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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

As dez éguas da minha vida..., por Paulo Gama




Off The Way, a primeira égua a vencer o "Brasil"
A fama e a notoriedade de algumas fardas no turfe brasileiro foram adquiridas devido a capacidade extraordinária de algumas éguas que as defenderam. É curioso observar este detalhe. No meu caso, não sei se isto acontece com os demais turfistas, mas as éguas, muito mais do que os cavalos, deixam marcadas em nossas memórias as cores das jaquetas de suas coudelarias. Talvez seja o fato das corredoras de classe perpetuarem o seu sangue como matrizes nos campos de criação. Ou talvez, seja apenas cisma do velho jornalista. A verdade é que ao recordar as 10 éguas sobre as quais vou escrever a seguir, de imediato, sempre me vem a cabeça a história multicolorida de suas fardas e, consequentemente, das inesquecíveis glórias conquistadas por elas.

Emerald Hill veio de Cidade Jardim precedida de enorme fama. As cores branca e rosa do temível e arrasador Haras Rosa do Sul lhe conferiam aquele ar de imortalidade. Como se fosse um obstáculo intransponível para as suas adversárias. Nem mesmo o fato de ser conduzida por um jóquei de qualidades técnicas duvidosas, Loacir Cavalheiro, era suficiente para dar esperança aos cariocas de levarem a melhor sobre a craque de Matias Machline. Na pista, esta impressão se confirmou inteiramente. No galope de apresentação, a pequena campeã, muito calma e de cabeça baixa, ainda transmitiu algum otimismo aos mais afoitos. Na hora da corrida, porém, ela se transformava numa leoa que derrotava os seus rivais sem piedade. Deixou o Brasil invicta com nove vitórias. Na minha cabeça, ficou para a eternidade a imagem de uma deusa de quatro patas.

Off The Way, do Haras Faxina, foi outra égua que conquistou com facilidade o meu apaixonado coração turfístico. Pequenina e frágil, a craque da farda ouro e preta em listras horizontais, tinha enorme coração. No duplo sentido. No aspecto anatômico, o que foi verificado depois de sua morte. E também no aspecto prático. Corria com a valentia dos grandes campeões. A craque de dona Margarida Lara, uma turfista de fidelidade incomparável ao esporte, tinha a volúpia de largar bem, e a resistência de resistir aos avanços dos adversários. E foi assim no Grande Prêmio Brasil. Montada por Albênzio Barroso, campeão absoluto das estatísticas paulistas, ela escreveu o seu nome na galeria dos ganhadores da importante prova. O detalhe de ser frágil e pequenina e conduzida por um jóquei carismático, com o apelido de “Feiticeiro”, lhe conferiu aquela redoma mágica, tão comum as fadas, aos duendes e aos magos. Uma criatura Inesquecível.

Asola e Anilité foram os expoentes da incrível geração da letra “A” criada em Bagé, nos campos da Fazenda Mondesir, e eternizada na farda preta, com cruz de Santo André ouro e boné ouro do Haras Santa Ana do Rio Grande, de José Carlos Fragoso Pires. Decidi falar das duas ao mesmo tempo por que parece difícil desvincular as duas brilhantes campanhas de ambas nas pistas. Asola era uma alazã de aceleração extraordinária e conduzida por Juvenal Machado da Silva, um dos melhores jóqueis brasileiros de todos os tempos, transformava-se numa autêntica bomba atômica na reta final. A imagem da sua violenta atropelada no Grande Prêmio Diana, em plena raia de grama do prado carioca, com Juvenal pegando firme de canhota, jamais vai deixar a minha mente.

Mas na mesma fornada nasceu também a tordilha Anilité, corredora versátil, que atuava em qualquer posição do lote, de acordo com a necessidade da corrida. Montada pelo freio gaúcho, Adail Oliveira, jóquei frio, calculista e de percurso milimétrico, ela acabou por roubar a tríplice-coroa de Asola ao derrotá-la na primeira etapa. Nas outras duas deu Asola. Mas Anilité era tão capacitada que ainda encontrou tempo e classe para ganhar o Grande Prêmio Brasil de 1984. Naquela oportunidade correu como se fosse Asola, no fundo do lote, e derrotou os melhores cavalos do Brasil. Duas corredoras espetaculares.

Bretagne, da Fazenda Mondesir, foi corredora de grande classe. Não tive o privilégio de ver Luiz Rigoni montar. Mas o campo de criação da família Peixoto de Castro, com os seus extraordinários corredores, me deram a recompensa nas décadas e 70 e 80 através de seu jóquei contratado. Gonçalino Feijó de Almeida, imortalizado com o apelido de Goncinha, foi o melhor jóquei no regime de freio que tive a felicidade de ver em ação. No dorso de Bretagne, no Grande Prêmio São Paulo, Goncinha deu autêntica aula de cálculo de corrida, rigor e técnica. Em Cidade Jardim, a atropelada vistosa, além do centro da pista, para alcançar Mendelson, o craque chileno, nos metros finais, me proporcionou excelentes dividendos e enorme alegria. Bretagne não tinha defeitos. Se fosse mulher seria modelo internacional. Bela, bem proporcionada e craque. No meu sub- consciente vai ficar para sempre a figura de Goncinha, no seu dorso, com a magnífica farda branca, com mangas azuis e boné encarnado, violinando “a moda Rigoni”, como narrava o também imortal, Ernani Pires Ferreira em suas atuações na Gávea.

