Coração Mecânico: Realidade ou Ficção?
"A insuficiência cardíaca (IC) acomete milhares de pessoas no mundo inteiro. Ela ocorre como um evento que pode resultar de diversas doenças cardíacas que após um tempo variável de desgaste do coração, levam à falência do mesmo. Nesse momento, após a IC já instalada, dificilmente se consegue reverter a doença de base que causou o desgaste cardíaco. Assim, a progressão da IC é inevitável, variando de períodos de melhora (controle terapêutico) com períodos de piora, onde muitas vezes são necessárias internações que visam impedir a morte iminente, mas que infelizmente, nada fazem no que diz respeito ao aumento da sobrevida do paciente. Para se ter um exemplo das doenças que podem levar à IC, segue-se abaixo uma explicação sumária e importância de algumas que são freqüentes no Brasil".
Causas Freqüentes de Insuficiência Cardíaca
Hipertensão arterial sistêmica crônica é uma das causas mais freqüentes que levam à IC. É uma doença que cursa sem sintomas até numa fase mais avançada, quando vários órgãos do organismo (rins, cérebro, retina, artérias e coração) já estão extremamente acometidos e doentes. A descoberta precoce, através de aferições periódicas nas consultas médicas, permite um tratamento comportamental e/ou farmacológico com drogas cada vez mais eficazes em se manter a pressão arterial em bons níveis, diminuindo enormemente os índices de complicações posteriores.
Insuficiência coronariana é a doença das artérias que nutrem o coração e que se encontram obstruídas por placas de "gordura" chamadas aterosclerose. Levam ao tão temido infarto cardíaco, extremamente comum no mundo ocidental devido aos vários fatores de risco comportamentais e dietéticos. Esse por sua vez, tem sido cada vez mais passível de tratamento, através de vários procedimentos e drogas cada vez mais potentes. Por isso, as cicatrizes causadas por ele no coração, levam a uma diminuição da área funcionante, o que o enfraquece levando à IC.
Doença de Chagas doença presente principalmente no Brasil e países da América do Sul, transmitida por um inseto conhecido como "barbeiro" e relacionada com um nível sócio-econômico extremamente baixo. Acomete o músculo cardíaco levando à sua dilatação e à diminuição de sua eficiência, além de causar importantes alterações no ritmo cardíaco. Dados do Ministério da Saúde têm mostrado uma diminuição na transmissão dessa doença, mas, mesmo assim, os milhares de pacientes já infectados vão desenvolver uma IC, sendo ainda um enorme problema de saúde brasileiro.
Valvulopatia Reumática é uma doença que envolve as válvulas cardíacas. Ocorre após infecções de garganta por bactérias específicas que levam a uma reação imune contra as válvulas cardíacas. As alterações das mesmas levam a um maior volume de sangue a ser bombeado pelo coração ou a uma maior pressão que o coração tem que vencer para bombear o sangue para todo o corpo. Isso, a longo prazo, leva à falência dos músculos cardíacos e então, à IC. A prevenção após infecções de garganta devido à bactéria específica tem diminuído o número de pessoas acometidas.
A melhor opção de tratamento de uma IC de grau importante é o transplante cardíaco. Entretanto, é uma conduta muito complexa e ineficiente em se tratando de saúde pública, ou seja, poucas pessoas que precisam conseguem um doador e ao mesmo tempo nem todos estão aptos ao procedimento. Inúmeras outras alternativas de tratamento cada vez mais estão sendo pesquisadas. Diversas drogas estão sendo testadas, algumas recentes e outras antigas que antes eram consideradas prejudiciais para a IC, mas agora têm sido utilizadas para tal fim. Há também outras formas de tratamento sendo pesquisados dentre os quais estão as formas de suporte mecânico ao coração. A substituição de todo o coração por uma bomba mecânica se mostrou desapontadora nos anos 80. Isso levou aos pesquisadores tentarem modelos que seriam acoplados ao coração já existente, e que seriam localizados principalmente no ventrículo esquerdo (região que bombeia o sangue para todo o corpo). Um estudo relatando os avanços dessa tecnologia foi realizado por um grupo de médicos liderados pelo Dr. Stephen Westaby, do Centro do Coração de Oxford, do Hospital John Radcliffe, Oxford Inglaterra. Um resumo desse estudo foi publicado na revista médica Lancet deste ano.
O Estudo
O estudo abaixo mostra o exemplo do um implante de um Dispositivo Pulsátil de Assistência ao Ventrículo Esquerdo (DPAVE) e seus resultados. Consiste em um dos casos de um estudo, que está sendo feito, com vários pacientes, para verificar os reais benefícios desse aparelho, naqueles que não têm condições de receber um transplante cardíaco.
