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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Raia Leve entrevista o turfista gaúcho Gilberto Werner
Gilberto montando seu tordilho uruguaio, exclusivo para monta. Este filho de Percheron pesava 700kg
Nas últimas horas, o Raia Leve entrevistou um dos turfistas mais tradicionais e apaixonados do turfe gaúcho. Gilberto Werner descreve seus 60 anos de paixão pelo turfe de forma que dispensa comentários.
RL: Primeiramente, vamos ao início de tudo. Conte-nos quando nasceu, qual sua cidade natal e como surgiu o amor pelo turfe.
GW: Em novembro de 1949 morávamos no bairro dos Moinhos de Vento, há poucas quadras do velho hipódromo. Um bairro nobre com uma cultura de qualidade que respirava os momentos do turfe. À tarde, após o almoço dos domingos, ouvíamos a sirena chamando para as corridas. Ao lado de nossa antiga casa era a casa dos meus tios, nem muro havia. Meu tio, um senhor engenheiro de terno e chapéu cinza, era um turfista da velha guarda: sempre com uma folha impressa de papel, em preto e branco, na qual lia com a atenção e o silencio daqueles que procuram aprender e isto me despertava uma intensa curiosidade.
Naquele domingo primaveril havia levado meu primo, da minha idade, para assistir ao G.P. Bento Gonçalves que meus olhos curiosos ainda não haviam descoberto. E deixou-me a tristeza e a mágoa por não ter podido acompanha-los.
Quando voltaram, eu os esperava ao portão: e contaram-me do triste ocorrido na disputa do “Bento”. Astuto, um craque, contornava a última curva para adentrar a reta final com vários corpos na frente quando então mancou. Seu jóquei Carlos Netto havia desmontado e chorando abraçou-se ao velho ídolo. Meu tio e meu primo estavam também tristemente emocionados. Então, naquela noite em sonho, imaginei o Grande Astuto e seu amigo Carlos Netto, nas sombras boas que se formaram na parede do meu quarto...
Pois na minha cabecinha de oito anos haviam plantado, naquele momento, uma semente que jamais esmoreceu ou deixou de verdejar, por todos estes anos...
Então houve um tempo em que abandonei a mão de meu pai e os “azuis” da velha “Baixada Tricolor”. Com os passos curtos da infância, atravessei a pequena faixa de areia que separava o Campo do Grêmio e o velho hipódromo e passei a beber da mais pura emoção da minha vida: dos personagens e da história das corridas de cavalos na minha cidade... isto aconteceu um pouco depois. Foi no “Bento” de 1953.
RL: O senhor já foi, é, ou deseja ser proprietário ou criador de PSI?
GW: Fui proprietário de diversos cavalos PSI. O primeiro, em 1964, chamava-se “Ocelote” e o último “Xairolo”, em 1992. Também fui criador com a “Granja da Luzerna” em Viamão, onde na agropecuária comercializei ovinos e bovinos.
RL: Em todos estes anos de turfe, qual foi a sua maior alegria?
GW: A maior alegria no turfe foi, sem dúvida, a primeira vitória montando “Arenal” no primeiro páreo destinado a jóqueis amadores no Hipódromo do Cristal. Depois houveram outras vitórias mas esta do “Arenal”, pela emoção, foi indescritível. O prado lotado viu meus amigos invadirem a raia e “quase” a me carregarem nos braços... Foi um congraçamento de vários clubes hípicos de Porto Alegre com seus representantes participando do páreo. Eram campeões de salto do Exército e da Brigada Militar. Houve concursos de salto e de adestramento hípico. O Jockey estava lotado.
RL: E tristeza?
GW: A mais intensa tristeza que senti em minha vida turfística foi, também sem dúvida, ver meu lindo cavalo alazão “Chaparron” correndo na frente, solto, e faltando apenas 600 metros para o disco mancar. Vê-lo com a pata balançando no ar, vê-lo a sacudir a cabeça e vê-lo cair, sacrificado, como um fim sem nada de espetacular. Até hoje eu ainda ouço o “bufar” das suas ventas...
Acredito que não exista dor maior para quem ama o cavalo de uma imagem como esta. Foi a única vez que atravessei o portal do Jockey Club chorando. Chorei uma dor incompreendida.
RL: Qual o melhor cavalo que já viu correr até hoje?
GW: O melhor e mais emocionante cavalo que vi correr chamava-se “Estensoro”. Este foi realmente o “Filho do Vento”. Ele não somente corria: ele gostava de correr e correu 13 vezes para vencer 12. A primeira corrida largou “parado” e tirou segundo lugar. E correu sempre contra potros de uma geração espetacular. Contra “craques” como “Montigo”, “Lord Chanel” (recordista), “Don Eugênio”, “Ouroduplo”, “Green Devil” (francês), “Alarma” e outros mais.
As suas quatro últimas apresentações bateu recordes das distâncias e até seus próprios recordes. Apenas sinto que quando foi correr o G.P. Brasil de 1959 estivesse doente, quando durante a semana sob a monta do grande Antônio Ricardo, também bateu o recorde no apronte na pista da Gávea... e o “Brasil” foi na grama, onde nunca havia corrido...
RL: E égua?
GW: A melhor égua que vi correr também foi no Cristal: chamava-se “Corejada” e venceu o “Bento” de 1968. Era filha de outra égua espetacular que diziam ser “égua macho”, a “Estupenda”, ganhadora de 14 corridas, inclusive vários G.P. Ambas lindas tordilhas.
