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sábado, 29 de janeiro de 2011

ELEIÇÕES JOCKEY CLUB DE SÃO PAULO



Eleição para novo presidente oferece o desafio de administrar uma dívida de 200 milhôes de reais e conter uma preocupante sangria de público

Foi uma tarde de glória, presenciada por elegantes senhores de terno e gravata, senhoras de vestidos curtos e alguns sorrisos turbinados. Para celebrar o 457º aniversário da cidade, o Jockey Club de São Paulo organizou uma corrida especial na última terça (25). A Orquestra Filarmônica Bachiana Sesi — SP, sob a batuta do maestro João Carlos Martins, realizou um concerto e o padre Marcelo Rossi improvisou uma bênção para a capital.
Os convidados mais seletos, como o prefeito Gilberto Kassab, foram recepcionados na sala da presidência, no 4º e último andar do principal prédio do clube, de onde se descortina a melhor vista para a pista. Enquanto jóqueis e cavalos se digladiavam a 60 quilômetros por hora para o deleite do público, ali, longe dos flashes e do tilintar das taças de champanhe, era a sucessão da presidência que injetava adrenalina nas conversas. As atenções se voltavam para Márcio Toledo, o mandachuva da instituição, que desfilava ao lado da namorada, a senadora petista Marta Suplicy. Eleito em 2005 e reconduzido ao cargo três anos depois, ele terá de tirar o cavalinho da chuva: de acordo com o estatuto, Toledo não pode disputar o próximo pleito, marcado para o início de março. Por isso, todos estavam interessados em saber quem seria o candidato apoiado por ele.
E a largada para esse páreo já foi dada. Ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo e sócio da faculdade Facamp, de Campinas, o empresário Eduardo da Rocha Azevedo tomou a dianteira e anunciou há duas semanas a formação de uma chapa de oposição. “Precisamos de pessoas que realmente se dediquem ao Jockey”, diz ele, que ocupou o posto de diretor de obras da agremiação no fim da década de 90, no mandato do banqueiro Antonio Grisi Filho. “Proponho a contratação de executivos para tocar o dia a dia da entidade, como ocorre em grandes companhias.”
O candidato da situação será o atual diretor de finanças, o empresário Mário Gimenes. Braço direito de Toledo desde 2005, ele defende sua gestão com unhas e dentes. “As diretorias anteriores, inclusive aquela da qual meu opositor fez parte, por pouco não nos levaram à falência”, declara ele. “Hoje a situação não é mais dramática.”

Não é bem assim. Instalado às margens do Rio Pinheiros, em uma área na qual poderiam ser construídos oito estádios do Pacaembu, o Jockey carrega uma dívida de quase 200 milhões de reais. A maior parte dessa quantia é fruto de tributos atrasados, como o IPTU. Reajustado em 2010 para 6 milhões de reais, esse imposto não foi pago a partir de 1980. Em 2006, os débitos relativos até 1995 foram renegociados e passaram a ser honrados. Já os valores correspondentes aos últimos quinze anos são questionados na Justiça — e seguem em aberto.
Toledo afirma ter instituído uma rígida política de ajustes e ampliado as fontes de renda, principalmente com o aluguel de espaços para eventos como a Casa Cor e o Q!Bazar. “Só o nosso faturamento com o estacionamento saltou de 30.000 reais para 150.000 reais mensais”, afirma ele. Em 2010, foram arrecadados 100 milhões de reais com apostas e outros 35 milhões de reais com aluguéis — o clube possui um prédio no centro, terrenos na cidade e um centro de treinamento em Campinas. Descontados os gastos com premiações (95 milhões de reais), manutenção e o pagamento de dívidas já renegociadas (35 milhões), sobram em caixa 5 milhões de reais por ano. Os valores são aproximados, mas permitem o seguinte raciocínio: se o rombo de 200 milhões de reais pudesse ser congelado, o clube levaria quarenta anos para liquidá-lo.
Fernando Moraes

Várias propostas para resolver o problema de caixa foram anunciadas. Apresentada pela atual diretoria, a mais ousada delas previa a construção de dois edifícios (um deles com trinta andares) e um centro comercial de 3.000 metros quadrados sobre a área do hipódromo hoje ocupada pelas cocheiras. Também estava prevista a criação de um novo centro de treinamento no município de Porto Feliz, a 120 quilômetros da capital, e de prédios residenciais no centro de treinamento de Campinas e na Chácara do Jockey, na Vila Sônia.
Tudo isso poderia render outros 36 milhões de reais anuais. Mas o projeto foi barrado pela Justiça, a pedido de doze associados, Azevedo entre eles. “O atual presidente decidiu abrir mão de um quinto de nossa sede e nem sequer consultou os sócios”, afirma o candidato opositor. Toledo não comenta o ocorrido, mas responde na mesma voltagem: “Quando Azevedo estava no comando, uma enorme gleba de terra em Campinas foi vendida. Isso não quitou nenhuma dívida”. Replica Azevedo: “A diferença é que fechamos esse negócio com a anuência de uma assembleia”.
Alheio ao bate-boca, o prefeito Gilberto Kassab também traçou planos para o hipódromo. Sua ideia: desapropriar o terreno e transformá-lo em parque. Qualquer obra no local, no entanto, precisará ser aprovada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), já que a área foi tombada em agosto passado. A medida protege todo o perímetro do terreno e suas imponentes edificações, adornadas com dezesseis esculturas de Victor Brecheret.

