Alguns esportes que possuem a figura do atleta reserva, depositam toda confiança nestes, para que, na falta do titular, o elenco, o conjunto, o time, possa ter a continuidade de sua performance e dessa maneira atingir o objetivo principal: a vitória.
São clássicos os exemplo que vêm do futebol, onde muitas vêzes a própria torcida exige que um determinado titular seja substítuido por um reserva, depositário este da esperança da melhora do time , do gol, enfim da vitória.
Lembremos daquele goleiro argentino, Goycochea, que na Copa de 90, substituindo o goleiro titular, que se machucara no primeiro jogo, e com suas defesas de penâltis acabou levando a Argentina para a final da Copa, perdida para a Alemanha.
O desconhecido reserva foi alçado à glória e fama por obra do destino.
A própria seleção brasileira nas Copas de 82 e 86, dirigidas pelo eterno Telê Santana, tinha tal qualidade nos reservas, que a regra matemática - A ordem dos fatores não altera o produto - era perfeitamente válida, pois alteravam-se os jogadores e o resultado era a continuidade do maior espetáculo de futebol que o mundo já viu.
Mas vamos para o turfe.
Na estrutura do turfe, a figura do reserva, é transposta para a figura do " faixa ", pois não há espaço para o reserva propriamente dito, pois ele não substituirá ninguém, o que ele tem de fazer é correr, dentro da estratégia traçada pelo treinador, para que cumpra uma função na corrida, e dessa forma , faça com que os demais competidores acabem por entrar em sua corrida falsa e assim, deixem o caminho limpo para que o titular, esse sim o verdadeiro alvo , seja o vencedor.
A Taça de Prata de 1.984 em Cidade Jardim é a mais exata tradução do que o acima exposto, pode ser alterado, na corrida, sem que ninguém conseguisse prever ou imaginar o seu desdobramento.
O campo da prova era formado por Flabello, Lorax, Ingratz, Romage, Grisson, Quitz Er, Alitak e outros, além da parelha do Rosa do Sul Imprudent Lark (titular ) e Impossible Eyes ( faixa ), e aquele que pelo espantoso retrospecto era tido como a verdadeira majestade do páreo: o tordilho Empire Day, filho de Maniatao e Kittle, de propriedade de J.J. Samara e J. Carlindo.
Como toda prova equilibrada, as atenções eram divididas entre Empire Day e Imprudent Lark, e os demais disputando a esperança do turfista de vencer as máquinas acima.
A parelha do Rosa do Sul tinha no bridão Holmes Freitas, jockey titular do Haras, como piloto de Imprudent Lark ; e Impossible Eyes montado pelo veterano bridão Edson Amorim. Do outro lado, o mítico freio Antonio Bolino, que por muitos anos fôra a montaria oficial do Rosa do Sul, era o jockey de Empire Day.
Aqui cabe uma obrigatória descrição da assombrosa campanha de Empire Day.
Até então invicto, o potro criado pelo Haras Alsiar e treinado pelo eficiente C. Carlindo, tentando a sua 6a. vitória, era vencedor das seguintes provas: GP Antenor de Lara Campos, Clássico Herculano de Freitas, Clássico Augusto de Souza Queiroz, Clássico José de Souza Queiroz, e a seletiva da Taça de Prata.
A dupla Carlindo - Bolino, sempre foi famosa pelos êxitos que obtinham, mas com Empire Day, superaram-se.
Em uma raia de grama leve, a final da Taça de Prata teve início, onde Empire Day assume a ponta logo nos primeiros metros, seguido por Impossible Eyes e Quitz Er ( S. Martins ), mas com a tarefa de faixa de Imprudent Lark, Impossible Eyes força e assume a ponta, e Quitz Er aproveitando vai para segundo, deixando o tordilho em terceiro, e Imprudent Lark, o titular visado, fica no bloco detrás.
Como parte da estratégia do Rosa do Sul, Imprudent Lark na curva da esquerda vai se aproximando do bloco da frente, enquanto Empire Day progride matemáticamente e encosta em Impossible Eyes e Quitz Er. Nessa altura, o jockey Edson Amorim, já olhava para trás procurando o titular da parelha , pois percebia-se que a tática era Impossible Eyes puxar o lote até a entrada da reta, para que Imprudent Lark, tomasse conta do páreo na reta.
Na entrada da reta, Quitz Er desgarra um pouco, e com maestria, Antonio Bolino percebendo a abertura, põe Empire Day em segundo, e avança sobre Impossible Eyes, que até o momento, mais do que o planejado, mantinha-se na ponta.
