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sexta-feira, 15 de abril de 2011

ALGUNS CASOS FEIOS E INTERESSANTES

ALGUNS CASOS FEIOS E INTERESSANTES

Se não me falha a memória foi no dia 3 de agosto de 1951 que foi fundada a Associação Brasileira, em reunião no escritório de Antônio Joaquim Peixoto de Castro Júnior, à Rua Senador Dantas, no Rio. Um projeto de estatutos já havia sido preparado por José Bastos Padilha, criador do Fazenda Santa Ângela, em Castro, Paraná, mas domiciliado no Rio e que já fora presidente do Clube de Regatas Flamengo, e com o Dr. Peixoto e o meu pai iniciaram o movimento. Muitos criadores de São Paulo, do Paraná e do Rio Grande do Sul estavam presentes, e todos considerados fundadores. A primeira diretoria manteve a sede no Rio por cerca de sete anos, nada fez, era apenas representativa, e se antes dela o Stud Book Brasileiro era mantido e custeado pelo Jockey Club Brasileiro, de modo inerte sem qualquer fiscalização, passando para as mãos da Associação tudo permaneceu como estava, apenas a papelada saiu da Rua Jardim Botânico e foi para Avenida Franklin Roosevelt. Como não havia controle nem fiscalização, o Jockey Club de São Paulo teve que criar o Stud Book Paulista, o do Paraná o Paranaense e o Rio Grande do Sul o Gaúcho. As informações eram locais, e como não havia fiscalizações o que era informado era entendido como verdade. Um dia o hipólogo argentino Eduardo Bloussom, que viera para o Rio assistir um GP Brasil ficou horrorizado quando foi visitar o Stud Book Brasileiro na Avenida Franklin Roosevelt, e manifestou a sua preocupação, dizendo que se as organizações internacionais viessem a saber daquela realidade, nenhum documento ou informação de cavalo brasileiro teria reconhecimento oficial, ou seja, os cavalos brasileiros não seriam internacionalmente reconhecidos como puro-sangue de corridas. Os paulistas começaram então a se mexer, e liderados pelo criador Hernani Azevedo Silva, do Haras São Luiz, iniciaram um movimento para levar do Rio para São Paulo todos os documentos e registros do Stud Book Brasileiro, com sede nova no Jockey Club de São Paulo. Hernani Azevedo Silva foi eleito presidente, todos os documentos dos Stud Books Paulista, Paranaense e Gaúcho foram concentrados no Stud Book Brasileiro, e os Stud Books regionais foram extintos. Até o fim daquele ano, um trabalho insano montou uma organização capaz de controlar a criação e as corridas, com a necessária documentação em ordem e fiscalização efetiva. No fim do ano, diretor representante do Stud Book Brasileiro foi à Curitiba e a Porto Alegre, por ocasião dos Grandes Prêmios Paraná e Bento Gonçalves, informando que a partir do 2º trimestre do ano seguinte veterinários iriam aos haras. Foi uma providência para permitir que os haras colocassem em ordem os seus apontamentos e informações. Naquele trimestre inicial, houve muitas comunicações, de nascimentos, de mortes e até um haras gaúcho informou que uma peste, um vírus ou semelhante havia matado o único garanhão e todas as vinte éguas, e também os potros pequenos. Era caso típico do “cavalo papel”, o haras não tinha garanhão nem éguas, as informações de coberturas e nascimentos eram falsas, anualmente o haras comprava potros e potrancas no Uruguai e na Argentina, e os registravam como produtos nascidos no haras. Não era um caso especial, trocas de cavalos e registros falsos eram comuns e decorrentes da fiscalização zero. Os Stud Books tinham que acreditar no que lhes era informado, não havia outro jeito. Essa prática já vinha de longe, e para que se tenha uma idéia, quando o SBB ainda estava sob tutela do Jockey Club Brasileiro, o honorável Frederico J. Lundgren, titular do Haras Maranguape, situado no município de Paulista, em Pernambuco, ia pessoalmente uma vez por ano ao Rio de Janeiro para, com uma lista na mão, informar as ocorrências do último ano. No caso citado, não havia quaisquer dúvidas quanto à veracidade das informações, o que não era assim com todos os informantes.
