Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Floreando, por Milton Lodi

HARAS FECHADOS (X)

Houve época em que turfistas cariocas, à base de muito entusiasmo e em função até de clima apropriado e da boa água, e da Associação do Rio de Janeiro, entenderam de criar, principalmente, na região serrana, basicamente em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo. Implantaram-se cerca de 45 (quarenta e cinco) haras.

Após alguns anos de investimentos e entusiasmo, quando houve vários resultados muito importantes, quase todos os haras foram fechados e alguns transferidos para o Paraná e o Rio Grande do Sul. Em parte pela inadequação das terras, de um modo geral muito acidentadas e da qualidade das pastagens naturais, obrigando muito trabalho e investimento, a cada quatro ou cinco anos, o que explica o eventual sucesso nos primeiros cinco anos de atividades e depois um declínio no padrão, também prejudicado pelo número excessivo de animais por hectare.

É imprescindível a correção e a nutrição periódica do solo, e só em terras privilegiadas pela natureza, como as do sul do país agradecem nutrições anuais por cobertura. Havia também na criação do Estado, o problema da falta de veterinários muito habilitados, pois, a rigor, só havia dois disponíveis, um brasileiro e outro argentino, ambos de baixo padrão técnico. Outro aspecto, que muito contribuiu para a debandada quase total, pois dos cerca de 45 haras, só restam na região serrana, meia dúzia. Foi o grave erro em não participarem do grande impulso técnico, quando da excelente fase do Posto de Monta do Jockey Club de São Paulo, promovendo eventos, palestras e cursos, dos quais iam participar criadores e profissionais de São Paulo, do Paraná e do Rio Grande do Sul, de todos os lados, menos do Estado do Rio, quando houve uma acentuada melhoria no setor criacional, ante técnicas novas, proporcionando melhoria geral na criação e formação de nova geração de veterinários, de administradores de haras, ferradores etc. O Estado do Rio não acompanhou convenientemente a melhoria técnica proporcionada pelos paulistas e, naturalmente, mesmo com resultados iniciais de eventuais expressões, ficou para trás.

Transferiram-se para o Paraná os Haras Santa Rita da Serra, o São José da Serra e o Santa Maria de Araras (que depois se fixou no Rio Grande do Sul). O Doce Vale e o Nacional foram diretos para Bagé, para onde, vindos de São Paulo, também foram o Castelo e o Mondesir.

Dos quarenta e tantos haras fluminenses, da região serrana, restam em funcionamento no máximo 6, todos eles com menos de 5 éguas cada, com exceção do Haras Escafura, na região de Teresópolis/Friburgo, com cerca de 30 éguas e um novo reprodutor ganhador de Grupo na Gávea, de nome Ônibus Espacial.

Entre outros, cessaram as suas atividades, tudo indica pelo passar do tempo em definitivo, os Haras Fortuna, da Brasa, Flamboyant, Santa Maria do Lago, Schmoo, West Point, Vargem Grande, Rio dos Frades, Verde e Preto, Sidi, Barra Nova, F.A.N., Santo Amaro e Planície em Campos, Vale da Boa Esperança, Cuiabá, São Miguel, Pelajo, Fidalgo (em Jacarepaguá), Rainbow, São Dimas, São Bartolomeu do Alto, Vale do Sul, Piraí do Sul (na rodovia Rio-São Paulo), Vargem Alegre (no município do mesmo nome), entre outros.

A bem da verdade, a rigor, além de outros haras que tiveram produtos de realce, e também além da fase fluminense do Santa Maria de Araras, o nome maior da criação do Estado do Rio foi o Haras Vale da Boa Esperança, de Júlio Cápua. Foi o ponto alto da criação fluminense, que produziu muito bem a época.

Mas a região Serrana, que ficou desmerecida com o encerramento de atividades de mais de 40 (quarenta) haras, ressurgiu em importância com os Centros de Treinamento, na verdade, um grande sucesso, mas o fim do sonho da criação fluminense, mesmo com relevantes sucessos, foi triste.

Em São Paulo, o Haras Jatobá teve seus momentos de glória, com algumas vitórias até em Grupo 1. Era de propriedade de Nelson Adoglio, de grande sucesso empresarial, competente e bem organizada firma especializada em pintar prédios, edifícios, monumentos, quartéis, Ministérios e afins, como habitual ganhador de concorrências. O Jatobá abrigava grande número de éguas, se não me falha a memória, mais de 60 (sessenta) nem todas de padrão especial. Nelson Adoglio importou de uma só vez cerca de 20 (vinte) fêmeas da Inglaterra, e com isso melhorou em muito a média do padrão do seu plantel. Ele não era um grande conhecedor dos detalhes técnicos, mas tinha como supervisor e veterinário o excelente Celso Bertolini, uma das melhores expressões turfísticas brasileiras de todos os tempos e, ainda, em franca atividade. Com a morte de Nelson Adoglio, o Haras Jatobá fechou.