Debelar a milionária crise financeira do Jockey não é o único desafio em jogo. E a crescente sangria de público? A comemoração da semana passada não espelha o que acontece no dia a dia do clube da Cidade Jardim. VEJA SÃO PAULO acompanhou a corrida do penúltimo sábado (22) — nos fins de semana, os páreos são realizados a partir das 14 horas; às segundas, por volta das 18 horas. Cerca de 300 pessoas, em geral acima dos 70 anos, se espalhavam pelos bares, arquibancadas e salão de apostas.
A direção atual, no entanto, sustenta que as provas são conferidas por 4.000 pessoas. Se for verdade, ainda é pouco. Até o início da década de 90, algumas disputas chegavam a ser acompanhadas por 8.000 aficionados. O quadro de sócios também é cada vez menor e hoje lista 3.000 pessoas, três vezes menos que nos anos 70. E estamos falando de um clube com um dos títulos familiares mais baratos da cidade. Custa 5.000 reais, que podem ser divididos em dez parcelas ou pagos à vista, com 12% de desconto. É quase um cavalo dado, do qual não se olham os dentes. Para entrar, basta a indicação de dois sócios efetivos. As mensalidades custam 240 reais. Para se ter uma ideia do que isso significa, para virar sócio de A Hebraica, frequentada por 25.000 pessoas, é preciso desembolsar mais de 30.000 reais e pagar 450 reais de mensalidade. “Muitos associados antigos eram inadimplentes e foram eliminados”, diz Toledo, que reformou a área de lazer do hipódromo e construiu uma piscina em dezembro para atrair um pouco mais de gente.

Não é de hoje que a agremiação vê sua popularidade declinar. Criado em 1875 como Club de Corridas Paulistano — primeiro na Rua Bresser, na Mooca, e desde 25 de janeiro de 1941 no endereço atual —, o Jockey recebeu o primeiro coice em 1961, quando o presidente Jânio Quadros investiu contra as apostas em animais. Obrigado a reduzir as provas a uma por semana, o clube logo precisou rever a tradição de ser um dos mais fechados do país. A solução para aumentar a frequência, posta em prática no fim da década, foi abrir as portas para os associados de outras cinquenta entidades — e abolir a exigência de paletó e gravata nas áreas sociais.
Com o tempo, porém, e a multiplicação das opções de lazer, além do surgimento de inúmeras modalidades de loterias e jogos bancados pelo governo, o marasmo voltou a tomar conta dos salões, das arquibancadas e dos guichês de aposta. Não é um fenômeno local. No Rio de Janeiro, por exemplo, a situação é parecida. “Há muito o turfe deixou de atrair novas gerações”, acredita Antonio Lafayette Salles, sócio do hipódromo paulistano há quatro décadas. Da mesma forma, o interesse pelo esporte desapareceu das páginas de jornais como “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, que costumavam veicular notícias diárias sobre páreos e leilões de cavalos. “A partir dos anos 80, as pessoas se cansaram de ler sobre o assunto”, resume Cyro Fiuza, 88 anos, repórter de turfe durante quase três décadas. “Preferem hoje ver futebol na televisão.” O próximo que tiver as rédeas do Jockey vai reverter esse cenário? Façam suas apostas.

ENTRE SORRISOS E PATADAS


Mário Gimenes: candidato da situação
“As administrações anteriores, inclusive aquela da qual meu concorrente fez parte, levaram o clube à beira da falência.”Mário Gimenes, empresário, atualmente responsável pelas finanças do Jockey, candidato da situação


Eduardo da Rocha Azevedo: chapa da oposição
"Falta profissionalismo na atual diretoria. Precisamos de pessoas que realmente se dediquem ao Jockey."Eduardo da Rocha Azevedo, empresário, da chapa da oposição

O PALCO DAS DISPUTAS
Instalada em um terreno de 620.000 metros quadrados, equivalente a oito estádios do Pacaembu, a sede do hipódromo paulistano completou sessenta anos na semana passada

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