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domingo, 16 de outubro de 2011

Floreando, por Milton Lodi

HARAS FECHADOS (IV)

O Haras Patente era dos dois irmãos Icílio e Manlio Forelli, e de mais um médico, que depois no correr do tempo se afastou. Naquela época, era um haras exemplar. Foi o primeiro haras a cultivar a sua própria alfafa.

O Patente era muito bem administrado, e o seu nome veio do sucesso de um empreendimento dos irmãos Forelli. Inventaram uma cama simples, de pernas dobráveis, que podia ser guardada sem dificuldades, e ótima para quem não tinha amplos espaços e/ou podia ser surpreendido por visitas inesperadas para pousar (dormir). Foi um fantástico sucesso, as Camas Patente deram um gigantesco impulso às finanças dos dois irmãos. Muito corretos, caprichosos, com um bom tino comercial compravam garanhões e éguas de sangues em evidência, levavam para o haras corredoras de bons resultados nas pistas e de preferência iam buscar no Haras Mondesir garanhões de boa campanha e papel. Basta lembrar de Xaveco e Zephir, respectivamente filhos de Roussete e Sinless com Sayani. Corredores de muito boa qualidade e pedigrees régios. Com as mortes dos dois irmãos e a do filho de Manlio, o haras se desvirtuou e acabou sendo vendido, passando a abrigar animais de montaria para fins de semana, enduros e coisas afins. Assim terminou o vitorioso Haras Patente.

O Haras Ipiranga iniciou-se nos idos de 1950, implantado por Euvaldo Lodi para não se desfazer do seu corredor preferido Manguarí, um filho de King Salmon que lhe deu as maiores alegrias. Além de boas corredoras nacionais, uruguaias e argentinas, foram importadas, principalmente, da França e da Itália éguas das melhores procedências. Os três garanhões importados de maior renome foram Flamboyant de Fresnay (França), Kameran Khan (Irlanda) e Takt (Alemanha), além de outros da França, da Itália e no final dos mais de 50 anos de funcionamento, bons nacionais. O ciclo terminou depois de 2005, e as terras foram vendidas como área de lazer. Foi um período de sucessos, de vitórias, e que como tudo na vida tem que terminar.

O Haras São Silvestre era de Jorge Wallace Simonsen, um rancheiro que gostava das corridas, mas não era afeito às coisas de criação. Não ia ao haras, em Campinas, ocupava-se durante a semana com o seu Banco, com o auxílio de um filho, e aos sábados e domingos ia ao prado. Ele era cunhado de Hernani Azevedo Silva, um dos grandes líderes do turfe brasileiro. Com a morte do proprietário, acabou o haras.

Um haras paranaense que infelizmente fechou foi o Arroio Butiá, de Carlos Dondeo Júnior. Era bom, o seu garanhão Sestero que lhe deu muitas alegrias, mas nos tempos modernos o haras começou a ser importunado por marginais, chegaram a roubar à noite os cabrestos (buçais) dos animais nos piquetes. A insegurança se alastrou e o caminho foi o encerramento das atividades do Arroio Butiá.

Aliás, o problema da falta de segurança nos haras é um crescente absurdo. Eu conheço vários haras que foram invadidos por bandidos armados, saqueando sedes vazias e intimidando fisicamente os freqüentadores das sedes, gente armada, ameaçadora, e sem medo de ser contida, já que o policiamento e a proteção das delegacias nas cidades mais próximas são iguais a zero. Só para citar alguns haras, vítimas de saques e violência, lembro do Guayçara, do Ipiranga (4 vezes), do Torrão de Ouro entre muitos outros.

Outro haras que fechou foi o Brasil, de Restom Lahud. Não foi um haras de enorme sucesso, mas investia, comprava, corria, participava ativamente do turfe paulista. Primeiro veio a morrer o seu excelente administrador, depois foi o proprietário que ficou entrevado, muito doente, e não havia mais como o haras prosseguir.

O Haras Eduardo Guilherme era de W. Julio Zarzur, um grande entusiasta, que chegou a ganhar o GP Brasil. Ele substituía com invulgar entusiasmo a sua carência técnica. Mas ganhava bastante, e era muito supersticioso. Pessoalmente era um encanto de pessoa, e com a sua morte o haras simplesmente acabou.

Caso semelhante foi o do Haras Santa Terezinha, dos irmãos Phelipe e Jorge Azer Maluf. O haras especializou-se em produzir animais de velocidade, com Melody Fair, apenas regular, e Tamino, produtor de bons animais até para pencas. Primeiro morreu Phelipe, que por muitos anos ficou incomunicável em cadeira de rodas, depois foi o filho Alberto, e sozinho Jorge deixou acabar antes de morrer em 2010.