Felipe e Fuad Lutfalla eram antigos turfistas e criadores paulistas, com sucesso apenas relativo, com seu Haras Boa Vista Paulista, em São Paulo. Criavam à base do entusiasmo, e com as suas mortes, o Haras Boa Vista Paulista fechou.

O também paulista Haras Vendaval obteve ótimos resultados, até que o seu proprietário Jayme Melo Castro Barbosa mudou a atividade, passando da criação para um Centro de Cuida e Doma, racional, moderna. O Vendaval, hoje, é um centro de excelência, recebendo grande número de potros para uma competente técnica de iniciação.

O Haras Azul e Branco era um típico haras gaúcho dos velhos tempos. O seu proprietário era Julio Andreata, que criava ao estilo antigo, deixando que a exuberância da natureza fizesse todo sozinho. Com o correr de muitos anos, as coisas no setor da criação foram mudando e o Azul e Branco acabou fechando.

O Haras Vacacaí era dos irmãos Francisco e Carlos Reverbel, que também criavam à antiga moda gaúcha. O haras teve sucesso, mas o inexorável passar do tempo decretou a morte do Vacacaí.

O Haras Antunes, de José Antunes, no Rio Grande do Sul, não fugiu à regra. Viveu pelo entusiasmo e paixão do seu proprietário, e morreu com ele.

O Haras Maval, perto da cidade gaúcha de Pelotas, era de propriedade de Manuel Valente. Criavam bem, as terras eram boas, e alguns de seus produtos fizeram um bom sucesso nas pistas da Gávea.

José Eugênio Rezende Barbosa era à época o melhor otorrinolaringologista de São Paulo, homem culto, inteligente, afável, e bom criador, em São Paulo. Foi diretor da Comissão de Fomento do Jockey Club de São Paulo, com grande êxito. Em sua gestão foi importado um bom corredor norte-americano, Executioner, e ele tinha um carinho todo especial pelo Posto de Monta de Campinas. Não era um criador de ponta, mas criava bem e, os produtos do seu Haras Estrela Nova, eram bem corredores. O Estrela Nova foi sucesso.

Alguns outros haras gaúchos, embora tenham obtido bons resultados, acabaram fechando, por exemplo, o Sadal, Imembuí, Boa Esperança do Sul, Pangaré, Solidão e muitos outros.

Nomes muito importantes, fundamentais mesmo para a existência do turfe no Brasil estão, infelizmente, cada vez mais longe da atual realidade. Na época heróica do turfe paulista, por exemplo, um dos destaques era o Conde Silvio Álvares Penteado, um homem muito rico e apaixonado pelo turfe. O seu Haras Tamboré ficava perto da cidade de São Paulo e, hoje, é um bairro da cidade com o antigo nome do Haras, Tamboré.

A farda branca com braçadeiras pretas freqüentava as pistas de Cidade Jardim e da Gávea, e o Conde, como outros beneméritos do turfe paulista, entre alguns outros como Fábio Prado e Antenor Lara Campos, metiam as mãos no bolso para socorrer momentos difíceis do início, na época heróica do JCSP. Com a morte do Conde Silvio Álvares Penteado, mesmo tendo ele deixado uma fortuna imensa, o Tamboré fechou, pois seus descendentes não gostavam do turfe, lotearam a grande área do haras, extinguiram com o fruto do amor e dedicação do Conde.

Esse é um problema que, mesmo sendo natural, é detestável, homens que, por paixão e por disponibilidades financeiras, construíram a grandeza do turfe, na maioria das vezes não deixam seguidores, gente que não tem a necessária sensibilidade para participar das belezas das corridas de cavalos e dos cavalos de corrida. Assim, não há no geral, uma aristocracia turfística como se vê em alguns países, com famílias vivendo no turfe e pelo turfe. É raro, no Brasil, que haja uma terceira geração turfista, iniciada pelo amor e entusiasmo e não fixada através das gerações.

Nos Estados do Rio e de São Paulo, os esforços e os custos de, a cada quatro ou cinco anos, recondicionar o selo para revigorá-lo, ficou cada vez mais penoso e caro. Arar várias vezes a terra para intercalar aração, calagem, adubação e plantio demora quase um ano e custa quase tanto quando recomprar o pedaço de terra a ser renovado. Por outro lado, terras especiais no Paraná como a do Haras J.B.Barros e Haras Paraná, por exemplo, foram transformadas em condomínios ou estradas asfaltadas, matando o bom e adequado solo para a criação. É por isso que há um natural êxodo para o sul do país, onde as pastagens naturais são abençoadas, suportam bem o pisoteio e a alimentação dos animais, mantendo o alto padrão, mediante uma simples cobertura anual superficial de adubação, que sequer necessita da retirada dos animais.

