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terça-feira, 24 de abril de 2012

Eu vi a estreia de uma craque, por Paulo Gama

O puro-sangue de exceção é parecido com o craque de qualquer esporte. Em primeiro lugar, ele acelera num ritmo impossível de acompanhar. Logo a seguir faz parecer muito fácil deixar para atrás os seus obstáculos. E conclui a obra de arte com tamanha simplicidade que a plateia fica em dúvida. Ele é isso tudo ou são os outros que não são de nada? Eu tenho tido essa sensação no meu dia a dia futebolístico, ao ver em ação o Neymar, do Santos. E, para minha surpresa, vivi o mesmo êxtase no prado carioca, no último sábado, na estreia da potranca Viva Rafaela, do Stud TNT, na Prova Especial Indian Chris, para potrancas inéditas de dois anos. A filha de Know Heights desfilou tamanha classe e capacidade de aceleração que deixou de queixo caído o mais comedido turfista. Um autêntico espetáculo artístico para qualquer verdadeiro amante desta nobre raça, o puro-sangue inglês.

Mas o show não pode parar. Existe uma dinâmica constante para consagrar os bons corredores. E o Stud TNT, do turfman, Gonçalo Torrealba, tinha mais uma bala na agulha. Na Prova Especial Super Power apareceu o potro Vitória Olímpica, promissor descendente de Northern Afleet e Magic Rafaela, que aceitou o papel de coadjuvante da companheira de cocheira, mas também deu o seu recado vitorioso numa pista de grama bastante pesada. Era o segundo ato da peça teatral do Stud TNT às vésperas do seu leilão com a totalidade dos produtos da geração de 2010. Um magnífico convite para os investidores do esporte dos reis para o evento, no dia 4 de maio, em Bagé, no Haras Santa Ana do Rio Grande. Um desfile de 61 produtos filhos de Elusive Quality, Giant’s Causeway, Northern Afleet e Vettori em éguas de enorme qualidade, com linhagem para nem o mais exigente especialista colocar defeito.

Conheci o titular do Stud TNT, em 1993. Tinha apenas uns poucos cavalinhos, mas também tinha a ambição, a sensibilidade e o pensar grande típico dos vencedores. Olhou aqui e ali. Analisou o esporte como um todo e procurou saber quem era quem. Em poucos meses montou a equipe de profissionais mais forte do país com o jóquei, Jorge Ricardo, o treinador, João Luiz Maciel, o veterinário, Flávio Geo Siqueira, o segundo-gerente, Carlos Alberto Silva, o Marimbondo, e como principal redeador, Nelson Marinho, o Neguinho. Era um timaço! Mas se não houver milho ninguém faz pipoca. O agente Renato Gameiro descobriu Much Better, do Haras J.B.Barros, e este maravilhoso campeão, impulsionado por toda essa gente, conquistou tudo no turfe sul-americano. Com a ambição de quem não mede esforços para ter o melhor e a ousadia de quebrar tabus e conceitos ultrapassados, Gonçalo regia com maestria esta orquestra de maravilhosos profissionais. Tive o privilégio de acompanhar de perto essas cavalgadas vitoriosas mundo afora. Foram tempos inesquecíveis!

A morte de João Maciel, aos 33 anos, pegou a todos de surpresa. Eu, Ricardinho e Flávio Geo, que ele sempre dizia serem os seus melhores amigos, perdemos um pouco o rumo das coisas. Gonçalo deixou de lado o seu jeito de big boss austero e inabalável para também sofrer a perda da pedra mais preciosa do seu time. Todos sobrevivemos a morte prematura de um gênio e seguimos as nossas vidas. Gonçalo continuou a ser um investidor voraz e com resultado qualitativo. Nunca mais conseguiu ter um cavalo com o carisma de Much Better. Mas pode sentir o orgulho de ter na defesa de sua farda corredores excepcionais. Eu sinto saudade daqueles tempos com a turma do Stud TNT, dos nossos almoços nas segundas-feiras, das brincadeiras do João Maciel, de ver Jorge Ricardo mais descontraído, e das intervenções curtas, mas sempre maliciosas, do doutor Flávio Geo. E não posso esquecer do sempre cauteloso e ponderado Mickael Zaccour, o manager da coudelaria na época. Ele tentava frear com o seu bom senso a loucura e o entusiasmo de uma equipe recheada de caras ousados e extravagantes.

Viva Rafaela, com sua exibição de gala, me fez voltar no tempo. Ela é a certeza de que Gonçalo continua o mesmo. Nasceu para fazer sucesso porque procura sempre o melhor em tudo o que faz. O Flávio continua no time, o Carlos Marimbondo também. E o Venâncio Nahid foi a escolha mais certa do mundo para substituir um cara como o João Maciel. Nenem é parceiro. Tem o mesmo senso de equipe. Jamais deixa um membro do seu time na mão. É trabalhador, honesto e talentoso. E além disso, tem confiança no seu trabalho. E, como tudo em que Gonçalo investe, quase sempre dá certo. O jóquei Marcelo Cardoso, depois de ser contratado por ele há alguns meses, sofreu impressionante metamorfose. Transformou-se de um balão quase apagado num azougue incontrolável na raia. Nos próximos anos, ainda vamos ouvir falar muito nesta bela farda da Calumet Farm, adquirida por Gonçalo nos anos 90, num leilão nos Estados Unidos. Naquele tempo, ele já pensava bem grande. E se por algum motivo lhe faltar fôlego, já está aí o Gonçalinho para manter a chama da paixão turfística sempre acesa.

foto
Gerson Martins

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