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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

De Turfe um pouco..., por Mário Rozano

O nome desta coluna é uma homenagem ao autor do livro De turfe um Pouco, do jornalista Benito José Beirutti, editado em 1988, sob os auspícios do Bar, ou melhor, do Restaurante Porto Velho – por estas coisas da vida, o local era a antiga sede da Protectora do Turf, atual Jockey Club do Rio Grande do Sul, onde a jogatina predominava. Hoje, o prédio, que foi vizinho do Clube dos Caçadores nos anos 20, é um estacionamento, porém, contém ainda entre os carros... de turfe um pouco... Benito era um cliente contumaz do bar, do café da manhã ao jantar, e com ele um grupo de fiéis amigos que conquistara pelo imenso patrimônio pessoal, de personalidade forte, companhia simpática, com o humor que sempre despontava em qualquer discussão, sobre os mais variados assuntos. Benito possuía inteligência e ironia refinada e textos bem articulados, e sobretudo, um turfista apaixonado. Herdou o gosto pelos cavalos e o talento de escrever sobre turfe de seu pai, Heitor Brasil Beirutti.

Colunista do Correio do Povo e diretor da revista A Semana Esportiva nos anos 40, Heitor Brasil conduzia o filho para o melhor lugar no partidor, para buscar a vanguarda tão logo levantasse a fita. As 19 anos, Benito assinou no Diário de Notícias resenhas e crônicas das corridas no pradinho do Moinhos de Vento. Não tardou e ingressou no Correio, para criar a coluna Photo Chart, logo virou leitura obrigatória na página de turfe, com um toque especial nas matérias, e de turfe um pouco...

Visionário, revolucionou a imprensa especializada em 1958 com a criação da revista Turfe de Bolso. Começando pelo formato da publicação que lhe originou o nome. Apesar do descrédito inicial, virou sucesso de marketing, circulou por vários e vários, com Benito e seu irmão René, em suas rédeas.

Na semana passada recebi uma história, com H maiúsculo, do meu amigo Davi Castiel Menda - matemático, jornalista e turfista do passado, de intensa atuação na mídia burrera, desde a Rádio Metrópole a famosa equipe da Rádio Itaí "No Turfe de Ponta a Ponta", comandada pelo Vergara -, com o Jorge Rolla, o Foguinho II de protagonista. Seu Rolla era uma personalidade marcante da cidade. Imediatamente me veio a nostalgia, que entrou na raia e na manta... de turfe um pouco...
Aí vai o relato narrado como uma carreira pelo Davi, que é da mesma turma do Benito Beirutti,, do Mário Joaquim Rossano, do Jorge Rolla, e para completar o placar premiado, de todos os turfistas e jogadores apaixonados: Aposto no fim do mundo!

Das pessoas que conheci em minha vida, uma das mais exuberantes chamava-se Jorge Rolla. Sempre elegantemente vestido, deixava seus interlocutores em êxtase ao comentar fatos passados, principalmente pelas suas fantásticas e extraordinárias histórias, geralmente versando sobre apostas.

O seu Rolla – como era mais conhecido – apostava qualquer coisa, qualquer coisa mesmo: resultado de eleições, futebol, corrida de cavalos, previsão do tempo, par ou ímpar nas placas de automóvel, etc. Imagine, hipoteticamente, esta situação invulgar: alguém tinha palpite que o Íbis (auto-considerado o pior time de futebol do Brasil) venceria o Barcelona, numa hipotética partida entre os dois, por 16x0 – era só procurar pelo seu Rolla. Ele arbitrava a cotação, tal qual a bolsa de apostas londrina, e respondia na hora: pago 40.000 por 1 - ou seja, se o Íbis ganhasse do Real Madrid exatamente de 16x0, o apostador receberia R$ 40.000,00; caso contrário o seu Rolla ganharia R$ 1,00. Resumindo, pura diversão para o apostador - mesmo considerando-se a relação custo/benefício - mas para o seu Rolla a aposta era encarada com a maior seriedade.

