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quinta-feira, 22 de março de 2012

Floreando, por Milton Lodi


CURIOSIDADES IX

Entre as famílias mais tradicionais no turfe carioca, no setor dos treinadores, a Feijó é uma delas. O grande destaque da família foi Oswaldo Feijó, por muitos anos treinador dos animais do Dr. Peixoto (Antonio Joaquim Peixoto de Castro Junior, o fundador do Mondesir). Por suas mãos passaram grandes ganhadores clássicos, inclusive tríplices corredores. Basicamente o seu sistema de treinamento era forte e tinha o péssimo hábito de raspar as crinas e aparava os rabos, um horror, mas era o jeito dele. Gonçalino era irmão do Oswaldo, e o seu sistema era o oposto, pouco relógio, poupava os animais, foi também um excelente treinador.

Um dos filhos de Oswaldo foi o seu homem de confiança, chamava-se Enir Feijó. Enir não largava o pai, e o seu zelo e companheirismo, com certeza, prolongou pelo menos um pouco, a vida de Oswaldo, vítima de uma tenaz e forte tuberculose. Oswaldo comandava e Enir executava, Enir aprendeu com o pai a arte do treinamento. Quando Oswaldo morreu, Enir foi para Cidade Jardim, onde se destacou por muitos anos, sempre entre os primeiros das estatísticas anuais. Tremendo bom caráter, sempre amável e atento aos detalhes de seus animais.

Enir, normalmente, só passeava puxando os seus animais inscritos no dia anterior de cada corrida. Ele entendia que os treinamentos, via de regra, cansativos, exigiam um dia só para uma necessária recuperação, e um só dia sem trabalho na pista em nada prejudicavam, até ajudavam no sentido dos corredores chegarem ao dia da corrida, bem preparados e descansados. Enir Feijó ganhou várias estatísticas em São Paulo, e quando não ganhava sempre chegava entre os primeiros. Um dia, sem que eu saiba o motivo, resolveu parar, “aposentou-se”.

Quando a então nova Diretoria do Jockey Club Brasileiro assumiu em 1992, a Secretaria da Comissão de Corridas funcionava em três pequenas salas, o mobiliário muito velho, e na sala principal mesas e armários de boa qualidade, mas tudo necessitando de cuidados, a mesa maior tinha um couro verde rasgado, uma pena o estado de abandono, de falta total de conservação.

O então Presidente foi lá, verificou aquele mobiliário em lastimável estado, eram móveis da época do Dr. Frontin. O mobiliário foi entregue a gente especializada, foi recuperado, ficou novo e levado para ao grande salão do 3º andar da sede, local das reuniões do Conselho do Clube. Na limpeza dos armários, em meio a papéis sem importância, estava uma planta das pistas do Hipódromo. Era uma primeira proposta, que não foi utilizada. Era tecnicamente um primor. A curva da direita, que vai do disco de chegadas à reta oposta, era muito bem projetada. Era uma curva suave, bem aberta que não terminava em reta paralela à reta final, desdobrava-se suave e se endereçava para onde fica hoje o clubinho da Lagoa, e de lá em outra curva suave se direcionava para a curva da esquerda, a chamada grande curva.

Esse projeto, com uma suave meia curva da direita e outra também meia, muito suave, terminava por refletir-se em uma última curva de ângulo bem aberto em sua entrada. Um primor. Mas aquele projeto foi deixado de lado e aproveitado um em que não há propriamente uma curva do lado direito. No final da reta de chegadas há uma esquina, depois uma pequena reta, e a entrada na reta oposta tem outra esquina, essa de ângulo agudo, com isso obrigando os animais que não estejam bem posicionados a abrirem, a saírem para o centro da pista.

As então péssimas acomodações da Comissão de Corridas foram substituídas, pelo Presidente Fragoso Pires, através do engenheiro Diretor Edmundo Musa, em instalações amplas e apropriadas. Mas, o bom projeto inicial das pistas hoje é inexeqüível. Ficamos sem largadas em 1.800 metros e as de 2.000 metros são deficientes. Enquanto isso, em Cidade Jardim, há um prolongamento na reta final em linha reta para os 1.000 metros e outro na reta oposta, permitindo nos páreos de 1.800 e em 2.000, largadas normais em linha reta. É isso.

