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domingo, 13 de novembro de 2011

Não Sei o Rei das corridas a Trote


A foto abaixo é do imortal Não Sei e foi tirada no Trote, nos movimentos para o cânter, e como se esperava, ele massacrou seus adversários largando 140 metros atrás


A resposta certa é : Não Sei !! "

Por Clackson



Em uma roda de turfistas , é muito comum quando a conversa gira em torno de cavalos campeões, os nomes de Adil, Farwell, Atlas, Gualicho , Cacique Negro, Ribolleta, Much Better e outros surjam com a maior naturalidade, como era de se esperar ; mas existiu no Brasil um dos maiores cavalos de todos os tempos e que, de cada cem turfistas, noventa e nove não sabem o nome dele, nem nunca viram uma de suas corridas.

Para ampliar o mistério, nenhum jockey famoso o montou, nem tampouco foi criado por um grande haras, mas suas vitórias fariam qualquer jockey e criador ter por ele a mesma idolatria dada aos famosos acima. Para agravar a situação, nem os jornais especializados, nem as colunas de turfe da grande imprensa o mencionava.

Como então pode um cavalo que ninguém conhece, ninguém montou, ninguém criou, ninguém noticiou, virar um dos maiores cavalos de todos os tempos?

Sinceramente leitor, a resposta é : Não Sei !!.

Calma, antes que você pense que se trata de uma brincadeira, garanto-lhe que não é, pois elucidando o mistério, esse era o nome do maior cavalo de corridas de trote que o Brasil já teve, e me arrisco a dizer que nunca mais terá e verá.

No turfe brasileiro, todas as atenções sempre estão voltadas para as corridas do cavalo puro sangue inglês, estrela maior dos espetáculos de Cidade Jardim, Gávea, Tarumã, Cristal e outros hipódromos , mas todos esquecem ( ou não sabem) que em São Paulo existe o único hipódromo de trote do Brasil, e é lá que o imortal Não Sei esmagava todos, todos mesmo, sem exceção, os seus adversários.

Um pouco de história: A Sociedade Paulista de Trote, localizada no bairro de Vila Guilherme, em São Paulo, sempre foi o primo pobre do Jockey Club de São Paulo, pois este sempre lhe fez uma enorme sombra, no sentido de grandeza na escala de comparação, e nem podia ser diferente, dadas as magnitudes de um e de outro, mas mesmo com essa sombra, um público abnegado, reduzido e principalmente fiel, comparecia ao hipódromo e agência.

Na década de 80, quando a situação do turfe era outro, o Trote adaptava-se às brechas e migalhas deixadas pelo primo rico, de forma que, enquanto o Jockey tinha reuniões às segundas, quintas, sábados e domingos, restava ao primo pobre organizar reuniões às terças e sextas, sendo que as apostas eram feitas no hipódromo de Vila Guilherme e, na que considero a antiga catedral do turfe: a agência do Jockey Club da Ladeira Porto Geral, no centro de São Paulo, a famosa "Quitandinha".

Vejam como os tempos eram outros, pois na semana havia espaço para duas reuniões do Trote, quatro de Cidade Jardim, e ainda havia as corridas de São Vicente às quartas feiras. Era turfe todo dia !!!!

Na agência da Quitandinha, as corridas eram transmitidas pela Rádio Tupi, as apostas eram todas manuais e havia sempre um bom público na agência. É claro que um turfista que quisesse recuperar eventuais perdas no Jockey, a reunião do Trote caía do céu.....

O hipódromo de Vila Guilherme possui uma raia de terra batida ( esse é a raia para um páreo de trote) com uma volta fechada de 1.300 metros, sendo os páreos na maioria das vezes disputados em 1.300 e 1.609 metros, com a largada dos 1.300 no início da reta oposta, com uma primeira passagem pelo disco e a volta final.

Já o páreo de 1.609 metros, a partida era na frente das tribunas ( análogo a seta dos 2.400m da raia de grama em Cidade Jardim, ou Gávea) e identicamente aos 1.300m, em duas voltas fechadas era completada a distância.

Os animais adentravam a raia com seus aurigas ( jockeys) e charretes e após o cânter, aproximavam-se da seta de partida, mas obviamente como não existe starting gate para esse tipo de corrida, havia o " carro madrinha" , que nada mais era do que uma camionete com duas porteiras laterais, que se abriam quando o carro era posto em movimento, seguido pelos cavalos já trotando.

O grande trabalho do starter para esse tipo de corrida era observar quando os cavalos estavam na posição adequada, pois a grande maioria ficava girando, e a atribuição dele era sinalizar para o motorista do carro madrinha, para que acelerasse o carro, quando todos estivessem na direção do carro.

