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segunda-feira, 25 de julho de 2011

E tudo começou com Mossoró, em 1933



Mossoró, o lendário tordilho
78 anos após a primeira edição, vencida pelo inesgotável “cabra arretado” Mossoró, precioso fruto da criação do sueco Frederico Lundgren, apaixonado pelas coisas do Brasil e fundador das Casas Pernambucanas, que já não existem mais. Naquela oportunidade, com Justiniano Mesquita “up”, uma vitória inesquecível de um cavalo folclórico e adorado, que foi tema de livro e de marchinha do saudoso Lamartine Babo.

Na primeira edição do GP Brasil largaram 22 competidores e Mossoró percorreu os 3.000 metros, na grama úmida, em 189s4/5, derrotando Belfort, do qual levava sete quilos de vantagem. Os tempos são outros e a carreira já não tem o brilho de antigamente, mas o GP Brasil ainda é a prova mais importante do turfe nacional.

O tordilho Mossoró teve marcada sua vitória nas obras de dois personagens brasileiros. No livro “Idéias de um João Ninguém”, de Benedito Carneiro Bastos Barreto, publicado em 1935, o tópico Crônica Eqüestre, reproduzido abaixo:

O leitor que me perdoe a insistência...

Mas acontecem, na vida dos povos, certos episódios de tão intensa e profunda significação, que o cronista faltaria ao seu dever se, por qualquer circunstância, deixasse de registrá-los.

Um desses acontecimentos foi a chegada de “Mossoró” a Recife.

Todos nós já sabemos quem é essa ilustre personagem que atende por nome tão lindamente eufônico. Confesso, trêmulo de vergonha, que, até pouco tempo, ignorava esse nome. Eu já ouvira falar em Rui Barbosa, Oswaldo Cruz, Cotegipe, Pedro Álvares Cabral. Mas juro que não sabia quem era o sr. Mossoró. E foi, portanto, com as faces rubras de vergonha, que vim a saber, anteontem, que o ilustre sr. Mossoró não era senhor, embora tremendamente ilustre: era um cavalo.

Ora, um patriota que não tenho a subida honra de conhecer pessoalmente, escreveu-me ontem uma carta amargurada, na qual, após lamentar a minha ignorância, por eu haver, segundo ele diz, “achincalhado uma glória nacional”, termina afirmando, com absoluta convicção, que há cavalos que merecem poemas, mas que eu, cronista desprezível, não mereço senão desprezo, porque eu, sim!, é que sou um cavalo!

O missivista, evidentemente, está enganado, porque eu, pobre de mim!, não achincalhei coisa nenhuma desta vida e muito menos o ilustrado quadrúpede. Tanto assim é que, para dar o merecido relevo ao bravo Mossoró, transcrevi o telegrama em que se dava conhecimento ao povo, da chegada triunfal do herói.

E peço licença ao epistológrafo de mau humor para reproduzir aqui uns trechinhos muito interessantes da notícia do “Jornal Pequeno”, de Recife, sobre a recepção feita ao bravo Mossoró.

“Havia pessoas de todas as classes que se movimentam, também levadas por este sentimento de bairrismo tão nosso, para ver o assombroso cavalo”.

E o “assombroso cavalo” chegou, não abatido, mas, segundo reza a notícia, “com bom aspecto e pisando forte”.
Se se tratasse de um cavalo xucro, é evidente que pisaria de mansinho, nas pontas dos pés, ou melhor das patas. Mas com o heróico Mossoró não aconteceu isso, porque ele desembarcou pisando forte!

“Ao ser retirado do “box” partiu da grande massa que estacionava no cais um intenso vozerio vivando o valoroso cavalo nordestino”.

Os senhores pensam que Mossoró estranhou o ruído? É porque os senhores não conhecem o valor do bravo cavalo. Senão, leiamos:

“Calmo, acostumado já aos ambientes movimentados, como o de hoje, deixou Mossoró as docas...“

Essa calma, que tão profundamente impressionava o jornalista pernambucano, o valoroso “crack” a manteve, imperturbavelmente, até mesmo em instantes dramáticos como este de que nos dá notícia o jornal:

“Entre as numerosas pessoas que estiveram hoje no cais do porto viam-se senhoras da nossa alta sociedade. Atracado o “Aranguá”, algumas delas dirigiram-se até o convés, onde estava o “box” de Mossoró, acariciando e afagando o grande “crack”, que parecia compreender, pela sua mansidão e calma, todo aquele regozijo”.

Ora, diante de fatos tão consideráveis, é com a maior amargura e a mais justificada tristeza que eu constato a ausência de verdade na afirmativa do missivista quando assegura que eu sou um cavalo. Infelizmente, desgraçadamente, sou apenas um homem.

Quem me dera ser cavalo numa terra destas.


Também na marchinha de Lamartine Babo, História do Brasil, o tordilho foi lembrado, em 1934. Eis a letra:

Quem foi que inventou o Brasil?
Foi Seu Cabral
Foi Seu Cabral
No dia 21 de Abril
Dois meses depois do Carnaval
Depois Ceci amou Peri
Peri beijou Ceci
Ao som, ao som do Guarani
Do Guarani ao guaraná
Surgiu a feijoada e mais tarde o parati
Depois Ceci virou Iaiá
Peri virou Ioiô
De lá pra cá tudo mudou
Passou-se o tempo da vovó
Quem manda é a Severa e o cavalo Mossoró

As antigas rivalidades já não existem mais.

Entre os maiores criadores e proprietários do país existia uma rivalidade impressionante. Vencer o GP Brasil era o maior desafio. Grandes campeões foram importados para tentar a vitória e houve uma época em que bater os argentinos era questão de honra para nossos maiores turfistas. Depois desta fase, a rivalidade nacional ficou mais acentuada, entre Rio e São Paulo. Houve a época em que a Gávea virou o “Recreio dos Bandeirantes” e proprietários locais faziam de tudo para evitar as vitórias paulistas. Foi uma fase apaixonante, de um glamour incalculável. Mas o tempo passa, as crises surgem e, em seguida, começa o êxodo inevitável dos melhores corredores brasileiros.

Um recorde ainda longe de ser superado.

O incrível Juvenal Machado da Silva, com cinco vitórias, é o recordista do GP Brasil, posição alcançada através dos inesquecíveis êxitos de Aporé, Gourmet, Grimaldi, Bowling e Flying Finn. Tantos outros pilotos consagrados já passaram na frente na maior prova do turfe nacional, como os fantásticos Rigoni, Goncinha, Lavor, Ricardo e outros. Entre os treinadores, o inesquecível Ernani de Freitas deixou sua marca.

por Marco Aurélio Ribeiro em 14/08/2007

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