O Edson Amorim percebeu que sua tarefa agora era enfrentar até onde pudesse, a máquina invicta Empire Day até a chegada do reforço Imprudent Lark, mas esse reforço dava sinais que não tinha a energia necessária para o embate, e que ele, Edson Amorim e Imprudent Lark , faixa da parelha, teriam que assumir a função do titular. Tudo começava a dar errado no planejamento do Rosa do Sul.
Enquanto isso, Empire Day nos 400m avançou forte e iniciava a luta com Imprudent Lark , que sob uma tocada vigorosa do seu jockey mantinha-se como podia na ponta.
Nesse momento, entra toda a categoria de um dos maiores jockeys brasileiros de todos os tempos: Antonio Bolino. Dono de uma tocada singular e uma noção incomum de percurso, esse freio oriundo de Guabirotuba, com toda elegância, fez o uso do chicote de tal forma que Empire Day não era castigado em demasia, e quase que por absoluta sintonia jockey-cavalo , rendesse o que se esperava dele.
Uma das maiores atribuições de um jockey , é o uso inteligente do chicote, e se tratando de regime de freio, isso é imperioso. Antonio Bolino dominava como poucos essa técnica !!
Voltando ao páreo, nos 100 metros finais, o heróico Impossible Eyes ainda resistia ao ataque do invicto tordilho, que não o havia ultrapassado, e tudo levava a crer que, a invencibilidade de Empire Day estava à ruir.
Mas que tem Bolino tem esperança que até o disco, as coisas mudam. E como mudam !!!!
Percebendo os galões de Empire Day e os de Impossible Eyes, e com uma calma extrema, calma essa que faz com que o turfista perca a sua, Bolino mantém a tocada, e como não bastassem 100 metros de cabeça -à - cabeça, ele demonstrava que não podia exigir nem mais nem menos do potro, pois lhe faltaria no final .
Impressionante sua visão da corrida, pois raríssimos são os jockeys que tem essa percepção e frieza em uma corrida daquela voltagem .
Aquele cabeça-à-cabeça causou um frenesi no público, pois raras são as vezes em que nos defrontamos com um espetáculo dessa grandeza e a pouquíssimos metros do disco, toda aquela magnífica aula de montaria que os dois grandes jockeys estavam proporcionando, atingia seu clímax, e cruzaram o disco sem que o mais simples do mortais, dissesse quem havia vencido.
Mais do que necessário, um obrigatório photochart foi anunciado.
Na volta para repesagem, nem o funcionário do Jockey Club, encarregado de pegar o animal vencedor para a foto, o famoso Japonês, que era uma espécie de photochart humano, dada a sua habilidade de ver o vencedor nas chegadas mais difíceis, teve a coragem de segurar um dos animais.
Os dois jockeys permaneceram na raia, junto com os proprietários que acreditavam na vitória de seu animal.
Lembro-me claramente que ao voltar com o Empire Day, o Antonio Bolino fez um sinal positivo com a cabeça para o Carlindo, como quem a dizer que havia ganho. Do outro lado, todo staff do Rosa do Sul segurando as rédeas do Impossible Eyes. Como eu tinha tido a impressão da vitória do Empire Day, fiquei mais calmo ao ver aquela cena do Bolino.
Um photochart mais do que demorado fazia com que os nervos dos turfistas aflorassem, pois havia a corrente Rosa do Sul e a corrente Bolino. Como é muito comum nessas situações, todo turfista sabia exatamente quem havia ganho, que por coincidência era exatamente a poule que tinham jogado, mas no fundo ninguém se entendia e apostas em paralelo, sobre o vencedor, começavam a pipocar.
Após a eterna espera do photochart, surge no painel o resultado da foto e uma vibração geral : Empire Day vencera e permanecia invicto e assim o foi até encerrar a campanha.
A dupla Bolino - Carlindo, mais uma vez mostrava toda competência, e Edson Amorim, um herói que de figurante passou a ator principal, fazendo com que o pódio de invicto de um campeão ficasse ameaçado até o último galão.
Para não esquecer, as demais colocações do páreo foram : Flabello ( W. Carvalho), o titular Imprudent Lark, Lorax ( J.Garcia) e os demais.
Nesse dia, o público em Cidade Jardim pôde assistir a uma das mais belas retas de sua história e também o dia em que o Japonês ficou em dúvida !
Por Clakson
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