Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

sábado, 4 de setembro de 2010

GAVEA POR JESSICA DANNEMANN

A dúvida de Garrincha e a eleição de maio de 2008

Até que se esgote todo o meu oxigênio, serei obrigada a denunciar todo dia a covardia e a vaidade que tomaram de assalto esse clube de corridas de cavalo. Tem muita coisa horrorosa ainda a ser revelada, mas isso é papo pros grandes turfistas, eu trato do “feijão com arroz” que era o prato predileto de um gênio da bola.

Primeira parte da tragédia: “Com as Pernas Tortas”

Primeiro, a administração do Jockey Club Brasileiro que assumiu, em maio de 2008, foi logo tratando de desmontar a estrutura que, bem ou mal, geria o turfe do Rio de Janeiro.

Hoje, (nunca é demais repetir) não há mais vice-presidente de turfe; vice-presidente de marketing; não há mais presidente da Comissão de Corridas; nem diretor de apostas; e ninguém controlando as agências credenciadas (ao contrário, elas é que controlam o MGA do clube). Sem dúvida, nada mais criativo, em termos da nova "gerência corporativa", anunciada, aliás, com grande estardalhaço antes da posse, por esse outro “gênio” da vaidade.

Imediatamente depois, o novo genial “presidente” dedicou-se à tarefa insana de destruir o sistema de jogos de apostas. Implantou a confusão mais desastrada, mais amadora, e mais desarticulada, de que a atividade tem notícia. Acabou com tudo que havia, e substituiu-o pelo nada, por rigorosamente nada.

Para não correr risco de que seu plano de desmontar o turfe pudesse dar errado, demitiu centenas de empregados que conheciam a atividade. Em seu lugar, contratou a peso de ouro vários "superintendentes", escolhidos a dedo por não conhecerem, nem o turfe, nem o JCB , sendo esses também, posteriormente demitidos. Depois, é claro, de receberem altíssimos salários pelo tempo em que permaneceram na instituição. Fortunas do caixa do clube foram jogadas fora!

Não satisfeito, prosseguiu quebrando, uma a uma, as louças das prateleiras da loja.

Numa só e fatídica noite, implodiu a pista de treinamento após o show de rock que temerariamente autorizou sem consultar ninguém; arruinou a pista diagonal dos potros; transformou o pião do prado em campo de várzea, tal como os primórdios do Mané na cidade de Magé.

Resultado: um novo e significativo prejuízo para o clube, não só patrimonial, como técnico. Um pecado mortal, algo imperdoável, destruir pistas de corrida num clube hípico. Quanto a pista denominada Bombril, incorporou-a de vez (não sem antes asfaltá-la) ao ativo do restaurante Victória, para derrota dos cavalos em treinamento.

Então, chegou a vez da esplêndida tribuna social.

Olhou para ela, e trocou porteiros pelos zeladores dos banheiros masculino (e feminino também); mandou arrancar as cortinas do magnífico Salão das Rosas; decorou suas paredes com telas de jogo da credenciada estrangeira do "simulcasting internacional"; convocou os cupins para devorarem os painéis e as fotos dos cavalos imortais do grande salão do térreo; entregou os fantásticos lustres franceses de cristal aos esqueletos dos insetos mortos; degradou também as pedras portuguesas e vulgarizou tudo.

Repetiu a invasão dos Godos, despedaçando a golpes de marreta os mármores solenes do Fórum Romano.

Aí, passeou sua vista pelo resto do hipódromo e decretou: deixa cair! E ele cai mais um pouco todos os dias, sem conservação e sem segurança, que garanta a integridade de seus quase 700.000 metros quadrados.

Segurança para quê? Cada um que se vire e cuide de si. Outro desastre. Sem atentar para o grande perigo que isso representa para os sócios, suas famílias, e seus freqüentadores, numa cidade que faz reféns de hospedes de hotéis de luxo em manhãs de sábado.

Então, obra completada, e não satisfeita após mais de dois anos de lenta, segura e progressiva destruição, apontou seu dedo para o turfe do Rio de Janeiro – e tudo que ele significa para milhares de pessoas que dele dependem para viver – e sentenciou para todo mundo ler: "Estou administrando um paciente terminal."

