Eleição para novo presidente oferece o desafio de administrar uma dívida de 200 milhôes de reais e conter uma preocupante sangria de público
Foi uma tarde de glória, presenciada por elegantes senhores de terno e gravata, senhoras de vestidos curtos e alguns sorrisos turbinados. Para celebrar o 457º aniversário da cidade, o Jockey Club de São Paulo organizou uma corrida especial na última terça (25). A Orquestra Filarmônica Bachiana Sesi — SP, sob a batuta do maestro João Carlos Martins, realizou um concerto e o padre Marcelo Rossi improvisou uma bênção para a capital.
Os convidados mais seletos, como o prefeito Gilberto Kassab, foram recepcionados na sala da presidência, no 4º e último andar do principal prédio do clube, de onde se descortina a melhor vista para a pista. Enquanto jóqueis e cavalos se digladiavam a 60 quilômetros por hora para o deleite do público, ali, longe dos flashes e do tilintar das taças de champanhe, era a sucessão da presidência que injetava adrenalina nas conversas. As atenções se voltavam para Márcio Toledo, o mandachuva da instituição, que desfilava ao lado da namorada, a senadora petista Marta Suplicy. Eleito em 2005 e reconduzido ao cargo três anos depois, ele terá de tirar o cavalinho da chuva: de acordo com o estatuto, Toledo não pode disputar o próximo pleito, marcado para o início de março. Por isso, todos estavam interessados em saber quem seria o candidato apoiado por ele.
E a largada para esse páreo já foi dada. Ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo e sócio da faculdade Facamp, de Campinas, o empresário Eduardo da Rocha Azevedo tomou a dianteira e anunciou há duas semanas a formação de uma chapa de oposição. “Precisamos de pessoas que realmente se dediquem ao Jockey”, diz ele, que ocupou o posto de diretor de obras da agremiação no fim da década de 90, no mandato do banqueiro Antonio Grisi Filho. “Proponho a contratação de executivos para tocar o dia a dia da entidade, como ocorre em grandes companhias.”
O candidato da situação será o atual diretor de finanças, o empresário Mário Gimenes. Braço direito de Toledo desde 2005, ele defende sua gestão com unhas e dentes. “As diretorias anteriores, inclusive aquela da qual meu opositor fez parte, por pouco não nos levaram à falência”, declara ele. “Hoje a situação não é mais dramática.”
Não é bem assim. Instalado às margens do Rio Pinheiros, em uma área na qual poderiam ser construídos oito estádios do Pacaembu, o Jockey carrega uma dívida de quase 200 milhões de reais. A maior parte dessa quantia é fruto de tributos atrasados, como o IPTU. Reajustado em 2010 para 6 milhões de reais, esse imposto não foi pago a partir de 1980. Em 2006, os débitos relativos até 1995 foram renegociados e passaram a ser honrados. Já os valores correspondentes aos últimos quinze anos são questionados na Justiça — e seguem em aberto.
Toledo afirma ter instituído uma rígida política de ajustes e ampliado as fontes de renda, principalmente com o aluguel de espaços para eventos como a Casa Cor e o Q!Bazar. “Só o nosso faturamento com o estacionamento saltou de 30.000 reais para 150.000 reais mensais”, afirma ele. Em 2010, foram arrecadados 100 milhões de reais com apostas e outros 35 milhões de reais com aluguéis — o clube possui um prédio no centro, terrenos na cidade e um centro de treinamento em Campinas. Descontados os gastos com premiações (95 milhões de reais), manutenção e o pagamento de dívidas já renegociadas (35 milhões), sobram em caixa 5 milhões de reais por ano. Os valores são aproximados, mas permitem o seguinte raciocínio: se o rombo de 200 milhões de reais pudesse ser congelado, o clube levaria quarenta anos para liquidá-lo.
Fernando Moraes
Várias propostas para resolver o problema de caixa foram anunciadas. Apresentada pela atual diretoria, a mais ousada delas previa a construção de dois edifícios (um deles com trinta andares) e um centro comercial de 3.000 metros quadrados sobre a área do hipódromo hoje ocupada pelas cocheiras. Também estava prevista a criação de um novo centro de treinamento no município de Porto Feliz, a 120 quilômetros da capital, e de prédios residenciais no centro de treinamento de Campinas e na Chácara do Jockey, na Vila Sônia.