Dá para imaginar o trabalho e complicação que é uma partida de trote, mas o starter era o lendário Américo Martins, que sempre com seu paletó e camisa social e gravata, no meio daquela raia poeirenta, dava a largada para a corrida. No final da reta de chegada, o carro madrinha saía da raia e os animais continuavam a corrida.

Um outro detalhe importante é que em corridas de trote, como o próprio nome diz, o cavalo deve trotar e jamais galopar, pois ocorrendo o galope, o animal é desclassificado mediante o soar de uma sirene, que os comissários tocam no decorrer do páreo, avisando ao público e aurigas, que determinado cavalo está desclassificado.

Uma das coisas mais tristes e frustantes era ver uma barbada na ponta e faltando 100 metros para o disco, o cavalo " romper" ( nome dado ao cavalo que galopou) e aquela sirene tocando , cujo significado era uma marcha fúnebre da poule..... ).

Como no turfe, o trote também possuía seus aurigas famosos, sendo o mais famoso deles o campeão Raul Ferreira dos Santos ( R.F Santos) , o popular "seo" Raul, que foi uma espécie de Antonio Bolino do Trote, e por muitos anos reinou absoluto em Vila Guilherme.

Além dele, o Inajá Eustáquio, o Gabriel Menezes do Trote, o G. Antonietto ( o Perninha), A. B. Silva ( o Bill ) , J.F Santos, A. Basílio Neto ( Basilinho) , Osvaldo Dellamonica ( turfista assíduo até hoje nas Sociais do Jockey Club de São Paulo), Dr. Ramy Nasser, sim doutor, pois era o médico veterinário do Trote, excelente pessoa, e além disso montava nos páreos!!!

Há uma diferença nas corridas de trote que é impensável no turfe: a superioridade de um cavalo sobre os demais é compensada mediante o chamado " handicap", que nada mais é do que uma vantagem, em metros, que este animal irá dar na largada para os demais, pois largando junto, ganha mesmo. Essa era a maneira democrática do páreo ser disputado, e normalmente haviam handicaps de 20 à 40metros, e para os mais fortes, 60 metros.

Dá para imaginar, uma largada em que o animal fica 60 metros atrás, e apenas trotando, chegava junto, quando não , ganhava dos demais?

As chegadas eram sempre disputadas e não raro, o photochart era acionado, pois atropeladas de trote são possíveis, mas ficam longe de uma atropelada no turfe.

Dentro desse universo surgiu o cavalo Não Sei, filho de A. Endeavour e Jetel, de propriedade do Stud Casa Verde , cujo titular, o Calu, era uma espécie de Lineo de Paula Machado, do Trote, dada a quantidade e qualidade de seus cavalos, e o Não Sei, foi sem dúvida o seu " Itajara do Trote".

Como foi dito, cavalos com superioridade em relação aos demais, davam vantagem na largada, e o Não Sei não fugia à regra, mas, para que um páreo tivesse a graça da disputa, o seu handicap era de 100 a 140 metros, dependendo da turma. Isso mesmo, que você acaba de ler: o Não Sei dava de 100 a 140 metros de vantagem para seus adversários, logo em páreos de 1.609 metros, ele era obrigado a largar da seta dos 1.700 metros para trás !!!!

O leitor deve extrapolar isso para o turfe e imaginar essa distância em relação aos demais competidores. Simplesmente incrível, pois no turfe largar com dois ou três corpos de atraso pode significar uma derrota avassaladora, mas no Trote o Não Sei passeava na raia com essa desvantagem.

Muitas e esmagadoras foram sua vitórias, mas vou focalizar uma delas, que em julho de 1.987, uma noturna, onde um páreo de 1.609 metros estavam inscritos Sussy ( J.C Lira), Não Sei ( I. Eustáquio ), Albion Norb Noise ( G. Antonietto), Aratu ( M.D.P Carata), Cambucy ( J.F.Santos), Magnum ( R. Astolfe) e A. Silcontown ( A.B Silva).

O handicap do Não Sei era de 100 metros e o Albion Norb Noise dava 80 metros, logo estavam " próximos" e os demais competidores longe, ou seja, próximos da largada. O starter Américo Martins autoriza a largada e logo na curva da direita, da primeira volta, o lote ia agrupado enquanto Não Sei e Albion Norb Noise, nesse momento ainda passavam em frente ao disco. Para o turfista ( trotista?) iniciante aquela cena era de puro desespero, pois os favoritos iam à 100 metros do bloco dianteiro, mas muita corrida ainda estava por acontecer, e era apenas uma questão de tempo.

