Floreando, por Milton Lodi
Haras Faxina
Há muitos anos, a Associação Brasileira publicava uma revista mensal de nome Puro Sangue Inglês. Era uma excelente publicação, e normalmente apresentava um artigo específico sobre um haras. Um artigo não assinado, com o título “Tradição que se fortalece”, há quase 20 anos, o enfoque foi o glorioso Haras Faxina, de Henrique Toledo Lara e D. Margarida Polak Lara. A seguir, o texto:
A recente vitória do potro de três anos Drum Und Dran (Rabat e Ri Sempre, por Executioner) no GP Presidente Rafael Aguiar Paes de Barros transcendeu em muito a importância deste tradicional páreo do grupo 2, que no calendário serve de preparação para o GP São Paulo (G.1). Por vários motivos. Primeiro que o bom potro foi criado e pertence a uma das mais tradicionais e antigas coudelarias brasileiras, o Haras Faxina, de Margarida Lara, fundado em 1941 por ela e seu marido, Henrique Lara, falecido em 1983 e tido como um dos formadores da criação nacional do cavalo psi de corrida. Segundo, que se trata de um filho de Rabat (Trateggio e Risota, por Jolly Joker), oriundo dos próprios piquetes do Faxina e que agora começa a se firmar com sucesso também na criação, já que nas pistas foi excelente ganhador clássico. Terceiro e último: não apenas o êxito de Drum Und Dran mas todo o placar do Rafael A.Paes de Barros comprova o trabalho do Faxina em prol do turfe no decorrer destes 52 anos. Vomage, favorito do páreo e segundo colocado é filho de O Maior (Trateggio e Hello Riso, por Earldom II e Risota), criado pelo Faxina. Mural, o terceiro, descende de Only Once (Earldom II e Drambuia, por Daddy R e Risota. Por Jolly Joker), criado pelo Faxina. E o quarto colocado, Niki Xemiur, é filho de Quintus Ferus (Henri Le Balafré e Mignon, por Earldom II e Risota), também nascido no Faxina. Portanto, fato raríssimo de se observar, o resultado dessa prova de grupo 2 remonta ao haras de farda amarela e preta em listas horizontais, sendo que os animais que o formam em suas principais posições tem descendência em Risota, égua-base do Faxina e, a julgar pelos criadores dos cavalos mencionados, Haras Malurica, 2001 e São Quirino, da própria criação brasileira.
Uma criação que era bem mais incipiente e difícil de tocar há 52 anos, quando Henrique de Toledo Lara comprou a Fazenda Faxina em Santa Gertrudes, município paulista da região de Campinas, hoje com área total de 125 alqueires. O “empurrão” para concretizar a compra e montar o haras foi da esposa Margarida Lara, garante ela. Se dependesse somente do pai dele, o Conde de Crespi, dificilmente isso teria acontecido, tanto que o projeto só vingou após a sua morte. Na verdade, o interesse de Henrique Lara pelo esporte vinha através do tio, Antenor Lara Campos, que levava o sobrinho ainda jovem às corridas na Mooca e ao seu haras de Cotia (SP). Fora esta forte influência, sua vivência com os eqüinos ficava restrita aos cavalos de pólo.
Nascida na Rússia, Margarida Lara chegou ao Brasil em 1932 –“queria conhecer o País antes de me casar” – trazendo algum conhecimento com cavalos, fruto de corridas vistas na Europa e à participação em provas de hipismo, esporte que conheceu ainda em sua terra natal. Um episódio marcante de sua chegada, ainda a bordo do navio, foi vista de uma belíssima mansão na Glória, Rio de Janeiro. Mesmo insistindo para que seu marido a comprasse, Margarida Lara teve negado seu pedido, sob o pretexto de que os negócios da família se concentravam em São Paulo. Cinqüenta anos depois, a própria Margarida foi até o Rio para fechar o negócio: “Contei também com a sorte, porque a embaixada dos Estados Unidos estava interessada no imóvel mas, por ser tombado, ele só poderia ser arrematado por uma pessoa de nacionalidade brasileira ou portuguesa”, conta. Hoje sua residência carioca destina-se às recepções que a criadora faz às delegações estrangeiras presentes ao GP Brasil. Igual procedimento ela adota em sua casa nos Jardim Paulista por ocasião do GP São Paulo.
PLANTEL DE CAMPEÕES
No decorrer destes 52 anos de existência do haras, garanhões nacionais como Jolly Joker e Ogan e importados como Congratulations, Antonym, Sandjar e Earldom II marcaram o desenvolvimento da criação brasileira. Este último produziu dois dos melhores animais do Faxina na opinião de D.Margarida: como pai gerou Gadahar, ganhador do GP São Paulo de 1975; como avô materno, deu a campeã Off the Way, vencedora do GP Brasil de 1983. Outro nome que não podia faltar, segundo a criadora, é o Narvik, que também conquistou o GP Brasil e o GP Presidente da República de Cidade Jardim nos anos de 1958 e 59.