Tudo isso poderia render outros 36 milhões de reais anuais. Mas o projeto foi barrado pela Justiça, a pedido de doze associados, Azevedo entre eles. “O atual presidente decidiu abrir mão de um quinto de nossa sede e nem sequer consultou os sócios”, afirma o candidato opositor. Toledo não comenta o ocorrido, mas responde na mesma voltagem: “Quando Azevedo estava no comando, uma enorme gleba de terra em Campinas foi vendida. Isso não quitou nenhuma dívida”. Replica Azevedo: “A diferença é que fechamos esse negócio com a anuência de uma assembleia”.
Alheio ao bate-boca, o prefeito Gilberto Kassab também traçou planos para o hipódromo. Sua ideia: desapropriar o terreno e transformá-lo em parque. Qualquer obra no local, no entanto, precisará ser aprovada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), já que a área foi tombada em agosto passado. A medida protege todo o perímetro do terreno e suas imponentes edificações, adornadas com dezesseis esculturas de Victor Brecheret.
Debelar a milionária crise financeira do Jockey não é o único desafio em jogo. E a crescente sangria de público? A comemoração da semana passada não espelha o que acontece no dia a dia do clube da Cidade Jardim. VEJA SÃO PAULO acompanhou a corrida do penúltimo sábado (22) — nos fins de semana, os páreos são realizados a partir das 14 horas; às segundas, por volta das 18 horas. Cerca de 300 pessoas, em geral acima dos 70 anos, se espalhavam pelos bares, arquibancadas e salão de apostas.
A direção atual, no entanto, sustenta que as provas são conferidas por 4.000 pessoas. Se for verdade, ainda é pouco. Até o início da década de 90, algumas disputas chegavam a ser acompanhadas por 8.000 aficionados. O quadro de sócios também é cada vez menor e hoje lista 3.000 pessoas, três vezes menos que nos anos 70. E estamos falando de um clube com um dos títulos familiares mais baratos da cidade. Custa 5.000 reais, que podem ser divididos em dez parcelas ou pagos à vista, com 12% de desconto. É quase um cavalo dado, do qual não se olham os dentes. Para entrar, basta a indicação de dois sócios efetivos. As mensalidades custam 240 reais. Para se ter uma ideia do que isso significa, para virar sócio de A Hebraica, frequentada por 25.000 pessoas, é preciso desembolsar mais de 30.000 reais e pagar 450 reais de mensalidade. “Muitos associados antigos eram inadimplentes e foram eliminados”, diz Toledo, que reformou a área de lazer do hipódromo e construiu uma piscina em dezembro para atrair um pouco mais de gente.
Não é de hoje que a agremiação vê sua popularidade declinar. Criado em 1875 como Club de Corridas Paulistano — primeiro na Rua Bresser, na Mooca, e desde 25 de janeiro de 1941 no endereço atual —, o Jockey recebeu o primeiro coice em 1961, quando o presidente Jânio Quadros investiu contra as apostas em animais. Obrigado a reduzir as provas a uma por semana, o clube logo precisou rever a tradição de ser um dos mais fechados do país. A solução para aumentar a frequência, posta em prática no fim da década, foi abrir as portas para os associados de outras cinquenta entidades — e abolir a exigência de paletó e gravata nas áreas sociais.
Com o tempo, porém, e a multiplicação das opções de lazer, além do surgimento de inúmeras modalidades de loterias e jogos bancados pelo governo, o marasmo voltou a tomar conta dos salões, das arquibancadas e dos guichês de aposta. Não é um fenômeno local. No Rio de Janeiro, por exemplo, a situação é parecida. “Há muito o turfe deixou de atrair novas gerações”, acredita Antonio Lafayette Salles, sócio do hipódromo paulistano há quatro décadas. Da mesma forma, o interesse pelo esporte desapareceu das páginas de jornais como “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, que costumavam veicular notícias diárias sobre páreos e leilões de cavalos. “A partir dos anos 80, as pessoas se cansaram de ler sobre o assunto”, resume Cyro Fiuza, 88 anos, repórter de turfe durante quase três décadas. “Preferem hoje ver futebol na televisão.” O próximo que tiver as rédeas do Jockey vai reverter esse cenário? Façam suas apostas.
ENTRE SORRISOS E PATADAS
Foi uma tarde de glória, presenciada por elegantes senhores de terno e gravata, senhoras de vestidos curtos e alguns sorrisos turbinados. Para celebrar o 457º aniversário da cidade, o Jockey Club de São Paulo organizou uma corrida especial na última terça (25). A Orquestra Filarmônica Bachiana Sesi — SP, sob a batuta do maestro João Carlos Martins, realizou um concerto e o padre Marcelo Rossi improvisou uma bênção para a capital.
