser levada em consideração, pois é também fator hereditário.
A memória genética, principalmente nos primeiros meses de vida do cavalo, é ativada pelas atitudes sociais da mãe, levando assim á criação de um produto com algumas características comportamentais maternas. Daí a importância da escolha de uma boa matriz com bom pedigree, e, no caso da transferência de embriões, escolha de uma boa receptora, visando não só a estrutura física e aleitamento, como também temperamento adequado e dentro dos padrões da raça.
Devemos ressaltar que o resultado genético de um cruzamento é de responsabilidade exclusiva de seu idealizador, ou seja, além das virtudes esperadas no potro, os defeitos podem vir a prevalecer.
Para garantir a propagação de linhagens importantes, existem hoje várias biotecnologias que nos permitem melhor aproveitamento reprodutivo e conseqüente genético. Dentre essas práticas encontram-se a inseminação artificial (IA), transferência de embriões (TE) e congelamento de sêmen e embriões. Essas técnicas auxiliam na preservação do potencial genético, já que além dos genes serem mantidos congelados por décadas, podem também ser solucionados alguns problemas de infertilidade, tanto dos garanhões como das éguas, e manter a continuidade de uma campanha atlética, sem interrupção para a reprodução.
Após a elaboração dos cruzamentos para a temporada de monta, é necessário programar a utilização do garanhão quanto ao número de éguas a serem cobertas e tipo de cobertura a ser realizada, ou seja, monta natural ou inseminação artificial, e nesta, sêmen fresco, resfriado (entre 5 e 15 graus) ou congelado (-196 graus). A prática da IA, que consiste em depositar o semen no útero da égua ou mais recentemente na junção útero-tubárica, aumenta o aproveitamento reprodutivo do cavalo e o número de éguas a serem cobertas, mas implica, no caso de sêmen resfriado ou congelado, num intenso controle reprodutivo das reprodutoras, afim de se obterem melhores índices de prenhes, já que existe uma queda na qualidade espermática.. A IA apresenta várias vantagens como facilitar a logística de uma cobertura, já que o sêmen pode ser transportado facilmente até o local onde se encontra a égua, evita transmissão de doenças não só sexualmente transmissíveis mas que afetam a sanidade de um haras, e permite a aquisição de sêmen a menores custos de garanhões comprovados ou importados. Quanto ás desvantagens poderemos citar o tempo de preservação, sendo no sêmen fresco 2 a 4 horas e resfriado 24 horas, onde após estes períodos as taxas de fertilidade diminuem.
Mais especificamente na raça quarto-de-milha, estudos indicam que os garanhões apresentam boa fertilidade, e o sêmen congelado tem padrões apropriados pós congelamento.
Outro método que auxilia nos índices reprodutivos e na preservação genética é a prática da transferência de embriões. Esta técnica consiste basicamente em cobrir uma égua doadora, retirar seu embrião depois de 6 a 8 dias de ovulada, e colocá-lo no útero de uma receptora ou “barriga de aluguel”. Atualmente as taxas para apenas uma ovulação por doadora são de cerca 60 a 70% de embriões coletados por lavado, e após a transferência, entre 60 e 70% das receptoras chegam a termo. Isto nos dá uma taxa real de aproveitamento, considerando o nascimento do produto, de 36 a 49%. As pesquisas hoje são voltadas para a melhoria destes índices, e estes, conseqüentemente, estão aumentando. A indução da superovulação já é uma prática bastante comum, que leva a uma maior taxa de recuperação de embriões nos lavados e o uso de hormônios como progesterona auxiliam na manutenção da gestação da receptora.
O grande problema de hoje em dia é a idade avançada de algumas doadoras e o excessivo número de lavados realizados durante sua vida reprodutiva. Na tentativa de maximizar o aproveitamento genético de uma égua, temos gradativamente afetado negativamente seu potencial reprodutivo. Isto é, está ocorrendo uma queda na qualidade dos lavados e dos embriões, e também nos índices de prenhes, devido ao manejo incorreto das éguas. Além disso, o material utilizado e as técnicas empregadas devem ser de alta qualidade, visando sempre a preservação sanitária e reprodutiva da égua doadora.
Os embriões podem também ser preservados através do processo de congelamento. Isto permite, por exemplo, o renascimento, futuramente, de uma linhagem já extinta. O processo de recuperação de embriões é o mesmo, mas ao invés de se transferir o embrião para a doadora, este passa por um processo de “desidratação” e congelamento em uma máquina própria para a função. Quando houver o desejo de ser aproveitado, o embrião é descongelado, “re-hidratado” e implantado na “barriga de aluguel”. As taxas são praticamente as mesmas mas os embriões terão de ter sido coletados após 6 dias de ovulação.
A TE é um tema bastante polêmico na criação e treinamento, e como todas as práticas, existem vantagens e desvantagens. Uma das grandes vantagens é de permitir uma égua continuar sua campanha atlética e potencializar sua capacidade genética, além do aproveitamento comercial. Outra vantagem é a de permitir a concepção de um potro a partir de éguas sabidamente sub-fertéis ou idosas. No entanto, deve-se permitir à égua ser mãe em intervalos intercalados, ou seja, um ano de coletas e outro de maternidade. Mais estudos deveriam ser realizados visando o real aproveitamento genético em competição.