Ganhou o Oscar do cinismo. Inscreveu-se no Guiness do descaramento e desmoralizou a medicina.

Segunda Parte da tragédia: “Driblando todo mundo”

Parou aí? Não. Com o turfe levado a "estado terminal", dedicou-se a outras tarefas escabrosas.

Cansou-se da sede do centro, mandou esvaziá-la, cortar as ligações externas dos telefones, cobra taxa se algum sócio ousar levar um convidado para almoçar, e, agora, informa que a alugará a terceiros. Resultado: acabou com a majestosa sede do centro! Mais uma notável realização, da notável e genial "gerência corporativa" de maio de 2008.

Terceira Parte da tragédia: “O gol contra”

Feito isso, é de supor que tivesse descansado. Ledo engano. Não descansou. Como os incansáveis Godos, já acenou que vai continuar destruindo, até que não sobre mais pedra sobre pedra, galho em cima de árvore.

No momento, prepara duas novas propostas de destruição do que restou do patrimônio do Jockey Club Brasileiro que “herdara” numa fatídica tarde/noite de um tenebroso Maio.

Proposta 1 - Derrubar as vilas hípicas da Gávea sem concorrência, acabar com os cavalos, cortar pela raiz e arrancar as árvores, expulsar as famílias de profissionais que lá moram há décadas, rasgar o contrato dos comodatários e substituir tudo por uma nova "selva de pedra" de conjuntos de escritórios comerciais – das margens da Lagoa, à Rua Jardim Botânico; da Ponte de Tábuas à Praça Santos Dumont.

Que se dane a última área preservada da zona sul da cidade! Que venha o caos no trânsito! Que se sitie e se envolva num engarrafamento definitivo a sede da Lagoa. Que se anule qualquer possibilidade até de sua eventual expansão no futuro.

Proposta 2 - Usar os escombros das tribunas do então belíssimo hipódromo, para acolher um mar revolto de milhares de máquinas caça-níqueis (dizem que cerca de 5.000!), exploradas diretamente pela mesma empresa estrangeira do tal "simulcasting internacional" (com idêntica remuneração) e, a partir daí, passar a viver do pagamento ao clube dos 30 dinheiros bíblicos. A história já nos ensinou como isso termina...

Se não for dessa forma, a administração de maio de 2008 já articula uma nova ameaça: "Se não for assim, não há saída para o JCB." Réplica perfeita do ardil do George W. Bush, quando pretendeu justificar a famigerada invasão do Iraque. A mesma que destruiu aquele país, e caminha para deixar atrás de si apenas ruínas e desolação.

Quarta Parte da Tragédia: A grande "Dúvida"

Se Garrincha estivesse vivo, o verdadeiro e grande “Mané”, conforme nos conta o também brilhante Armando Nogueira em seu livro sobre a Copa de 62, talvez fizesse ao LECCA a mesma pergunta que fez ao seu técnico quando este o acenara sobre como ultrapassar um a um dos jogadores de defesa do time russo antes de centrar para o Vavá: Já combinaram isso com os 5.700 sócios do clube?

Não! Para a atual administração, porém, essa dúvida é irrelevante.

Primeiro, porque o conjunto dos sócios jamais foi consultado a respeito de nada do que se decidiu e se fez até agora – o que só poderia ocorrer através de uma Assembléia Geral Extraordinária (AGE) – e isso jamais aconteceu. Nem mesmo quando se perdoou a monstruosa dívida dos estrangeiros das máquinas caça-níqueis. Coisa superior a R$ 6.600.000,00 (hoje nada menos que US$ 3,800,000.00). Como modelo de insensatez, nada mais perfeito, dinheiro esse que Mané Garrincha jamais viu em sua vida de estrela.

Sem mencionar que num clube sério, isso, por si só, já seria suficiente para abrir um processo de “impeachment”!

Segundo, porque talvez os sócios do JCB não valham coisa alguma aos olhos dessa administração. Para ela, são fantoches manipuláveis pelos cordões de sorrisos estudados e afetadas cordialidades, o que o nosso Mané chamaria de “Joãos”.