Os convidados mais seletos, como o prefeito Gilberto Kassab, foram recepcionados na sala da presidência, no 4º e último andar do principal prédio do clube, de onde se descortina a melhor vista para a pista. Enquanto jóqueis e cavalos se digladiavam a 60 quilômetros por hora para o deleite do público, ali, longe dos flashes e do tilintar das taças de champanhe, era a sucessão da presidência que injetava adrenalina nas conversas. As atenções se voltavam para Márcio Toledo, o mandachuva da instituição, que desfilava ao lado da namorada, a senadora petista Marta Suplicy. Eleito em 2005 e reconduzido ao cargo três anos depois, ele terá de tirar o cavalinho da chuva: de acordo com o estatuto, Toledo não pode disputar o próximo pleito, marcado para o início de março. Por isso, todos estavam interessados em saber quem seria o candidato apoiado por ele.
E a largada para esse páreo já foi dada. Ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo e sócio da faculdade Facamp, de Campinas, o empresário Eduardo da Rocha Azevedo tomou a dianteira e anunciou há duas semanas a formação de uma chapa de oposição. “Precisamos de pessoas que realmente se dediquem ao Jockey”, diz ele, que ocupou o posto de diretor de obras da agremiação no fim da década de 90, no mandato do banqueiro Antonio Grisi Filho. “Proponho a contratação de executivos para tocar o dia a dia da entidade, como ocorre em grandes companhias.”
O candidato da situação será o atual diretor de finanças, o empresário Mário Gimenes. Braço direito de Toledo desde 2005, ele defende sua gestão com unhas e dentes. “As diretorias anteriores, inclusive aquela da qual meu opositor fez parte, por pouco não nos levaram à falência”, declara ele. “Hoje a situação não é mais dramática.”
Não é bem assim. Instalado às margens do Rio Pinheiros, em uma área na qual poderiam ser construídos oito estádios do Pacaembu, o Jockey carrega uma dívida de quase 200 milhões de reais. A maior parte dessa quantia é fruto de tributos atrasados, como o IPTU. Reajustado em 2010 para 6 milhões de reais, esse imposto não foi pago a partir de 1980. Em 2006, os débitos relativos até 1995 foram renegociados e passaram a ser honrados. Já os valores correspondentes aos últimos quinze anos são questionados na Justiça — e seguem em aberto.
Toledo afirma ter instituído uma rígida política de ajustes e ampliado as fontes de renda, principalmente com o aluguel de espaços para eventos como a Casa Cor e o Q!Bazar. “Só o nosso faturamento com o estacionamento saltou de 30.000 reais para 150.000 reais mensais”, afirma ele. Em 2010, foram arrecadados 100 milhões de reais com apostas e outros 35 milhões de reais com aluguéis — o clube possui um prédio no centro, terrenos na cidade e um centro de treinamento em Campinas. Descontados os gastos com premiações (95 milhões de reais), manutenção e o pagamento de dívidas já renegociadas (35 milhões), sobram em caixa 5 milhões de reais por ano. Os valores são aproximados, mas permitem o seguinte raciocínio: se o rombo de 200 milhões de reais pudesse ser congelado, o clube levaria quarenta anos para liquidá-lo.
Fernando Moraes
Várias propostas para resolver o problema de caixa foram anunciadas. Apresentada pela atual diretoria, a mais ousada delas previa a construção de dois edifícios (um deles com trinta andares) e um centro comercial de 3.000 metros quadrados sobre a área do hipódromo hoje ocupada pelas cocheiras. Também estava prevista a criação de um novo centro de treinamento no município de Porto Feliz, a 120 quilômetros da capital, e de prédios residenciais no centro de treinamento de Campinas e na Chácara do Jockey, na Vila Sônia.
Tudo isso poderia render outros 36 milhões de reais anuais. Mas o projeto foi barrado pela Justiça, a pedido de doze associados, Azevedo entre eles. “O atual presidente decidiu abrir mão de um quinto de nossa sede e nem sequer consultou os sócios”, afirma o candidato opositor. Toledo não comenta o ocorrido, mas responde na mesma voltagem: “Quando Azevedo estava no comando, uma enorme gleba de terra em Campinas foi vendida. Isso não quitou nenhuma dívida”. Replica Azevedo: “A diferença é que fechamos esse negócio com a anuência de uma assembleia”.
Alheio ao bate-boca, o prefeito Gilberto Kassab também traçou planos para o hipódromo. Sua ideia: desapropriar o terreno e transformá-lo em parque. Qualquer obra no local, no entanto, precisará ser aprovada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), já que a área foi tombada em agosto passado. A medida protege todo o perímetro do terreno e suas imponentes edificações, adornadas com dezesseis esculturas de Victor Brecheret.
