Páginas

terça-feira, 8 de novembro de 2011

HARAS FECHADOS (V)

HARAS FECHADOS (V)


Eram dois criadores paulistas, Urbano e Celso, de sobrenome Junqueira Meirelles. Urbano, o mais moço, tinha o Haras Porta do Céu, nas cercanias de Atibaia. Criava poucos animais por ano, utiliza-se dos serviços gratuitos de garanhões de amigos. Tinha um sucesso razoável, até que um dia, uma reprodutora apresentou-se com uma doença que foi diagnosticada como infecciosa. Urbano, que só gastava o estritamente necessário, ante a perspectiva de um tratamento veterinário de todos os animais do haras, o que representaria gastos inesperados, preferiu não arriscar, vendeu todos os seus animais e também vendeu a propriedade. O irmão Celso criava no Haras Anhanguera, em Valinhos, anualmente a sua produção era de cerca de uma dúzia de potros. Celso era ainda, mais mão fechada que o irmão Urbano. O seu garanhão, um ganhador clássico de nome Xadrez de ótimas campanha e pedigree, tinha sido comprado quase dado em um golpe de sorte, de ocasião. Encerrada a campanha nas pistas, o titular do Haras Mondesir, Antonio Joaquim Peixoto de Castro Júnior, mandou fazer um espermograma de Xadrez, e o resultado indicou muito pouca fertilidade. Naturalmente o Dr. Peixoto declarou que venderia o cavalo pela primeira oferta que lhe fosse feita e, mediante um documento que teria que ser assinado pelo comprador dando ciência de que ele conhecia o atestado veterinário, dizendo da pouca fertilidade.

O Celso foi um dos primeiros a saber disso, apresentou de imediato uma proposta irrisória, inadequada, mas o Dr. Peixoto honrou a palavra e o Celso levou o cavalo. Xadrez cobriu no Anhanguera por cerca de 10 anos, nunca deu um produto de qualidade sequer regular. Apareceu então um outro criador, que quis fazer uma tentativa em função da campanha e do pedigree de Xadrez. Foi feito o negócio e, Xadrez no novo haras, apesar de ter dado poucos filhos, todos foram bons ganhadores, inclusive de provas nobres. E, como avô materno Xadrez teve dois filhos ganhadores de Grupo 1, inclusive, do GP Brasil. Quem poderia ter dado continuidade ao Porta do Céu ou ao Anhanguera era o filho de um deles, mas a sua obsessão em não gastar dinheiro era doentia. Vivia como um pobretão, não gastava sequer em coisas básicas, sustentar cavalos nem pensar, era mais que um doente, na verdade um coitado. O Porta do Céu e o Anhanguera se foram para sempre.

Perto do aeroporto de Bagé (RS), em uma terra privilegiada pela Natureza, instalou-se há mais de 60 anos o Haras Jaguarão Grande, de Jerônimo Mércio da Silveira. Mesmo a criação sendo a campo, a produção era boa, os potros eram saudáveis, corriam. Assim se passaram os anos, até que, com a morte do criador, saiu de cena o Jaguarão Grande sendo substituído pelo Haras Pinheiros Altos, de Jayme Nascimento Brito. As terras, que primeiro foram do Jaguarão Grande foram arrendadas pelo Haras Pinheiros Altos. Quando o Pinheiros Altos parou, veio então o grande sucesso. A propriedade foi comprada pelo paulista Haras Old Friends Ltda, que investiu nas terras, nas construções, no material humano, no plantel, transformou o que era bom em ótimo. O Haras Old Friends, um dos mais bem cuidados e bonitos, tratado com raro esmero por Julio, Renata e Julinho Camargo, já é uma realidade exponencial no turfe brasileiro. O Old Friends é uma das grandes forças da criação nacional, e de um futuro cada vez maior.

O Haras Coqueiro Verde, do criador paulista João Evangelista já tinha uma pequena criação em Lorena (SP), transferiu o seu plantel e o aumentou bem, em propriedade do outro lado da cidade de Bagé (RS). Levando a sua produção para correr em Maroñas, Montevidéu, o sucesso veio, liderando lá as estatísticas e dominando o mercado uruguaio. Após anos de enorme sucesso, foi impedido pelas autoridades turfistas uruguaias de oferecer os seus potros nos leilões uruguaios. Os leilões seriam então só para produtos nascidos no próprio Uruguai. Esse absurdo indignou o criador e foi o princípio do desalento de João Evangelista, que desacelerou os seus investimentos no turfe uruguaio, foi vendendo a sua cavalhada até terminar. Voltou para a pequena criação originária em Lorena, de forma apenas simbólica, e acabou por fechar. As terras do Coqueiro Verde foram arrendadas pelo Haras Gramado de Lorena que após alguns anos passou a ser uma propriedade agrícola, passando a criação para um novo haras que foi comprado, o Haras Quebracho. O Haras Coqueiro Verde não era propriamente um criador, mas um entusiasmado turfista. Os resultados não foram expressivos. É muito difícil um carreirista transformar-se em grande criador.

