Jeane Alves

Jeane Alves
Vitória de G 1 com Equitana

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

TURFE, A VERDADEIRA DIMENSÃO DAS COISAS


Teruz


A verdadeira dimensão das coisas

Eu sou apaixonado pelo turfe. A gente gosta de sempre falar bem de quem se ama. Nos últimos meses não tem sido possível. O ano de 2.010 foi difícil para os turfistas. Para mim também. A invencibilidade é coisa bonita na vida. Vencer, vencer e vencer. Acostumei-me com a rotina das vitórias. Foi assim na profissão de jornalista. Fiquei 19 anos na redação do Jornal do Brasil. Só trabalhei com fera. E saí invicto. Promoção em cima de promoção. Alguns aumentos de salário também. E prêmios jornalísticos por coberturas e matérias. Enfim, bons serviços prestados aos leitores.

Na vida também. Conquistei bons amigos, filhos que só me fazem feliz, e duas ex-esposas que são as minhas duas melhores amigas. Isso não é para qualquer um. Mas perdi minha invencibilidade ao sair da TV Turfe no dia 15 de março. Amarguei a minha primeira derrota na vida. Segurei um pepino que não era meu. Alguém, entretanto, tem que descascar os pepinos. E o sujeito escolhido tem que ser homem na concepção da palavra. Caí sozinho, num episódio em que poderia ter levado muita gente comigo. A história oficial é uma piada. Como aquelas que o governo contava nos tempos da ditadura militar.

Tenho muitos defeitos. Quem não os tem? Mas não sou covarde. Ao contrário de muita gente que o foi no caso da minha demissão. Não se chora o leite derramado. Toco no assunto em consideração aos inúmeros fãs que depois de nove meses, mais do que uma gestação, ainda perguntam quando vou voltar para a televisão. A vida é roda gigante. Às vezes estamos no alto e vemos bela paisagem. Às vezes a gente precisa andar de metrô. Mas é preciso ter dignidade tanto nas alturas como no subterrâneo. Aos admiradores posso afirmar que por causa dos amigos não precisei andar de metrô ainda que algumas pessoas tivessem torcido para isso.

Hoje estou num avião moderno chamado Stud Cafelândia, na função de supervisor. E os bons resultados da nossa pequena coudelaria falam da competência da nossa equipe. Sou agente de montarias de um talentoso aprendiz, Vagner Borges, quarto colocado na estatística, e bastante requisitado por proprietários e treinadores. Enfim, estou feliz. Não entrei num Boeing, mas a minha asa delta tem bom panorama de um dia ensolarado com céu azul.

Mas o importante deste texto não sou eu. E sim as mazelas do nosso turfe. Nos três últimos anos hípicos, os proprietários eleitos como destaques das respectivas temporadas, de uma forma ou de outra, enfrentaram adversidades e tiveram atitudes intempestivas e surpreendentes. O Stud Eternamente Rio, de Luís Felipe Brandão dos Santos, a Coudelaria Jéssica, do Luiz Fernando Danneman, e o Stud Alvarenga, do Álvaro Novis. São pesos pesados do esporte. E qualquer mudança de rumo ou atitude deles não pode ser ignorada. Todos três fazem a diferença. Todos três são proprietários ganhadores e seus puros-sangues ajudam a escrever a história do esporte na atualidade. Todos eles têm ou já tiveram corredores que estão para sempre na galeria dos grandes cavalos nacionais.

O Stud Eternamente Rio mudou-se para o turfe paulista depois de um problema pessoal entre o titular, Luís Felipe e o ex-presidente do Jockey Club Brasileiro, Luiz Alfredo Taunay. Sem entrar no mérito da questão, que não cabe a este jornalista, na ocasião o turfe do Rio de Janeiro perdeu o proprietário mais vitorioso do momento e um turfman entusiasmado. Luís Felipe chegou a organizar a festa de despedida para o maior ídolo do turfe nacional, Jorge Ricardo, quando de sua transferência para o turfe argentino. O clube de Regatas Flamengo parou para homenagear o ilustre botafoguense. A chegada do Stud Eternamente Rio ao turfe paulista foi com justiça comemorada pelos bandeirantes e a história de sucesso teve seqüência sem maiores dificuldades.

Luís Fernando Danneman é meu amigo de infância. Tive o privilégio de acompanhar sua ascensão profissional, pessoal e turfística. Sou amigo de tulipas e calderetas nos bares de Copacabana dos seus irmãos Carlos Frederico e Ernesto. Aprendi a admirar a família pelo entusiasmo que lutam por seus ideais e convicções. A Coudelaria Jéssica assumiu atitude semelhante a do Stud Eternamente Rio e a exemplo do que já havia acontecido anteriormente também alcançou espaço generoso em Cidade Jardim, com triunfos na esfera clássica e nos páreos comuns. Gostaria de lembrar ainda que a vitoriosa farda foi uma das patrocinadoras da minha coluna semanal na antiga Revista Jockey Club Brasileiro.

Deixei para o final o Stud Alvarenga por que o título desta crônica, “A verdadeira dimensão das coisas”, refere-se justamente a repercussão do anúncio, por parte de Álvaro Novis, da liquidação total do seu elenco. Muita gente achou que houve enorme repercussão. Confesso que considerei justamente o contrário. Poucas pessoas têm a dimensão exata do que isso representa para o turfe. Comparado ao futebol seria como se amanhã o presidente do Vasco ou do Palmeiras convocasse a Imprensa para anunciar que os dois clubes iriam parar com o futebol profissional. Seria um Deus nos acuda. Como imaginar o futebol carioca sem um Vasco e Flamengo. Ou o Paulistão sem um Palmeiras e São Paulo?

Não estou exagerando. Álvaro Novis é um turfista de escol. Jovem, empreendedor, arrojado e vitorioso. Como abrir mão do proprietário de Desejada Duda e de Desejado Thunder? Como olhar para o gramado das provas da tríplice-coroa sem ver no galope de apresentação a farda gloriosa de Queen Desejada, craque maravilhosa que levantou o Grande Prêmio Brasil de 2.001.

Fiz milhares de entrevistas nesses 30 anos de profissão. Poucas vezes vi um entrevistado tão frustrado como Álvaro Novis no dia em que anunciou a decisão de fazer um leilão dos seus animais. O tom de voz era de tristeza, estava melancólico. Lembrou os amigos e falou da paixão de sua filha, a querida Duda, pelos cavalos. Enfatizou que a parte mais difícil na tomada de posição foi à conversa com a menina para explicar os seus motivos. E o seu alívio quando ela disse que entendia o papai.

Chegou à hora de todos os turfistas terem em mente a verdadeira dimensão do trágico rumo das coisas. Quando gente importante como Álvaro Novis começa a abandonar o barco é por que há no horizonte nuvens negras de uma gigantesca tempestade.

por Paulo Gama

Nenhum comentário:

Postar um comentário