Na temporada seguinte, Cisplatine, outra jóia rara de criação e propriedade da Fazenda Mondesir, repetiria o feito de Bretagne. O mesmo trajeto do ano anterior me levou a Cidade Jardim. Na meia-noite de sexta-feira fui para a rodoviária, acompanhado pelo meu saudoso amigo e jornalista, Mauro de Faria. Pegamos o ônibus da Cometa por volta de meia-noite e meia. Amanhecemos em São Paulo e nos dirigimos para o Hipódromo de Cidade Jardim. Acompanhamos os treinos matinais. Em seguida, nos hospedamos num hotel do centro da cidade. Depois de um bom banho e um ligeiro cochilo lá fomos nós de volta ao prado.

As corridas de sábado não foram nada favoráveis em termos de apostas. Para dizer a verdade descemos uma tremenda ladeira. Mas nos restava a esperança do triunfo de Cisplatine no dia seguinte. Mauro era fã incondicional das boates com strip-tease. Não precisou fazer força para me convencer a lhe acompanhar. Tomamos alguns goles a mais de um uísque nada razoável. Mas conseguimos guardar alguma coisa para apostar na égua. Os jornais só falavam do peruano Lutz, um tordilho gigantesco de quase 600 quilos. Mas Goncinha estava em tarde inspirada. Correu no fundo do lote a craque dos Peixoto de Castro. Numa atropelada avassaladora, Cisplatine livrou cabeça sobre o favorito com pule acima de 9 por 1. Mauro recuperou a grana da noitada. Ainda deu para comer no Filé do Moraes, na Praça Júlio Mesquita, e pegar a última ponte aérea para o Rio de Janeiro. Que saudade! São tempos que não voltam mais.

Não foi nada fácil escalar a égua da farda do Haras Santa Maria de Araras nesta relação de craques. Desde os meus primeiros passos neste mundo mágico do turfe esbarrei com craques inesquecíveis de Júlio Bozano. Mas era preciso escolher uma. Rasharkin foi sem dúvida uma de suas melhores representantes nas pistas. Era uma potranca de porte médio, pelagem escura e pura classe. Corria com enorme facilidade, como se não fizesse esforço para isso. Ganhou as duas primeiras provas da tríplice-coroa carioca e, quando se esperava a conquista definitiva, perdeu uma corrida incrível, nos metros finais para Classista, defensora do Stud Minha Zebrinha, do matemático Oswald de Souza. Rasharkin perdeu a coroa mas não perdeu a magestade. Na minha cabeça ela entrou para a galeria das melhores potrancas que pude ver em ação.

Indian Chris foi outra corredora da Fazenda Mondesir que tive o privilégio de acompanhar. A filha do extraordinário reprodutor Ghadeer conquistou a tríplice-coroa do turfe carioca sem a menor dificuldade sempre conduzida pelo freio Gonçalino Feijó de Almeida. Vale relembrar que o seu treinador, Eduardo Caramori, hoje trabalha com sucesso nos Estados Unidos. Me lembro do seu estado de nervos na semana que antecedeu a carreira. A escrita de nenhuma égua completar a coroa parecia um pesadelo. No seu íntimo tinha plena consciência da superioridade de Indian Chris em relação as rivais. Mas o fantasma que havia impedido que outras craques como Asola e Rasharkin conquistassem a coroa o assustava e a todo o mundo turfístico. Mas Indian Chris ignorou qualquer tipo de escrita ou tabú. Sem medo de assombração, a craque desfilou com categoria na raia de grama da Gávea e Goncinha nem precisou usar o chicote.

Virginie foi o expoente de mais uma geração espetacular dos Haras São José e Expedictus. Conduzida por Carlos Lavor, a pensionista de Dulcino Guignoni demonstrou na raia a mesma força, aceleração, sangue, raça e valentia dos melhores craques da história coudelaria. Virginie surgiu como espécie de recompensa para a legião de fãs da criação da família Paula Machado. Depois dos contratempos que impediram Itajara de escrever uma trajetória ainda mais fantástica nas pistas, Virginie resgatou todo encanto que a farda ouro, com costuras azuis e boné ouro, sempre exerceu nos turfistas cariocas. Virginie conquistou a tríplice-coroa com a classe de uma verdadeira campeã. Fantástica.

Little Baby Bear, do Stud TNT, encerra com todas as honras esta relação de corredoras extraordinárias. A filha de Broad Brush apareceu num momento de invasão das éguas americanas no turfe brasileiro, no início da década de 90. No mesmo período, além do Stud TNT, o Haras Pemale também investiu pesado na importação de éguas estrangeiras. Little Baby Bear poderia, segundo palavras do seu ex-jóquei, Jorge Ricardo, nunca ter sido derrotada nas pistas. Fez estréia em páreo comum com vitória fácil. Depois foi direto para prova de Grupo II e voltou a se impor. Com duas vitórias foi levada a Cidade Jardim para disputar o Grande Prêmio Diana e a inesperada mudança do páreo para a raia de areia provocou sua derrota nos metros finais.

Voltou as pistas para vencer com sobras o Grande Prêmio Roger Guedon. Sua campanha foi prejudicada pela esperança que pudesse contrariar a própria filiação e enfrentar os cavalos no Grande Prêmio Brasil. Correu o 16 de Julho, prova preparatória, não correspondeu, mas esta corrida influenciou de forma negativa no seu preparo para disputar o OSAF. Acabou sendo derrotada. Nos matinais foi sempre um fenômeno e bateu o recorde de quase todas as distâncias nos treinos do centro de treinamento do Haras Vale da Boa Esperança, em Itaipava. Com minha experiência de 40 anos acompanhando exercícios e aprontos só vi um animal trabalhar no padrão dela, o fenômeno Itajara.

foto do arq Raia Leve

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