NUTRIÇÃO
A alimentação do cavalo atleta tem influenciado e muito os resultados competitivos, na medida em que visa atender as necessidades nutricionais básicas do cavalo em qualquer fase de sua vida. Este é um item da maior importância, pois qualquer erro poderá colocar em risco toda uma geração.
Um desequilíbrio nutricional poderá levar a várias alterações e patologias. No caso do cavalo de corrida podemos realçar as deformidades ortopédicas resultantes deste desequilíbrio, presentes principalmente na fase de crescimento, e que podem comprometer toda uma carreira atlética.
Apesar das rações comerciais terem facilitado o aspecto alimentar, é necessário estabelecer que não existe a “melhor ração” e sim a mais apropriada ao tipo de criação encontrada na propriedade. Isto é devido a cada estabelecimento ter suas características próprias como qualidade de solo, tipo de pastagem, topografia e manejo. Os animais podem até ter acesso a todos os nutrientes mas em quantidades diferentes das necessárias, sendo estas diferenças corrigidas através do uso de uma formulação adequada. Digo formulação pois nem todos os profissionais são adeptos das rações comerciais e estas nem sempre suprem as carências. O importante é atingir o equilíbrio nutricional através de alimentos de qualidade comprovada. Entre estes estão a aveia e alfafa, elementos tradicionais na criação do cavalo de corrida. A continuidade e rotina do fornecimento também são importantes pois evitam o chamado “estresse alimentar”, bem como alterações bruscas de flora e peristaltismo intestinal que levam a cólicas.
O respeito ás necessidades nutricionais diárias em cada etapa do desenvolvimento é um dos segredos para o sucesso de uma boa criação. Existem 3 etapas básicas:
a) primária, que vai desde antes da concepção até 1 ano de idade. Neste período, o potro se desenvolve até cerca de 90% de sua altura e 66% de seu peso como adulto. É um período crítico pois o que for perdido dificilmente será recuperado.
b) secundária, vai de 1 a 3 anos de idade. Aqui acontece a formação final das cartilagens articulares e o fechamento das placas de crescimento ósseo mais requisitadas. As restantes tem um processo mais lento e tempo de fechamento mais longo.
c) terciária, onde ocorre o robustecimento do indivíduo até os 5 anos de idade. O nível de atividade física influencia quantitativamente na alimentação nesta etapa.
A genética óssea e muscular, durante a criação do cavalo, poderá ser levada ao seu limite, bem como ser melhorada, pois um cavalo de estrutura fina poderá ter sua densidade óssea aumentada, e consequentemente sua resistência durante as competições. Também a formação de uma musculatura natural, baseada na alimentação, auxiliará o animal na fase de treinamento e competição, já que haverá irrigação sanguínea proporcional.
É de salientar que alguns órgãos internos também são considerados músculos e tem desempenho importante na vida atlética do cavalo de corrida, e sua formação também depende do tipo de alimentação fornecida.
A avaliação do crescimento é feita através da aferição mensal de altura e peso, bem como avaliação clínica constante por profissional gabaritado.



MANEJO
O objetivo do manejo de uma propriedade consiste em fornecer aos animais um ambiente apropriado e único. Dentro deste item podemos considerar vários tipos de manejo, como alimentar, reprodutivo e sanitário.
Tomando como ponto de partida que o cavalo é um animal extremamente social, o manejo de um haras terá de respeitar algumas regras sociais básicas como facilitar o contato entre os animais, propiciar área suficiente para pastoreio, para que assim os animais atinjam a média diária de locomoção e permitir sim a instituição de uma hierarquia dentro de cada lote.
Os animais também deverão ser condicionados ás práticas da propriedade como manejo reprodutivo, arraçoamento, pesagem, tempo de permanência nas baias e de contato com os tratadores. Não se deve esquecer que o cavalo atleta passará boa parte de sua vida em competição e dentro de uma baia.
Dentro do manejo sanitário, as práticas mais comuns são vacinação, vermifugação e casqueamento. A realização e frequência de cada prática será de acordo com as características da propriedade e sua localização geográfica. Atualmente, a profilaxia é a prática de maior atenção nos eqüinos. Um programa de vacinação correto de um plantel, evitará surtos infecciosos e abortos, a vermifugação deverá ser levada em consideração, já que alguns parasitas passam da mãe para o produto e o casqueamento levará á formação de bons aprumos e estruturas relacionadas, evitando alguns defeitos de conformação graves que afetam a vida atlética. O importante é estabelecer um ambiente saudável na propriedade, priorizando a convivência com a flora existente e não a sua modificação ou total degradação, estas causadas pelo uso abusivo de desinfetantes.
Existem pontos cruciais durante o processo de criação, como o desmame e a doma, processos que levam a um enorme seqüestro de nutrientes de vários órgãos. A perícia com que estes eventos são manipulados é que vai determinar o nível de estresse a que os animais serão submetidos. O início das atividades atléticas deverá ser baseado em critérios clínicos sólidos e coerentes com o desenvolvimento físico do cavalo.
Resumindo, não se deve esquecer que o cavalo é um animal que adora a rotina. Sendo assim, deverão se evitar ou minimizar as causas de estresse que tenha influência negativa na criação do cavalo atleta ou que atrasem sua evolução.

Todos os itens descritos são influenciados diretamente pelo fator humano. Não podemos nos esquecer de quem convive com os animais é que sabe realmente onde estão os pontos positivos e negativos de uma criação, e por vezes, são a própria origem do que ocorre na propriedade.
O ciclo de criação poderá variar entre os criadores mas dificilmente passará de 4 anos. Neste período poderão ser aperfeiçoadas práticas, observar defeitos e estipular critérios visando sempre a melhoria do ambiente e conseqüentemente a boa formação do cavalo de corrida. O importante para o criador é estabelecer um ponto chave entre o seu staff, práticas exercidas e seu plantel.
A realização de um bom trabalho de criação será observado durante a vida atlética do animal, onde além de uma campanha vitoriosa, alguns processos traumáticos serão evitados ou reduzidos, isto de acordo com a intensidade do exercício imposto, gerando assim maior economia e aproveitamento competitivo do atleta

por Francisco Lança

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