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terça-feira, 22 de março de 2011

Japão, Heróis têm sentença de morte

Heróis têm sentença de morte
Para especialistas em medicina nuclear, trabalhadores que tentam evitar uma catástrofe em Fukushima vão sofrer sequelas na saúde

Eles já foram alçados à condição de heróis nacionais no Japão. São cientistas, engenheiros, físicos, bombeiros e militares que, enclausurados num ambiente completamente comprometido, tentam evitar o desastre total na usina nuclear de Fukushima, a mais afetada pelo terremoto seguido de tsunami do último dia 11. Todo o sacrifício pode ter um preço alto: a própria vida.

“Eu acredito que esses trabalhadores estão condenados. Se viverem alguns anos, vai ser muito”, avalia Ricardo Goulart, físico-médico especialista em radioterapia do Hospital Angelina Caron. “Eles certamente vão sofrer da chamada síndrome aguda da radiação, quando uma pessoa fica exposta a um nível muito alto mesmo num intervalo de tempo pequeno. De imediato, é bem provável que sofram náuseas e tenham diminuição de leucócitos no sangue. Às vezes, chegam à morte em semanas.”

As zonas de exclusão no entorno de usinas nucleares danificadas podem permanecer isoladas durante centenas de anos. Elementos radioativos liberados no meio-ambiente, como o césio, contaminam solo, água, animais e vegetais. O espaço só pode ser reaproveitado no caso de instalação de uma nova usina nuclear.

“Os elementos radioativos têm uma vida muito longa. O césio, por exemplo, só desaparece totalmente da atmosfera em cerca de 300 anos”, calcula Ricardo Goulart, físico-médico do Hospital Angelina Caron. “Se chove, essa água contaminada vai para o solo. Tem ainda o animal que pode comer vegetal contaminado. E a gente pode consumir essa carne, o leite.”

Bianca Maciel, supervisora do Hospital São Paulo, lembra do acidente de Chernobyl, em 1986. “Passados 25 anos, a cidade foi reaberta para visitação. Mas perto da usina você só pode ficar durante 13 minutos, e isso porque existe um enorme aparato de contenção.”

O acidente de Chernobyl, considerado o pior até hoje, foi enquadrado como nível 7 de gravidade. O de Fukushima foi elevado a nível 5 na última sexta-feira.

O pessimismo é compartilhado por Bianca Maciel, supervisora de radioproteção em medicina nuclear do Hospital São Paulo. “Com certeza eles estão muito sujeitos aos efeitos biológicos da radiação, como o câncer por exemplo”, afirma. “Na minha área, a gente já considera que eles vão ter esses efeitos.”

Para o especialista em física nuclear e professor da Universida­­­de Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Sergei Paschuk, ainda não é possível fazer qualquer avaliação nesse sentido (leia no texto abaixo).

Até pelo próprio isolamento da área, são escassas quaisquer informações precisas sobre a operação na usina. A princípio, 50 homens foram designados para impedir o vazamento de material radioativo à atmosfera, o que causaria uma catástrofe de proporções incalculáveis. Dias depois, o número passou a 180. O real esquema de revezamento a que são submetidos também não é claro.

De concreto, o governo japonês informou que os níveis de radiação a que os técnicos estavam expostos chegava ao equivalente a 16.000 radiografias de tórax – ou 8 sieverts por hora, que é a unidade de medida para a quantidade de radiação absorvida. Com a absorção de 0,05 sievert, por exemplo, já ocorrem mudanças nas células sanguíneas. Com 0,75, o cabelo pode cair. A partir de 4 sieverts, o risco é de morte.

“Não tem como falar que os trabalhadores de Fukushima não estão sujeitos à radiação. As roupas de chumbo que usam atenuam os efeitos, mas não blindam totalmente. Imagine uma lâmpada muito forte. Se você colocar um tecido na frente dela, a luz pode enfraquecer um pouco, mas ainda vai passar ”, compara Bianca Maciel. “Se os técnicos fossem usar uma roupa que os deixasse 100% seguros, eles sequer conseguiriam sair do lugar por causa do peso, de tanto chumbo.”

O físico-médico Ricardo Goulart lembra ainda que mesmo quem fica exposto a níveis baixos de radiação pode desenvolver doenças. “Nesse caso, a gente fala em probabilidade de ocorrer uma mutação das células e o consequente aparecimento de tumores.” Em Hiroshima e Nagasaki, as cidades devastadas por bombas atômicas lançadas pelos EUA, pessoas desenvolveram câncer muitos anos depois dos ataques, recorda.

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