Hernani Azevedo Silva determinou que o veterinário chefe do SBB elaborasse um roteiro a ser percorrido pelos veterinários fiscalizadores, e nem mesmo os dirigentes ou os veterinários encarregados da tarefa sabiam dos planos do tal veterinário-chefe. Ele resolveu que a fiscalização se iniciasse no Paraná, no haras do então presidente do clube, e também era o vice-presidente da Associação. Lá foram encontrados 4 potros já com mais de 3 meses de vida, quando pelas informações de coberturas só deveriam nascer no mês de julho, um mês após a visita dos veterinários fiscais. Dali seguiram os fiscais para outros haras, seguindo o roteiro pré-determinado. Todos os produtos nascidos de má fé foram anotados nos registros do SBB e imediatamente desqualificados como puros, isto é, perderam oficialmente a condição de P.S.I.. A conseqüência imediata foi um grande número de novas informações de criadores, corrigindo datas de coberturas e semelhantes. Não era pequeno o número de criadores que burlavam os regulamentos em função da falta de fiscalização. No Rio Grande do Sul, muitas mortes de cavalos, éguas e produtos foram comunicados antes da chegada dos fiscais.
A ação moralizadora da Associação Brasileira permitiu que se chegasse à verdade, testes sanguíneos chegaram a fechar haras. Chegou a Gávea um cavalo vindo do Cristal, que já havia corrido em prados menores e até vencido no Jockey Club do Rio Grande do Sul, onde havia atuado 7 vezes. Os sinais do tal cavalo não foram aceitos pelo veterinário encarregado da fiscalização, e um exame de sangue mostrou que o cavalo não tinha aquele pedigree. O cavalo ficou retido e o Ministério da Agricultura avisado. Um veterinário do ministério foi ao haras que havia registrado o produto, e através de exames ficou constatado que o garanhão P.S.I. não era utilizado, todos os produtos daquele haras eram filhos de um quarto de milha do haras. Toda a produção foi desqualificada, os registros não aceitos como válidos, e o haras fechou as portas. O Jockey Club do Rio Grande do Sul também foi atingido, pois um cavalo com carteira de identidade irregular havia corrido várias vezes e até vencido com os seus sinais não correspondendo à sua identificação, e mostrando falta de controle da entidade. É curioso como alguns criadores ainda entendem, na procura da velocidade para eventuais “pencas”, a utilização de cavalos da raça quarto de milha em lugar de dois grandes velocistas da raça P.S.I. basta observar os tempos dos campeões “penqueiros” com os dos melhores corredores quarto de milha. Para se falar do possivelmente melhor velocista que já passou pelas pistas da Gávea e de Cidade Jardim, Mensageiro Alado, que embora com quase 20 anos de idade continua a “fabricar” os melhores velocistas em “pencas”, e que entre muitos outros filhos de alta velocidade tem Mestre Incógnito e Chocolate Chip, que não são aproveitados por aqueles que cultuam a velocidade, e que nas raias correram em tempos nunca alcançados por cavalos de outras raças.
O controle do SBB dá margens as vezes para situações curiosas. Certa vez o Haras Anhanguera, paulista do município de Valinhos, teve negado o registro de um potro tordilho, com pai e mãe castanhos. O criador era homem decente, mas o SBB não podia concordar, pois um produto tordilho tem que ter o pai e/ou a mãe tordilhos. O criador insistiu, apelou, e a Associação mandou então um veterinário ao haras, alvitrando ser o rufião tordilho. Mas o rufião era castanho. Em conversa com o empregado, o veterinário perguntou se aquele rufião castanho trabalhava bem, o empregado disse que sim, mas bom mesmo era o anterior, um velho tordilho que havia sido aposentado.
A Associação Brasileira é uma garantia para a nossa criação, tendo tudo começado com a visita do hipólogo argentino Eduardo Bloussom e o grande valor do empresário e criador Hernani Azevedo Silva.

por Milton Lodi

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