Se os sócios valessem alguma coisa, metade dos erros irresponsavelmente cometidos – alguns deles irremediáveis – não teria acontecido. Exatamente para isso é que servem as Assembléias democráticas dos iguais: prevenir os erros de gestão e conter as loucuras dos improvisados.

Duas perguntas da enorme “torcida” brasileira:

Primeira: De que forma, uma administração, que não consegue gerenciar nem mesmo um mísero restaurante de tribuna (o da social passou mais de um ano sem garçom e sem chefia), pode pretender gerenciar projetos de milhões e milhões de reais, a meses do término de seu funesto mandato?

Isso nem Vicente Feola conseguiria responder...

Segunda: Por que não se cumpriram as promessas – como tantas outras cinicamente assumidas – de refazer a pista de treinamento e reconstruir a diagonal dos potros, após o desastre do show de rock?

Essa é fácil de responder, qualquer “gandula” teria a resposta na ponta da língua: Porque isso implicaria manter as facilidades oferecidas aos mais de 900 cavalos estacionados na Gávea, quando o objetivo é expulsá-los daqui para que os escritórios entrem.

O caráter messiânico da administração, conhecida como a Tragédia de maio de 2008, seu notório voluntarismo, e seu absoluto descompromisso com a verdade, levaram hoje o JCB a um beco sem saída. O pior de sua história. Com o agravante de ter dividido e dispersado as melhores lideranças do clube, afastando-as – desiludidas umas; desenganadas, outras; decepcionada, a maioria delas – em relação a qualquer possibilidade de convívio saudável na instituição.

O grande crime – e este hediondo, inafiançável – que os homens de “Maio de 2008” trouxeram consigo, foi o de transformar o caráter e a natureza do Jockey Clube Brasileiro, antes uma sociedade de amigos com interesses comuns, num amontoado disforme de narcisismos e fomes pretéritas as mais conflitantes e vis.

Maio de 2008 não veio para unir e congregar. Veio para separar e desiludir. Nada mais restou íntegro depois dele.

Última parte da tragédia: O “dia da vitória”

Mas essa provação tem data certa para acabar. E a data é maio de 2012. Falta pouco: 1 ano e 9 meses. Já foi pior, já faltou muito mais.

A esperança é de que o tempo deste mandato passe mais rápido do que o calendário sugere. E quando maio de 2012 vier, que os homens equilibrados, os de bom senso, os que não se julgam heróis, os que desdenham a vaidade (o pecado preferido do demônio!), os que pensam antes de agir, os que prezam e respeitam a opinião de seus iguais, sócios do clube, retomem a condução dos destinos do JCB.

Maio de 2012 é amanhã! O JCB e o turfe do Rio de Janeiro sobreviverão ao atual descalabro. Não há a menor dúvida a respeito.

E quanto mais rápido essa nuvem negra se for, melhor para todos aqueles que amam, prezam, e respeitam, a si próprios, e ao centenário e digno clube.

Final

Claro que peço desculpas à memória de Manoel Francisco dos Santos por tê-lo envolvido nesse imbróglio; nessa tragédia de Maio de 2008, quando a desconfortável nuvem covarde e vaidosa achou de repousar sorrateiramente sobre o céu do Hipódromo da Gávea.

É que na história de Garrincha existem algumas situações contraditórias, com certa semelhança a atual administração do JCB, na proporção em que ele não tinha as pernas no lugar; que driblava todo mundo que vinha em sua direção; que não aceitava negociar com ninguém; que possuía um sorriso irreverente; que “destruía” os campos por onde andava; que tinha muito mais “puxa sacos” do que amigos; que era por demais vaidoso; e também pelo fato de que vivera no mais completo infortúnio e esquecimento...

Gostaria de encerrar essa coluna publicando um texto de Carlos Drumond de Andrade, utilizado numa Crônica feita para o Jornal do Brasil em 21 de janeiro de 1983, um dia após a morte do “gênio das pernas tortas”.

“Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho”

Que o Deus do cavalo (ou quem sabe o do futebol) nos livre definitivamente dos outros “Maneis”, os “Zé Maneis”, e que assim tenhamos ao menos o sonho de glória realimentado, na esperança de não sermos outra vez “driblados” por nenhum novo aventureiro.

Raia Leve

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