Há muitos anos, o Jockey Club de São Paulo implantou pela primeira vez no Brasil um partidor elétrico. Até então, todos os partidores em prática, no país, eram mecânicos, que vieram para substituir as largadas por fitas. Em um 1º páreo de sábado, em Cidade Jardim, cinco cavalos de mais idade, matungos, teriam o privilégio de serem os primeiros a se utilizarem do mais moderno sistema de partidas da época. Durante a semana, a engenhoca foi estuda e testada e, um dos funcionários, encarregado do setor entendeu que não havia necessidade de vários fios conectados em baterias e ligações no próprio aparelho.

Segundo ele, bastava um fio, um só, que ligaria a bateria ao aparelho. O Diretor do setor concordou, com um fio só funcionava perfeitamente. Ante a curiosidade geral, os cinco concorrentes entraram nos boxes de partida e o sistema foi acionado. As portas não se abriram, o aparelho ficou eletrificado, os cavalos sofreram as conseqüências da carga elétrica. Quando o aparelho foi desligado, um dos cavalos morreu ali mesmo, outros dois também morreram nos dias seguintes e outro conseguiu se salvar, tendo somente um dos cinco sem problemas.

O jóquei A. Artim, que montava um dos concorrentes do páreo, contou que estava com uma das mãos encostada no pescoço do seu cavalo e com a carga elétrica, a sua mão ficou colada, ele queria tirar a mão, mas não conseguia, enquanto o aparelho não foi desligado. Foi um fato muito desagradável, o Jockey Club de São Paulo indenizou os proprietários, e o tal funcionário responsável ou irresponsável, foi afastado. Isso é um problema de educação, de cultura, achar que com o “jeitinho brasileiro” tudo se resolve de maneira mais fácil. Na verdade, a ignorância é um problema.

O trecho externo da pista de areia do Jockey Club Brasileiro é conhecido como Avenida Armando Rosa. Armando Rosa era um jóquei gaúcho, que se radicou na Gávea. Foi bom jóquei e terminou como treinador. Ele era muito esperto e observador. Um dia ele notou que as intermitentes chuvas haviam transformado a pista de areia, do meio para dentro, em um lamaçal. A mania da grande maioria dos jóqueis e dos redeadores em trabalhar os animais sempre na faixa de dentro sem à época uma drenagem satisfatória, fazia com que a parte interna da pista ficasse muito mais pisoteada e esburacada que a de fora. Também havia o problema dos treinadores, alguns, maníacos por conseguir tempos melhores em seus cronômetros, que mandavam os seus cavalos trabalharem forte junto à cerca interna. E naquela tarde chuvosa, do meio para dentro o piso era um lamaçal do meio para fora menos molhado, e perto da cerca externa menos água ainda.

Armando Rosa montava a égua Puríssima, o maior azar de um páreo de 5 ou 6 concorrentes, a princípio, não estava no páreo. Como era um páreo sem responsabilidades para ele, Armando Rosa ficou com Puríssima em último até a entrada da reta e, ai saiu enviesando para fora até a cerca externa, onde o piso estaria mais firme. Puríssima foi aos poucos se chegando, no meio da reta já estava perto, e cruzou o disco na frente, com mais de um corpo de vantagem. A partir do páreo seguinte, começou uma correria para a Avenida Armando Rosa, quem queria ganhar tinha de procurar a cerca de fora.

Hoje em dia, e já de algum tempo, há cuidados quanto à drenagem e outros cuidados no sentido de uma raia parelha igual. Mas a mania dos trabalhos diários, do pisoteio maior perto da cerca interna, não colaboram para um piso uniforme em todos os trechos. Dá saudades dos tempos em que o Rigoni e o Bolino sempre galopavam os seus cavalos pelo centro da pista, inclusive nas curvas e entravam na reta final, mesmo quando dos trabalhos fortes, pelo meio da pista. Se os cronômetros marcavam tempos maiores, não tinha a menor importância, o que valia era a desenvoltura do galope, a respiração, o estado geral do corredor, a sua ação.

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