Enquanto isso, em São Paulo tivemos uma história complemente diferente, Paschoal Conzo, de menino descalço e pobre, transformou-se em um velho muito, muito rico. Era de extrema simpatia, ajudou a vida inteira àqueles seus companheiros de infância e adolescência e, apaixonando-se pelo turfe, implantou o seu Haras Conzo.

Importou da Europa um filho de Nearco, de nome Simploom Express e um filho de Solário chamado Baroda Squadrom. Em pedigree, à época, era o que havia de melhor no mundo, mas individualmente eram dois refinados matungos. O haras em si era pessimamente orientado e administrativamente era um caos. Mas Paschoal Conzo era um apaixonado, gastou muito dinheiro, na verdade botando fora, sempre na esperança de tirar um campeão. A rigor, em muitos anos de atividades, só dois animais seriam dignos de serem mencionados, Faz Assim, era boa potranca, uma flor do lodo, que venceu importante prova nobre aos 3 anos de idade, e Diretor, filho, fruto de uma cobertura a ele dada, do cavalo italiano Mandello, pelo Capitão Bela Wodianer. A bondade e a simpatia de Paschoal Conzo ficou para sempre, acima do Haras Conzo. Com a morte do proprietário, a família nem quis saber, acabou com o que havia sido um sonho de um homem bom.

Em São Paulo, perto de Campinas, um filho de imigrantes italianos, solteirão que com uma irmã também solteirona ficaram muito ricos com as duas melhores sapatarias da cidade, à época, empolgou-se ao assistir corridas no modesto Hipódromo do Bonfim, em Campinas. Comprou uma área de terras boas e lá instalou o seu Haras Picolotto. O início foi dramático, o haras criava com animais defeituosos, ruins, mas que eram muito de corredores “que teriam sido ótimos se não tivessem se quebrado”. O garanhão chamava-se Miau, ganhador de meia dúzia de corridas no Bonfim, os dois joelhos e os dois boletos eram enormes, deformados, e aquilo era entendido por Hugo Picolotto como uma prova de qualidade, se não fossem aquelas fraturas e comprometimentos o Miau teria sido um craque. A bondade e a simpatia de Hugo Picolotto deram-lhe a oportunidade de graciosamente poder receber garanhões melhores que anualmente se revezavam, como Manguari e Destino, entre outros. O ponto alto da criação da presença de Hugo Picolotto no turfe foi quando, em um Leilão de Éguas importadas da Europa, pelo Jockey Club de São Paulo, ele comprou Palmarella, uma francesa filha de Pharis em filha de Tourbillon. Essa compra foi a ele sugerida pelo bom Capitão Bela Wodianer, que também conseguiu para ele uma cobertura de Kameran Khan. Nasceu Fogoso, um lindo castanho escuro, ótimo corredor nas pistas de Cidade Jardim. Hugo Picolotto envelheceu, morreu e o haras acabou.

O Haras Vargem Alegre era do inteligentíssimo Ministro Oswaldo Aranha. Montado no Estado do Rio de Janeiro, produziu muito bem. A inteligência de Oswaldo Aranha o fez compreender desde logo a inadequação do solo fluminense para a criação dos cavalos de corrida, e suplementava artificialmente o que faltava pela Natureza, por exemplo, colocou em todos os piquetes, nos bebedouros, um dispositivo que provia a água do cálcio que faltava nas pastagens. Sempre tinha detalhes onde se manifestava a inteligência de Oswaldo Aranha. O seu Haras Vargem Alegre, foi um sucesso à época, enquanto o Ministro viveu. O garanhão principal do haras foi Cadir, um filho de Tourbillon, um grande sucesso. Com a morte do saudoso Oswaldo Aranha, os herdeiros não mostraram a competência necessária para tocar o empreendimento, e o haras desacelerou até acabar.

A falta de seguidores na família é uma das tônicas ruins da criação brasileira. Um dos mais entusiasmados criadores foi Osmar Fernandes Lage, o Vovô, que embora não fosse um expert, supria em boa parte com seu entusiasmo. Gostava de quantidade, era uma pessoa folclórica, simpática, sempre bem recebido por todos. Mas o seu filho era um comandante de navios, a paixão dele era o mar, capitaneava navios de carga pelo mundo, nada tinha a ver com os cavalos do Vovô. O Haras Vargem Grande acabou, como muitos, por falta de continuadores.

O primeiro detalhe, é ter um filho e fazê-lo participar desde pequeno do meio turfístico. Com a participação é estimulado o gosto pela atividade. Assim, há pelo menos 50% de chances de haver continuação. Esse é um detalhe a ser cuidado pelos criadores que desejam que haja continuadores para os seus investimentos em uma área tão importante como prazerosa.
Há que cuidar disso.


Milton Lodi

Nenhum comentário:

Postar um comentário