O norte-americano Earldom II também produziu os clássicos Hello Riso, Mirandole, New Attack, Cannele, Oh Que Boa, Nossa Jóia, Flor Linda, Golden Cloud, Hawk, Ingrato, Irme, Just So, Late Win, Never Be Bad e Kenético. No haras, ainda nasceram Laughing Boy, Clouet, Drambuia, Mignon, Apple Tart, Droless, Nice Child, Once More, Quivive, Quebra Cabeça, Quelle Nuit, Quick as Thunder, Quintus Ferus, Right Win, Romage, Serikib, a grande raçadora Risota e seu filho Rabat, que serve atualmente em Santa Gertrudes ao lado dos nacionais So Happy (Executiner e Hello Riso, por Earldom II) e Vrallman (Mannsfeld e Pravda, por Earldom) e do irlandês Van Houten ( Northfields e Spare Filly, por Beau Sabreur).
Nascido em 1981, Rabat, que conquistou o GP Derby Paulista e a Copa Brasil Estados Unidos, tem uma história que bem poucos conhecem. Pouco antes de correr o GP Brasil, sua proprietária recebeu uma proposta de venda, vinda dos Estados Unidos, de 3,5 milhões de dólares. Diante de sua recusa, a oferta aumentou para 4 milhões – proposta irrecusável que foi novamente recusada por uma D.Margarida já brava com tanta insistência. “Aí eu recebi um buquê de flores com um pedido de desculpas e outro pedido: a senhora não teria, por acaso, um irmão próprio dele... Um dia antes do GP Brasil, Rabat pisou numa pedra e acabou não correndo. Esperamos dois meses por sua recuperação. Aí ele correu mais uma e foi levado para o haras”.
Este filho de Rabat, que traz Risota por parte de pai e mãe, é fruto do trabalho de D.Margarida: “Meu marido nunca fez imbreeding, mas eu acho que um pouquinho não faz mal nenhum”, diz ela, que na época de Henrique Lara limitava-se a escolher os nomes dos potros. Para por em prática seus cruzamentos, a criadora conta atualmente com um plantel de 40 éguas, a maior parte filhas de Earldom II e Tratteggio, cujo número “deve ser sensivelmente diminuído. O ideal é baixar para 35 matrizes”, prevê.
ATUAÇÃO POLÍTICA
Margarida Lara divide seu tempo entre os negócios do escritório localizado no centro antigo da capital e a militância política. Monarquista convicta, trabalhou durante o plebiscito para a escolha da forma e sistema de governo: “Pena que não tivemos mais tempo para mostrar o que um rei poderia fazer pelo País. Do contrário, o resultado seria outro”, lamenta. No turfe, sua atuação política não é menor, tendo sempre participado ativamente das eleições no Jockey Club de São Paulo e Brasileiro. Uma de suas maiores queixas no momento também o é de muitos outros criadores e proprietários, e se refere ao preço do trato e sua relação com os prêmios pagos em Cidade Jardim e Gávea. Margarida Lara acha difícil ver seu haras brigando novamente pelas estatísticas: “Não dá para competir com aqueles que têm 100 ou 200 éguas. Só se eu ganhar um GP Brasil ou São Paulo. Acho que deveria haver critério diferente, talvez baseado na eficiência e não na quantidade”, defende. Por outro lado, ela mesma reconhece o período negativo pelo qual passou seu haras: “Tivemos anos muito ruins, mas conseguimos reverter a situação. Agora eu estou contente”, finaliza otimista a conhecida criadora.
D. Margarida Polak Lara é um dos baluartes do turfe brasileiro. Certo dia, em reunião na sede da ABCPCC, ela participou de um grupo que recebeu o então tesoureiro do JCSP, o hoje inesquecível, Oscar Faria Pacheco Borges, que lá foi defender a posição do JCSP em relação as premiações, alegando um mau momento financeiro tendo o clube inclusive compromissos atrazados nos pagamentos de prêmios. D. Margarida perguntou qual o montante desde compromisso passado e recebeu como resposta um número significativo, sendo que aproximadamente 80% eram de contas pequenas de pequenos proprietários, isso representando aproximadamente Cem Mil Reais. O grande valor de 80% era de poucos proprietários maiores. D. Margarida simplesmente disse que os Cem Mil Reais, representativos dos 80% de proprietários menores, ela naquele momento doava ao JCSP ficando assim sanados os créditos dos pequenos. Nessa reunião ficou mais uma vez constatada a grandeza da grande turfista.
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