Histórico
Os DPAVEs de primeira geração tinham várias limitações para serem utilizados como substitutos do transplante cardíaco, quais sejam: tamanho; necessidade de acompanhamento hospitalar; complicações sérias e porta de entrada a infecções. Após o desenvolvimento de novas tecnologias, conseguiu-se fabricar DPAVEs pequenos, silenciosos e de baterias com longo funcionamento.
O Jarvik 2000 Heart é um DPAVE do tamanho de um polegar, silencioso, feito de titânio, pesando 90g e com um volume de 25cm3. A bomba é colocada na ponta do ventrículo esquerdo do coração e um implante tubular de 16 mm é colocado ligando o dispositivo à artéria que sai do coração (aorta) distribuindo sangue por todo corpo. O dispositivo tem uma velocidade de 8.000 a 12.000 rpm, levando cerca de 3-8L de sangue por minuto. A destruição das células sangüíneas vermelhas é ínfima (o que ocorria com outros aparelhos). Um pequeno cabo liga o Jarvik do coração à região atrás da orelha onde está implantado um dispositivo abaixo da pele (subcutâneo) que transmite informações do cabo a um controle portátil que pode ser colocado no cinto do paciente. O controle possui um botão único que permite ao paciente, regular a quantidade de sangue impulsionado pelo Jarvik de acordo com o nível de suas atividades.
O Paciente
O primeiro paciente a se beneficiar do Jarvik 2000 Heart foi operado em junho de 2000. Ele tinha na época 61 anos de idade, portador de uma IC extremamente grave, com história de Hipertensão Arterial Sistêmica, Arritmia Cardíaca e Insuficiência Renal, sem alterações das artérias que irrigam o coração. Quando em uso de doses máximas da medicação, ele tinha falta de ar mesmo usando seis travesseiros para dormir (na IC os pulmões enchem de sangue, causando falta de ar que se intensifica quando o corpo fica em posição horizontal); estava com edema (inchaço) importante nas pernas e no fígado causado por deficiência do coração em bombear o sangue e ascite (água na barriga) pelo mesmo motivo.
Resultados
Após duas semanas a condição geral do paciente melhorou significativamente. Manteve-se a velocidade da bomba em 8.000 rpm quando em repouso e 12.000 rpm em exercícios. A bomba não era escutada pelo paciente, a tolerância aos exercícios aumentou e foi acompanhada por uma diminuição do peso devido à eliminação da água que estava represada nos locais inchados previamente (fígado, membros inferiores e abdômen). A partir dessa época, não foi mais necessário o uso de diuréticos (medicamentos que aumentam o volume urinário) e o paciente já conseguia se deitar sem a necessidade de travesseiro. Ao exame que visualiza o coração (ecocardiograma), houve uma melhora em relação à dilatação das câmaras cardíacas e logo o paciente já conseguia regular a velocidade do dispositivo e trocar as baterias. Após seis semanas, o paciente recebeu alta hospitalar.
Conclusões
Devido à pequena oferta de doadores e ao pequeno número de doentes cardíacos que podem se submeter a um transplante cardíaco, a opção mostrada acima parece ser muito promissora. Os sintomas de IC diminuíram rapidamente e houve uma melhora no próprio funcionamento cardíaco.
Algumas vantagens com relação ao Jarvik 2000 Heart em relação a outros DPAVEs são: a) o fato de não haver contato com a pele exterior nem com a cavidade abdominal (diminuindo o risco de infecções); b) a localização com movimentação livre na ponta do coração não machucando o músculo cardíaco e se mantendo alinhado com a válvula mitral (que separa o átrio esquerdo do ventrículo esquerdo) quando o coração diminui de tamanho na sístole (contração).
O objetivo do grupo responsável pelo estudo é a utilização do DPAVE como coadjuvante cardíaco na IC. Assim sendo, ele seria utilizado para que o coração doente pudesse se remodelar o que levaria a uma mudança de sua forma e uma melhora de sua função até o ponto de não mais se precisar do DPAVE. Nesses casos, o dispositivo teria que ser utilizado numa fase anterior à formação de cicatrizes no coração, pois essas não são capazes de se remodelarem como são as fibras cardíacas naturais.
Pode-se, no entanto, utilizar o dispositivo indefinidamente ou como "ponte" entre a IC grave e o transplante ou como "ponte" entre a IC grave e o período de melhora como dito acima. Informações sobre sua duração ainda têm que ser pesquisadas assim como sua segurança e eficácia a longo prazo.
Fonte: Lancet
Bibliomed, Inc.
parte 9 será postada em 10/04
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