Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

sábado, 14 de agosto de 2010

MAQUININHAS CAÇA NIQUEIS



O leitor Sergio Barcellos enviou um comentário para a seção "Espaço do Leitor" do Raia Leve sobre as chamadas "máquinas caça-níqueis" e o JCB. A direção, sempre atuando no sentido de proporcionar aos seus leitores todos os elementos necessários para o entendimento dos fatos, julga que o citado comentário aborda matéria de grande interesse para o futuro do turfe do Rio de Janeiro e do JCB. Nesse sentido, resolveu transformar o comentário em matéria de capa deste site. Conforme se vê a seguir:

Em fevereiro de 2005 – após longas negociações, que envolveram várias pessoas das mais representativas do turfe carioca e brasileiro –, o Jockey Clube Brasileiro e a CODERE DO BRASIL assinaram um contrato de prestação de serviços e um acordo de cooperação, que possibilitou dar início ao que se convencionou chamar de “simulcasting internacional” no país (leia-se, apostas em moeda corrente nacional em corridas de cavalo realizadas no exterior, apostas estas, exploradas pela CODERE, dentro e fora do hipódromo da Gávea).

Além disso, ficou acordado que as duas entidades também participariam do que chamaram de “empreendimento conjunto”, ou seja, a tentativa de obtenção das competentes licenças governamentais para explorar outros tipos de apostas, não diretamente relacionadas ao turfe (leia-se, as famosas “maquininhas caça-níqueis").

Como em todo contrato, havia direitos a serem respeitados, e obrigações a serem cumpridas por ambas as partes.

Entre esses, certamente o mais relevante dizia respeito às compensações devidas ao clube pelo efeito que a abertura do mercado local a uma empresa do exterior, pudesse vir a ter sobre o movimento geral de apostas (MGA), então praticado pelo Jockey Club Brasileiro.

Em outras palavras, o privilégio de disputar com o JCB – repita-se, dentro de sua própria casa, o Hipódromo Brasileiro –, o já restrito mercado de apostas em corridas de cavalo, implicava, por parte da CODERE, o pagamento da eventual diferença entre o MGA do clube, antes e depois do advento do tal “simulcasting internacional.”

Por óbvio, ninguém é suficientemente louco, ou idiota, para repartir com terceiros seu mercado cativo – correndo o óbvio risco de canibalizá-lo –, sem se cercar de um mínimo de salvaguardas contratuais.

Desta forma, se o MGA do Rio de Janeiro caísse, em função da concorrência direta da CODERE, esta última se obrigava a reembolsar a diferença ao Jockey Clube Brasileiro.

Assim foi contratado e assinado, diante das duas testemunhas de praxe. Tudo muito claro. E a CODERE começou a captar apostas em reais nos hipódromos do exterior, na qualidade de "agente credenciado" do JCB.

2 - Intenções e a dura realidade

Na vida, há sempre uma razoável distância entre as melhores intenções, e a fria e objetiva realidade. Ocorre. Faz parte dos negócios humanos.

A distância, no caso, podia ser medida, de um lado, pela inexperiência da CODERE em relação ao mercado brasileiro de apostas em corridas de cavalos; do outro, pelas naturais dificuldades do JCB em lidar, pela primeira vez, com o advento do “simulcasting internacional”, ou que nome isso tenha, fato que – quer queiram, quer não – significa chamar um concorrente para disputar conosco o mesmo público apostador.

As conseqüências desse improvável dueto não se fizeram esperar: o MGA médio do JCB cedeu depois do advento da CODERE, e esta alegou estar tendo prejuízos em suas operações no Brasil.

A partir daí, estava montado o circo da dúvida e da desconfiança entre as partes, com os dois principais trapezistas tentando acrobacias e acusações mútuas para ver quem tinha deixado de segurar a mão de quem.

Afinal, aconteceu o previsível: a CODERE parou de pagar ao clube a diferença, a menor, do MGA das corridas do Rio de Janeiro. A tal rede de proteção, a que ela se comprometera por contrato. Em conseqüência, a dívida para com o JCB começou a escalar mês a mês, até atingir níveis intoleráveis (R$ 6.600.000,00, em moeda de dezembro de 2007, hoje muito mais que isso).