É claro que apostas esdrúxulas semelhantes a essa eram invariavelmente ganhas por ele, mas um dia a casa caiu, através de uma aposta inteligente, que merece ser escrita e contada, antes que se perca no tempo. O seu Rolla foi procurado por um comerciante, homem de muitas posses, que lhe propôs esta singular proposição: ele afirmava que o sol continuaria a nascer diariamente, durante os próximos 365 dias. À primeira vista, uma obviedade; nas entrelinhas, o proponente jogava a responsabilidade ao seu Rolla de apostar no fim do mundo. Entretanto, considerando-se que à época, me parece que em 1961, assistíamos com preocupação aos lances da guerra-fria entre Estados Unidos e Rússia, não seria um evento tão inesperado como poderia parecer.

Mas afinal, qual a cotação para o caso do não nascimento do sol e conseqüentemente a ocorrência do fim do mundo? Esta a indagação que deixou a todos curiosos. Fiel ao lema de não recusar uma aposta e com sua honra de apostador em xeque, o seu Rolla pediu prazo de um dia para dar a resposta, e comentam que até fórmulas e livros de Laplace - um dos pioneiros em cálculo de probabilidades -, foram consultados. Conforme combinado, no dia seguinte, com um público recorde em volta, quase todos sócios do tradicional Clube do Comércio, informou a cotação: “considerando os hábitos regulares do sol no passado, a chance dele não nascer é de uma para 2.103.495”. Isto significava que, se o sol não nascesse, em qualquer dia do próximo ano, ele receberia do apostador R$ 2.103.495,00 – caso contrário teria que desembolsar durante um ano, R$ 1,00 diariamente. O sujeito topou e um aperto de mão selou a aposta.

Passado aquele momento natural de perplexidade em que todos falam com todos ao mesmo tempo, os amigos mais chegados se questionavam: o autor da aposta gerara um paradoxo, uma verdadeira armadilha em que somente ele se beneficiaria. Se o sol continuasse nascendo diariamente, o que era infinitamente o mais provável, ele, o apostador, receberia um total de R$ 365,00. Caso o fim do mundo se tornasse uma realidade, ou seja, o sol parasse de nascer, o apostador, teoricamente, teria que pagar mais de dois milhões, que o seu Rolla nunca chegaria a receber. Qual a vantagem em aceitar uma aposta dessas?

Saboreiem a genial resposta do seu Rolla:

- Em primeiro lugar, se eu recusasse esta aposta, aquilo pelo qual eu lutei durante toda a vida, a seriedade, a palavra, cairia por terra e eu nunca mais poderia pensar em apostar, sequer grãos de feijão. Em segundo lugar, espero pagar com a maior satisfação R$ 1,00 diariamente, sinal de que todos nós conseguimos ultrapassar a barreira de mais um dia, vivos.

Continuou seu Rolla,

- Mas, se o impensável acontecer, e o sol não nascer, tenho a mais absoluta certeza de que, pelo menos no último milionésimo de segundo antes do fim, eu ainda terei tempo para pensar, e por que não, vibrar: ganhei dois milhões!

Posfácio:

Jorge Rolla era chamado pelos mais íntimos por Foguinho, mesmo apelido do Irmão, o não menos famoso Osvaldo Rolla, treinador do Grêmio e Cruzeiro e mais tarde cronista desportivo. Jorge Rolla foi um turfista apaixonado re dos grandes ganhadores da Loteria Esportiva nas décadas de 70 e 80, sendo inclusive objeto de reportagem da revista Veja por esse motivo. Faleceu em oito de julho de 2004 e foi um dos meus maiores amigos. Essa crônica é em sua homenagem. Davi Castiel Menda.

O Jorge Rolla era grade amigo de meu pai o ex-jóquei Mário Joaquim Rossano, habitual frequentador de nossa residência, era também proprietário do cavalo Luigi, que ilustra esta coluna, uma homenagem ao Foguinho e ao Benito.

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