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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Juquinhas não são Inocentes - Parte I
No início de 2010, as cantinas das escolas mineiras tiveram de reformular seus cardápios. Uma dura lei promulgada pelo então governador Aécio Neves proibia o fornecimento e a comercialização de produtos com alto valor calórico, altos teores de gordura, açúcar e sal e pouco valor nutritivo. Nada de chocolates, balas, refrigerantes e salgados fritos, nada da imediata substância da felicidade infanto-juvenil.
Mas a história já cansou de ensinar que toda lei seca gera sua sombra e que é embaixo dela, no bem-bom do ilícito, que o mercado negro faz a festa. Em Belo Horizonte, não inventaram moda. Em pouco tempo, a cidade se viu às voltas com uma miríade de Al Capones cuja insídia só não é maior do que as porções de doce que mercadejam. O comércio de guloseimas proibidas corre solto, no nariz dos responsáveis por manter os escolares em segurança.
Atrás de uma escola na região da Savassi, numa rua de pouco movimento, instalado sob uma grande e colorida sombrinha, está o carrinho dos sonhos de qualquer criança mais ou menos rechonchuda. Parece ter saído direto da Fantástica Fábrica de Chocolate de Willy Wonka, mas quem o comanda é um homem bem menos excêntrico. Ele tem 40 anos, jeito cortês, é moreno e usa jeans, camiseta polo e sapato social. Seu nome é Mauro, vulgo Ô-Tio – e mais não diremos, porque temos juízo.
De dentro da escola, por cima do portão, brotam as mãozinhas do mal:
– Ô-Tio, me dá 1 real de bala misturada! Menos de menta.
– Ô-Tio, me dá uma Fanta e cinco canudinhos!
– Ô-Tio, me dá quatro Big Big, dois Dipn’Lik, três Poosh e uma paçoquinha!
– Ô-Tio, de menta não!
Mauro é baleiro licenciado e toca o negócio com diploma de técnico em administração de empresas. Atende a freguesia das 7h às 17h30, todo santo dia útil. Assumiu há mais de dois anos o ponto do pai, seu Pipo, que se aposentou depois de absorver a mesada das crianças por quase quatro décadas. Amparado na sólida tradição dos negócios da família, ele tem credibilidade para afirmar que as vendas nunca foram tão efervescentes quanto nesses tempos de ditadura do nutricionalmente correto.
A transação começa cedo, explica: “Antes da aula os meninos vêm aqui, enchem a mão de bala e de pirulito e entram. Acontece que, chega a hora do recreio, já acabou.” Quando ouve o sinal que solta os alunos, ele entra em estado de alerta máximo, pois sabe que em instantes terá de se haver com a manada de frenéticas mãozinhas penduradas por cima do portão.
O fato de os alunos não poderem sair da escola resultou num esquema de agilização do atendimento. Ô-Tio cutuca a mão, o cliente solta a grana e fica de mão aberta, à espera do que pediu. Em segundos a mão já está saltitando, de posse da sua Fanta. Se por algum motivo Ô-Tio demora um pouco, a mão se recolhe, mas é só ele esticar o pacotinho de Frutella por cima do portão que ela pega rapidinho.
NUNO MANNA
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