Qualquer observador equilibrado e experiente dos negócios humanos, poderia facilmente concluir que o projeto do “simulcasting internacional” havia se transformado num mau negócio para o JCB. E pior, sem nenhuma perspectiva de solução a curto, ou médio prazo.

Quando isso ocorre, o que de melhor se pode fazer é render-se às evidências da implacável realidade.

No caso, diante do incontrolado crescimento da dívida da CODERE, parecia razoável ao JCB: (i) dar por encerrada a experiência; (ii) cobrar a dívida; e (iii) passar a tratar – com seriedade, isso sim – de como melhorar a gerência do turfe que administra, recuperando o MGA das corridas no Rio de Janeiro.

Infelizmente, isso não ocorreu.

3 - A marcha da insensatez

Qualquer expectativa em relação ao futuro, qualquer intenção em direção a uma possibilidade que ainda não se concretizou, qualquer esperança de dias melhores, numa palavra, pressupõe, antes de tudo, a consciência mínima das circunstâncias e das perspectivas do amanhã.

Quando tal não ocorre, o risco é iludir-se, e passar a agir em função unicamente da “esperança de dar certo.” Isso pode servir muito bem às vãs expectativas do indivíduo; raramente, porém, aproveita as instituições.

E insensatez parece ter sido o novo capítulo aberto no tumultuado relacionamento JCB vs. CODERE, com a assinatura, em 31 de julho de 2009, do “primeiro aditamento” ao contrato de prestação de serviços e ao acordo de cooperação, firmado em 2005.

Por este “aditamento”, fica-se sabendo que o JCB abre mão de direitos e “perdoa” tudo (perdoar é o verbo usado no texto do documento), ou quase tudo, para tentar salvar o imponderável.

Por ele, entre outros perdões, o JCB: (1) abre mão (e perdoa) a cobrança da significativa dívida da CODERE; (2) abre mão (e perdoa) a obrigação desta de completar (leia-se, pagar) a eventual redução das “receitas hípicas” (leia-se MGA); (3) abre mão (e perdoa) o compromisso da garantia de aumento da bolsa de prêmios hípicos; (4) abre mão (e perdoa) a obrigação de implantar um novo CPD/totalizador previsto no contrato original; abre mão e perdoa...; abre mão e perdoa...etc. etc. etc.

Não bastasse, o JCB, também: (5) abre mão do direito de preferência, outorgado anteriormente pela CODERE, com respeito à participação no eventual e futuro empreendimento conjunto (leia-se, as “maquininhas caça-níqueis"), inclusive na hipótese da CODERE vir a contratar a exploração das citadas “maquininhas” com terceiros.

Ou seja, o conceito de “parceria”, que ensejou a criação do “empreendimento conjunto” de 2005, simplesmente deixou de existir. Morreu com a assinatura do “aditamento.”

Entretanto, quem abre mão e perdoa tanta coisa, supostamente o faz em função de algo, ou alguma coisa em troca.

Como não parece razoável que o JCB consiga se equiparar à graça da misericórdia divina, o “primeiro aditamento” informa que a renúncia aos seus direitos - e o perdão de todas as dívidas - foi trocado por R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), a serem pagos pela CODERE em 10 (dez) prestações mensais de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) entre agosto de 2009 e maio de 2010.

Foi exatamente isso que o JCB consentiu receber em troca de sua nunca desmentida generosidade e inaudita boa vontade para com o “parceiro” – que, a esta altura, já lhe devia muito, muitíssimo mais, que isso.

“Aditamento” assinado, não cabe mais, a um mero observador da cena, discutir o que poderia ter sido e não foi. Pelo menos, no âmbito das iniciativas da atual administração do clube.

Mas o que se discute, sim, é o sentido dessa negociação e, principalmente, sua oportunidade. Ou seja, a lógica de se tentar manter – ao transe! – um relacionamento que o tempo, a duvidosa e questionável competência empresarial de ambas as partes para levar adiante o projeto, e as próprias leis de mercado, já haviam contribuído para desgastar e inviabilizar.

O que se discute, diante do fracasso da experiência CODERE, e da forma do “simulcasting internacional”, é se o Jockey Club Brasileiro deve continuar a dividir seu mercado cativo de apostas com terceiros, quaisquer que eles sejam – ao invés de pôr mãos à obra e trabalhar para fazer crescer seu MGA.