É claro que isso é de um modo geral. Em São Paulo, por exemplo, a mancha de terra onde foi instalado o Haras Faxina é excepcional, ou era. Mas há ainda a considerar o progressivo valor das terras, em função do crescimento das cidades. No Paraná, por exemplo, como as melhores terras para criar são as mais próximas de Curitiba, o progresso tende a acabar com as melhores áreas criacionais. O contrário acontece no Rio Grande do Sul, onde as melhores terras são as mais afastadas de Porto Alegre, aquelas que formam o Pampa Gaúcho. O valor das terras não é inflacionado pelo progresso e a criação é mais em conta, pela riqueza das pastagens.

Na verdade, a criação tradicional ficou para trás, não bastam o entusiasmo, a paixão e o dinheiro necessário, na época moderna há que haver técnica, conhecimentos atualizados dos modernos procedimentos, um novo enfoque. Com a grande crise financeira mundial, que atingiu fortemente os Estados Unidos e a Europa, a tendência é a diminuição no número de potros. Segundo números oficiais, os Estados Unidos chegaram a produzir 50.000 (cinquenta mil) potros/ano, e aos poucos o número estabilizou-se na casa dos 37.000 (trinta e sete mil). Novas projeções feitas a partir do decréscimo da produção norte-americana nos últimos anos, indicam que o número está se encaminhando para pouco mais de 25.000 (vinte e cinco mil). Nos Estados Unidos há, ainda, o aspecto das medicações, que puxam para baixo o interesse da Comunidade Internacional. Isso não acontece na Europa, onde é proibido o uso de medicamentos para correr. Paralelamente a isso, na Ásia, estão sendo construídos novos hipódromos. Só na China, no momento, mais de 10 (dez). Com a Argentina também sofrendo as conseqüências de medicações para correr, os olhos dos compradores internacionais vão ter que se voltar para a América do Sul, isto é, o Brasil, já que no Uruguai, no Chile e no Peru a prática corrente na Argentina, é copiada.

Dá a nítida impressão de que, se no caso específico da China, que vai necessitar de 10 a 15 mil corredores para abastecer as vilas hípicas de seus novos hipódromos, o Brasil e a Austrália poderão ou deverão ser grandes exportadores.

Os tempos quando um benemérito criador como Antenor de Lara Campos, com o seu Haras Riachuelo criava com entusiasmo e sucesso, no interior paulista, em época heróica, e que teve dois filhos que separadamente montaram haras de sucesso, Paulo e Theotônio Piza de Lara, e que, infelizmente, não tiveram continuares.

A relação dos haras que encerraram as suas atividades é imensa, e uma completa é quase impossível de ser relacionada. A cada momento vem à mente novos nomes. O Haras Morumbi, de Paulo de Arruda Miranda, por exemplo, criou em São Paulo, dentre outros valores, o espetacular Grimaldi, um filho de Executioner, que realizou a façanha de vencer o GP Brasil, o GP São Paulo, o Derby Paulista e o Derby Carioca. O Haras Morumbi teve muitos momentos de glória.

O Haras Ponte Nova, de José Luiz Boardman, ficava no município de Tijucas do Sul (PR), e embora, com poucos anos de atividades produziu ganhadores de provas importantes de Grupo, como Oniru, Stratas, Nickelby e Lone Ranger. Foi uma pena o Ponte Nova ter acabado.

A época heróica, movida apenas por entusiasmo e paixão já se foi. Há que encarar a nova realidade, por exemplo, muitos cariocas em lugar de se aventurarem a implantar e manter haras em terras fluminenses mantém as suas éguas em haras gaúchos, que praticam um ótimo sistema de pensionato. Somente para lembrar de três, o Castelo, o Fronteira e o Bagé do Sul. Só nesses três citados, há mais de 300 (trezentas) éguas em pensionato.

Não há como racionalmente fugir das apropriadas terras gaúchas e paranaenses, com suas qualitativas pastagens naturais, e de um sistema moderno de cuida, de manejo, de assistência veterinária cotidiana, técnica.

Os tempos são outros.

* Essa série de artigos intitulada de Haras Fechados não é fruto de profundas pesquisas de consultas em livros, mas de recordações, lembranças, de conhecimentos e informações de amigos.

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