Na reta oposta Magnum, A Silcotown e Sussy já eram perseguidos pelo Cambucy e Aratu, enquanto Não Sei e A.N. Noise ainda estavam longe do lote. Não esquecendo que os aurigas de Não Sei, I. Eustáquio, e A.N. Noise, G. Antonietto, eram os mais hábeis , de forma que um policiava o outro, pois sabiam os cavalos que estavam dirigindo.

Na primeira passagem do disco, Cambucy já assumira a ponta com Aratu em segundo, seguido dos demais, mas Não Sei e A.N. Noise já haviam progredido de tal forma que já estavam perto do bloco, porém ainda nas últimas posições, e para o público apostador já se antevia a luta entre os dois gigantes.

Na curva da direita, A.N.Noise já está encosta no bloco e Não Sei, espertamente dirigido pelo Eustáquio, sai um pouco por fora e já vai ladeando o A.N.Noise, como a fazer-lhe uma sombra. No final da curva da direita, o A.N.Noise passa por Magnum e A. Silcontown, sem a menor dificuldade e aqueles já demonstravam a que vieram: seguir os gigantes e só isso.

Mantendo o ritmo, e passando pelos demais competidores, A.N.Noise já começa a ameaçar Cambucy, e no meio da reta oposta, passa por este, mas aí entra a maior máquina de corridas de trote que o Brasil já teve.

O Não Sei, como que partindo dali, passa por Cambucy como se este não existisse e encosta no seu mais direto rival, e é nítido que pelo trotar do super campeão, um questão de segundos separa a ponta do seu legítimo dono.

O G. Antonietto, percebendo a chegada da locomotiva Não Sei, tenta fugir na ponta, e mantém uma vantagem mas no início da curva da esquerda , Não Sei já encostava ao seu lado, e majestosamente com seu trotar vai assumindo a ponta, apesar da resistência do A.N. Noise, entrando na reta com a mais absoluta superioridade, fazendo com que dupla A.N.Noise/ G. Antonietto reconheça que à frente segue um mito, um cavalo que foi emprestado junto aos deuses, para demonstrar sua força na Terra..

No mais completo trote, aquela majestade de cavalo, que havia dado 100 metros de vantagem para todos seus adversários, cruza o disco, e com ele todo um público maravilhado em ver que está se presenciando um fenômeno, um milagre que jamais será visto algo parecido novamente. Posso afirmar isso com a maior convicção !!!

Como não havia divulgação das corridas de trote, a trajetória do Não Sei e seus feitos históricos passaram desapercebidos do grande público e ficaram sem registro, mas essa coluna voltada para os Grandes Prêmios de turfe, não poderia deixar de homenagea-lo, de uma forma singela, dando apenas uma amostra daquilo que fazia com a maior naturalidade: esmagar adversários e encantar o público.

Por um capricho da Natureza ( ou dos deuses?) o Não Sei era estéril, de forma que seus descendentes nunca existirão, como nunca existirá aquele que almeje lhe fazer uma sombra, pois o Não Sei foi único e único será para todo sempre.

Como justa homenagem ao seu maior ídolo, a Sociedade Paulista de Trote, colocou na entrada do hipódromo, uma escultura em bronze do Não Sei, para que todos que ali adentrem, saibam que por ali passou e correu, o maior cavalo de trote que o Brasil já teve, e perdoem-me pela insistência, terá !!!

O leitor sabe agora que quando a conversa for de grandes cavalos, os nomes que iniciaram esse relato são obrigatórios, mas à partir de agora, e por uma questão de justiça, inclua o nome desse monstro sagrado, e nunca esqueça a resposta quando lhe perguntarem qual o nome de um dos maiores cavalos que o Brasil já teve em todos os tempos: A resposta certa é: Não Sei !!

4 comentários:

  1. José Carlos Macedoy23 de junho de 2012 às 06:40

    Muito legal , sou filho do Raul e agradeço o elogio do meu pai e um dia vale a pena comentar do Albion Niterói que foi o cavalo que consagrou meu pai e mais ganhou Grande Prêmios no Trote e também na Argentina . Obrigado

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  2. Belo artigo! Meu avô Calu ficaria feliz em lê-lo, obrigado ao reconhecimento e homenagem aquele que foi resultado máximo de sua dedicação ao Trote.

    Joaquim C E de Souza Aranha

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    1. Parabéns tive o prazer de ver uma foto do belo animal que foi do seu avô eu só ouvi história de todos sobre esse cavalo.

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  3. Adorrei seu artigo. Como filho do Calu, revivi as emoções das inesqueciveis vitorias do Não Sei. Gostaria de manter contato com você. Meu email didisaranha@gmail.com

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