O que se discute, é se o JCB vai prosseguir imitando a figura bíblica que trocou seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas – talvez, porque não se sinta capaz de gerenciar com eficiência seu próprio negócio – e imagina que esse “aditamento” tenha o condão de fazer reviver ilusões perdidas.

É isso, e não qualquer outra coisa, o que se discute. O que está em jogo neste momento, é saber a que novas perplexidades, novos embaraços, e novas inadimplências, pode nos levar o “aditamento” assinado em 31 de julho de 2009.

4 - As eternas “maquininhas”

“Maquininhas” – ou que nome isso tenha – é um projeto que remonta aos idos da segunda administração Fragoso Pires, ou seja, ao final dos anos de 1990.

Perdemos mais de uma década perseguindo essa possibilidade, como se ela se tratasse, por si só, da vara de condão que resolveria, de uma só vez, os graves(íssimos) problemas de gerência do turfe carioca.

Com a assinatura do “aditamento”, porém, nem isso mais parece possível.

E não parece, pelos seguintes motivos:

(a) porque entre as inúmeras concessões, liberações, quitações e perdões concedidos pelo JCB à CODERE no referido “aditamento”, uma é final e decisiva:

(b) se, ou quando, as “maquininhas” vierem a ser aprovadas pelas autoridades brasileiras, a citada autorização deverá permitir a instalação e operação pela CODERE, como agente credenciado do JCB, de, no mínimo, 1.000 (mil!) “terminais de apostas” nas áreas do hipódromo da Gávea“, a serem concedidas em comodato à CODERE.

Duas observações: (a) a expressão “mínimo”, aí em cima, não contém nenhuma ressalva quanto ao seu antônimo: por outras palavras, isso significa, em tese, que a CODERE poderia inundar o Hipódromo Brasileiro com um mar de maquininhas (2.000, 3.000, 5.000, ou quantas nele couber); (b) até hoje, não se sabe a que se deve o uso dos eufemismos “terminais de apostas” ou “loterias instantâneas” para definir máquinas caça-níqueis. A rigor, só Freud explica os vocábulos usados em contratos e artigos na imprensa...

Resumo: como as autorizações das “maquininhas” são limitadas por local, se forem liberadas o “mínimo” de 1.000 “maquininhas” para a CODERE, o Jockey Club Brasileiro recebe uns trocados, e terá que ceder espaço no hipódromo (sem especificar área e metragem), não podendo cobrar absolutamente nada por isso.

Novamente, os referidos “trocados” referem-se, no “aditamento”, a US$ 3 milhões, a serem pagos em parcelas anuais pela CODERE, mediante certas condições.

Para quem imagina que é muito, deve ser mencionado que, em dezembro de 2007, a CODERE já devia ao JCB nada menos que R$ 6.600.000,00 (ou seja, US$ 3,771,428.00 ao câmbio de hoje).

4 – Depois que as “maquininhas” vierem

E o que acontece depois que as “maquininhas” forem instaladas no Hipódromo Brasileiro? Pelos termos do “aditamento” não acontece mais nada. É, mais nada.

Traduzamos esse “nada”: não há tradução, é nada mesmo. Pois não há no “aditamento” nenhuma referência a respeito de qualquer percentual de participação na renda das citadas “maquininhas” por parte do Jockey Club Brasileiro.

Sem dúvida, é o melhor dos mundos. Para a CODERE, não necessariamente para o JCB...

Enfim, eis o resumo dos contratos assinados em 2005, e seu “aditamento” de julho de 2009.

5 – Conclusão

A ter que depender da renda dos caça-níqueis para sobreviver, sem que haja uma projeção concreta de sua rentabilidade, e sem que o JCB saiba quanto vai ganhar com isso, só recorrendo ao famoso dístico da entrada do Inferno na “Divina Comédia”, de Dante: “Esqueça qualquer esperança quem aqui entrar.”

O JCB e o turfe do Rio, hoje parecem se aproximar velozmente do que os americanos chamam de “turning point”, algum ponto da viagem além do qual não há volta.

Hoje, só nos resta esperar – talvez rezar – para que ele mude seu atual rumo de colisão, reúna os homens de bem em torno dele e, afinal, sobreviva.

Quem viver, verá.

Sergio Barcellos

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