Alberto Marchioni fundou na estrada para Osasco, na região de Roselândia, o Haras Terra Branca. O grande sucesso do seu haras foi Major’s Dilemma, fisicamente um fortíssimo cavalo de ampla caixa torácica, um extraordinário corredor que teve o infortúnio de nascer na mesma época de Farwell, Escorial e Narvik. Na pista de areia era praticamente imbatível, e a facílima vitória em maio de 1960 em Palermo, com Rigoni vencendo os melhores arenáticos sul-americanos em 2.500 metros. A morte de Alberto Machioni, que foi brilhante Diretor Tesoureiro da Associação Brasileira e, também, da Sociedade de São Paulo, determinou o encerramento da atividade criacional, e o filho manteve o haras em funcionamento como haras público na criação, na recuperação e em outras atividades afins, para terceiros.

O irmão de Alberto chamava-se Dante Marchioni, que montou o Haras Bela Vista de grande sucesso. Inteligentemente importava garanhões da Inglaterra sob a orientação do expert Walter Noble, e foi através dele que vieram os excelentes Esquimalt, Orbaneja e outros. O outro pé de apoio era a mulher dele, D. Ollympia, que tocava o haras, vivia com os cavalos, uma mulher extraordinária. Com a morte de Dante e da D. Ollympia, o problema ficou nas mãos do filho Dantinho. Mas ele não era do ramo, e a propriedade, aquela altura muito valorizada foi vendida.

No Paraná, dos haras que alcançaram maior evidência, o Haras Paraná terminou vendendo as suas excepcionais terras para serem asfaltadas por rodovias. Esse era um caminho previsível, pois Alô Guimarães era primordialmente um comerciante de cavalos, não tirava dinheiro dos bolsos, só guardava. O crescimento da cidade de Curitiba e a perspectiva do alargamento e asfaltamento das vias de acesso ao Aeroporto mataram o Haras Paraná.

A Baronesa Von Leithner, uma Rotschild de nascença, comprou o antigo Haras Milano, no município de São Bernardo (SP). Montou um exemplar e clássico haras, trouxe um dos melhores corredores, à época, da Europa, Violoncelle, comprou boas éguas nacionais e estrangeiras, limitou o número de éguas em 20 (para entrar mais uma, outra tinha que sair), mandou vir da Alemanha o expert Joseph Gatti, e com uma criação primorosa, técnica, moderna, criou ótimos corredores clássicos, os seus potros eram fortes, sadios, com as musculaturas preparadas para a luta. O Haras São Bernardo foi um enorme sucesso. Mas desde que foi implantado, havia um plano para que se existisse, se pudesse manter o elevadíssimo padrão. Mas no município começaram a instalar-se fábricas de automóveis, e grande quantidade de pessoal afluiu para lá trabalhar. Um dos acessos às fábricas passava pelo haras, e a turma não respeitava, em lugar de contornar os muros do haras, atravessavam a propriedade para cortar caminho, invadindo, derrubando obstáculos e fazendo buracos nos muros. A privacidade e a segurança desapareceram, estranhos andavam pela propriedade, apesar dos cuidados para impedir. Isso decretou a morte do impecável e clássico Haras São Bernardo. A Baronesa promoveu um grande churrasco de despedida no dia do encerramento oficial, e quando eu me despedi dela, a encontrei com os olhos marejados de lágrimas, e com um lencinho branco em uma das mãos. As minhas palavras terminaram quando ela, sofrida, virou-se para o haras e de braços abertos disse “Isso é o meu amor”.

No Rio Grande do Sul, a perda do turfe foi ainda maior, pois o especial empresário Breno Caldas, um rico amigo de todos, um invejável investidor, um criador de primeira linha, fez um investimento de grande porte para implantar em Porto Alegre, uma empresa de televisão do porte da TV Globo. Para isso, além dos seus próprios recursos, Breno Caldas recorreu a reforço financeiro em dólares. Mas foi traído por uma elevação do valor do dólar pelo Governo Federal. O valor dos compromissos triplicou, e para saldar os compromissos toda a fortuna foi consumida. Breno Caldas sofreu um golpe definitivo, fatal, e com isso o turfe gaúcho e o brasileiro perderam um grande criador - o Haras do Arado - e uma figura humana extraordinária.

Muitos outros haras foram fechados por motivos vários, uns independentemente dos outros, mas todos foram duramente atingidos pelas inaceitáveis condições do turfe em si, quando pessoas inadequadas, muitas vezes, comandam os destinos da atividade, ora um Ministro da Agricultura que dizia que “o turfe brasileiro é uma brincadeira de meia dúzia de riquinhos”, ou de diretores de clubes promotores de corridas que, com vaidades à flor da pele, desvirtuaram a atividade por não serem do ramo, não entenderam a grandiosidade dos interesses investidos pelos criadores e pelos proprietários.

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