Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Detalhes e recordações, por Milton Lodi

Como em tudo nessa vida, o sucesso também tem que ter uma dose de sorte. Na verdade, sorte parece procurar os vencedores, aqueles que não fazem somente por fazer, mas que procuram com inteligência, esforço e trabalho qualificado o melhor possível resultado. A corrida de cavalos é uma competição muito complexa e qualificada, depende de múltiplos fatores, e para o melhor vencer ele tem que exibir a sua superioridade. Isso pode ser exemplificado de modo simples. Um cavalo melhor, digamos como exemplo, um segundo melhor que a turma que vai enfrentar não pode correr menos do seu habitual, tem que estar preparado para correr do que pode e marcar um tempo melhor que os dos adversários. Se correr apenas acompanhando o ritmo da turma, é possível que não vá conseguir marcar o seu tempo melhor, e sujeitar-se a uma derrota para animais que lhe são inferiores. O melhor tem que mandar, tem que obrigar um ritmo de corrida compatível com o seu potencial. Se vai só acompanhar o ritmo dos outros, arrisca-se a perder. Não é correr na frente de qualquer maneira, é obrigar aos seus competidores a participar de um desgaste ao qual o melhor resiste e os outros percam as energias. Esse exemplo me faz lembrar o caso de um potro meu, tido como um corredor de alta categoria, que ia estrear em Cidade Jardim. Na véspera, fui jantar no Haras Bela Esperança com o meu amigo e criador emérito José Paulino Nogueira. Eu disse a ele que o meu potro era muito bom, que logo em sua corrida de estreia ia ter que enfrentar um potro que havia batido o recorde dos 1.300 no último trabalho preparatório. O Dr. Paulino me perguntou como eu ia instruir o jóquei, e eu respondi que a ideia era de mandar acompanhar o ponteiro, que certamente seria o recordista que iria tentar imprimir um ritmo forte demais para os competidores, e na reta acelerar ao máximo. A observação do Mestre veio em seguida, se eu achava que o meu cavalo era de altíssimo padrão, era ele que tinha que impor o ritmo, o tal recordista e os outros que procurassem ganhar do meu e, se ele perdesse, eu desde logo saberia que ele não era tão bom como eu imaginava. E, arrematou, dizendo que não era correr em 1º, em 5º ou em último, o melhor tinha que ditar um ritmo que lhe fosse conveniente e inconveniente para os outros. No dia seguinte, conversei com o jóquei internacional Antonio Bolino, que preferencialmente montou meus cavalos por 35 anos, e pedi que ele não permitisse que outro potro ditasse a corrida, que ele mandasse na corrida e sempre cuidando do recordista. A corrida foi maravilhosa, o recordista favorito tentou tomar a ponta para imprimir um ritmo que lhe seria conveniente, mas já encontrou o meu cavalo na liderança. O favorito insistiu, mas o Bolino manteve sempre, sob controle, uma vantagem menor que um pescoço. Assim, destacados dos outros, eles foram até o meio da reta, e ao mesmo em tempo que o recordista retrocedia, o meu potro recebeu convite para aumentar a velocidade, e apenas na qualidade, sem o uso de chicote ou quaisquer outros incentivos, disparou para o disco de forma acachapante, espetacular. À noite, voltei ao Haras Bela Esperança, onde fui recebido pelo Mestre Paulino Nogueira com uma taça de champagne. Aprendi essa lição, o melhor tem que ditar as regras, tem que mandar na corrida, os outros têm que se sujeitar ao melhor. Cerca de um mês depois, o potro foi correr pela segunda vez. À época não havia partidor, os cavalos se alinhavam junto a uma fita, a um conjunto de tiras elásticas, que eram alçadas pelo starter ao grito da largada. Eram muitos potros, talvez uns 15, e o meu estava no meio do pelotão, enquanto que por fora um filho de Coaraze, conhecido pelo seu mau gênio, fazia estripulias e não dava chance ao starter. A partida demorou, os potros estavam irrequietos, menos o meu, que calmamente aguardava o sinal de partida. Para que ele não ficasse parado, estaqueado, o jóquei que substituía o Bolino, que por um motivo que não me lembro não podia montar, o então jóquei Selmar Lobo, puxou o potro para trás e deu uma volta completa para novamente ficar na sua posição de largada. O Lobo fez muito bem, era o que tinha que ser feito. Mas o starter Joacyr Porto, sócio do Jockey Club de São Paulo, e o melhor starter brasileiro da época, estava de olho no tal potro bravo que era, o último por fora, e quando ele deu um momento de chance, foi dada a partida e o meu potro estava de costas para a fita. Eu estava assistindo o páreo da Tribuna dos Profissionais ao lado do Bolino, e disse a ele que havíamos perdido. O Bolino de pronto me disse que o nosso potro podia dar aquela vantagem e até mais, o potro ia ganhar, ele era muito melhor que os outros. Na entrada da curva, a diferença para o penúltimo de cerca de 6 corpos não mais existia, e o potro meteu-se no bolo. Na entrada da reta ele já apareceu entre os da frente, no meio da reta tomou a ponta pelo meio da pista, e no disco tinha uns 4 corpos de vantagem. Aquele potro certamente iria me dar a tríplice-coroa. Mas não foi esse o entendimento dos deuses do turfe. Trabalhando em preparativos, ele inexplicavelmente rodou, virou de ponta cabeça, fraturou um sezamóideo, e foi para a reprodução. Perdi um excepcional corredor, ganhei um garanhão que chegou a ganhar uma estatística. Um dia eu perguntei ao Bolino quem ele montaria em um páreo em 2.400 metros em que corressem Gourmet (G.P.Brasil), Moustache (G.P.São Paulo), Negroni (G.P. Paraná e G.P. Bento Gonçalves) e o tal cavalo, todos com o mesmo peso. A resposta veio de imediato, ele montaria aquele ganhador de dois páreos comuns. Perguntei, ainda, se os outros levassem 4kg de vantagem, e ele respondeu que continuaria com o tal cavalo. Perguntei então se a diferença dele para aos outros três fosse não de 4 mas de 8kg. A resposta veio serena, nesse caso ele iria pensar, mas achava que, talvez, continuaria com a mesma montaria. O Haras Ipiranga criou mais de 1.300 potros e potrancas nos seus cerca de 65 anos de existência. Kurrupako foi o melhor de todos.

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