Debelar a milionária crise financeira do Jockey não é o único desafio em jogo. E a crescente sangria de público? A comemoração da semana passada não espelha o que acontece no dia a dia do clube da Cidade Jardim. VEJA SÃO PAULO acompanhou a corrida do penúltimo sábado (22) — nos fins de semana, os páreos são realizados a partir das 14 horas; às segundas, por volta das 18 horas. Cerca de 300 pessoas, em geral acima dos 70 anos, se espalhavam pelos bares, arquibancadas e salão de apostas.
A direção atual, no entanto, sustenta que as provas são conferidas por 4.000 pessoas. Se for verdade, ainda é pouco. Até o início da década de 90, algumas disputas chegavam a ser acompanhadas por 8.000 aficionados. O quadro de sócios também é cada vez menor e hoje lista 3.000 pessoas, três vezes menos que nos anos 70. E estamos falando de um clube com um dos títulos familiares mais baratos da cidade. Custa 5.000 reais, que podem ser divididos em dez parcelas ou pagos à vista, com 12% de desconto. É quase um cavalo dado, do qual não se olham os dentes. Para entrar, basta a indicação de dois sócios efetivos. As mensalidades custam 240 reais. Para se ter uma ideia do que isso significa, para virar sócio de A Hebraica, frequentada por 25.000 pessoas, é preciso desembolsar mais de 30.000 reais e pagar 450 reais de mensalidade. “Muitos associados antigos eram inadimplentes e foram eliminados”, diz Toledo, que reformou a área de lazer do hipódromo e construiu uma piscina em dezembro para atrair um pouco mais de gente.
Não é de hoje que a agremiação vê sua popularidade declinar. Criado em 1875 como Club de Corridas Paulistano — primeiro na Rua Bresser, na Mooca, e desde 25 de janeiro de 1941 no endereço atual —, o Jockey recebeu o primeiro coice em 1961, quando o presidente Jânio Quadros investiu contra as apostas em animais. Obrigado a reduzir as provas a uma por semana, o clube logo precisou rever a tradição de ser um dos mais fechados do país. A solução para aumentar a frequência, posta em prática no fim da década, foi abrir as portas para os associados de outras cinquenta entidades — e abolir a exigência de paletó e gravata nas áreas sociais.
Com o tempo, porém, e a multiplicação das opções de lazer, além do surgimento de inúmeras modalidades de loterias e jogos bancados pelo governo, o marasmo voltou a tomar conta dos salões, das arquibancadas e dos guichês de aposta. Não é um fenômeno local. No Rio de Janeiro, por exemplo, a situação é parecida. “Há muito o turfe deixou de atrair novas gerações”, acredita Antonio Lafayette Salles, sócio do hipódromo paulistano há quatro décadas. Da mesma forma, o interesse pelo esporte desapareceu das páginas de jornais como “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, que costumavam veicular notícias diárias sobre páreos e leilões de cavalos. “A partir dos anos 80, as pessoas se cansaram de ler sobre o assunto”, resume Cyro Fiuza, 88 anos, repórter de turfe durante quase três décadas. “Preferem hoje ver futebol na televisão.” O próximo que tiver as rédeas do Jockey vai reverter esse cenário? Façam suas apostas.
ENTRE SORRISOS E PATADAS
Mário Gimenes: candidato da situação
“As administrações anteriores, inclusive aquela da qual meu concorrente fez parte, levaram o clube à beira da falência.”Mário Gimenes, empresário, atualmente responsável pelas finanças do Jockey, candidato da situação
Eduardo da Rocha Azevedo: chapa da oposição
"Falta profissionalismo na atual diretoria. Precisamos de pessoas que realmente se dediquem ao Jockey."Eduardo da Rocha Azevedo, empresário, da chapa da oposição
O PALCO DAS DISPUTAS
Instalada em um terreno de 620.000 metros quadrados, equivalente a oito estádios do Pacaembu, a sede do hipódromo paulistano completou sessenta anos na semana passada
"Falta profissionalismo na atual diretoria. Precisamos de pessoas que realmente se dediquem ao Jockey."Eduardo da Rocha Azevedo, empresário, da chapa da oposição
O PALCO DAS DISPUTAS
Instalada em um terreno de 620.000 metros quadrados, equivalente a oito estádios do Pacaembu, a sede do hipódromo paulistano completou sessenta anos na semana passada
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