“Corejada” era tão famosa que fez vir ao hipódromo, em Porto Alegre, para conhecê-la o Presidente do Brasil da época: Marechal Arthur da Costa e Silva. Estava junto, ao seu lado, quando a “Corejada” segura por um cavalariço desfilou no Paddock.
RL: Qual o melhor jóquei de todos os tempos?
GW: Ao lembrar daquela figura ereta vestida com a blusa e as cores do “Haras do Arado”, tenho a absoluta certeza e a convicção que fui um privilegiado. Porque assisti as maiores joqueadas que um homem simples, sincero, carismático e com poucos conhecimentos afora a arte de saber montar, conduzir, planejar, tocar a sua montaria e vencer um páreo. Este foi Antônio Ricardo, meu ídolo na juventude, meu amigo na maturidade. E tive a honra e posteriormente a tristeza de sentar à mesa, à sua companhia e fotografa-lo, um dia antes da sua morte.
Eu vi montar grandes jóqueis, inclusive seu filho. Eu vi montar ídolos do meu tio, do meu pai, dos meus amigos. Eu vi montar ídolos na Gávea, em São Paulo, em Tarumã, no Uruguai e na Argentina. E eu vi montar, pela TV, ídolos americanos e ingleses mas eu NUNCA vi um jóquei fazer o que Antônio Ricardo fez. Somente isto.
RL: Para o senhor, qual foi, ou é, o melhor garanhão até os dias de hoje?
GW: O melhor garanhão, para mim foi Ghadeer.
RL: Diante de todo o seu conhecimento e experiência no esporte, qual a sua opinião sobre os problemas políticos enfrentados pelo hipódromo mais importante do país (JCB)?
GW: Hoje as entidades turfísticas brasileiras abrigam em seu comando personagens reconhecidamente “políticos”. E esta palavra traduz toda a incerteza para quem deve comandar um clube estritamente que abriga apaixonados. O turfe é uma paixão. O turfista é um apaixonado. Ele não aceita quem não for assim. A paixão é algo sem nome, é um sentimento. A paixão move montanhas: poderia um ser sem paixão mover uma montanha? Um turfista pode...
RL: Ano que vem, tem eleições presidenciais no Jockey Club Brasileiro. Na sua visão, quais são as expectativas?
GW: Eu desconheço o dia a dia do JCB. Leio, ouço falar mas não vivo a realidade no Hipódromo da Gávea. Penso que o JCB perdeu uma grande oportunidade de progresso turfístico, quiçá internacional, quando do nome Bozzano foi cogitado. Este era o momento. Tenho grande respeito pela história do JCB e lembro, com saudade, de um nome que me ficou marcado: Francisco Eduardo de Paula Machado, um homem do PSI.
RL: Os turfistas e profissionais gaúchos tem se mostrado muito satisfeitos com a gestão do Presidente José Véchio Filho. Qual a sua análise com respeito à gestão do popular Véchio?
GW: O Vecchio é meu amigo, conheço-o desde os tempos em que de calças curtas, fazia corridas nos jardins do Cristal. Nasceu aqui. É honesto, correto e bem intencionado. É turfista nato. Está construindo um grande futuro para o Jockey Club do Rio Grande do Sul em parceria com a Multiplan, que é a dona do Barra Shopping Sul. Ainda há pouco realizou um dos maiores negócios com a Prefeitura de Porto Alegre em benefício do Clube. Mas está sem ajudantes e sinto que, talvez por isto, não vá tentar a reeleição.
Mas é preciso não esquecer quem contribuiu para o JCRGS chegar até aqui: quando presidente, Deuclides Gudolle, sem receber qualquer renda e ao contrário de todas as outras diretorias que o antecederam nos últimos oito (8) anos, conseguiu mater vivo o clube. Gudolle jamais deixou de acreditar no futuro da Entidade.
RL: Ainda no início deste ano, houve uma reunião entre os presidentes dos principais hipódromos brasileiros para discutir sobre a implantação da pedra única nacional. Na primeira reunião foi decidido que a pedra seria implantada ainda início do segundo semestre, porém já chegamos ao fim deste semestre e nada foi resolvido. Diga-nos a sua opinião, e como o senhor acha que os turfistas devem se manifestar sobre o assunto.
GW: A Pedra Única, para mim, é utopia. Porquê não foi realizada até hoje? Cada clube tem a sua história...
RL: Para finalizar, qual a mensagem que o senhor deixa a todos os amantes do turfe no Brasil?
GW: Senhores: vou me despedir. Mesmo porque já caminhei demais. Não consigo imaginar quantas “voltas” dei na pista do Cristal!? E dos “Moinhos” então? Eu vi, nessa caminhada, que o passado não volta: é como uma cortina que se fecha e deixa tudo para traz. É como a morte: lembramos sempre do que passou e morreu, mas sabemos que nem um e nem outro voltarão.
Então vamos olhar para a frente, para a reta de chegada. Para reta que todo turfista apaixonado vislumbra em seus sonhos. Não vale a pena ficar comparando com a história do passado. Os clubes, todos, devem escolher com muito cuidado, os nomes a comanda-los. Devem ser puros como um PSI. Devem ter as origens de um PSI. E devem saber “correr” como um PSI...
Por Eluan Turino
Transc. Raia Leve
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